domingo, 6 de junho de 2021

Bernardo Mello Franco - Forças Aparvalhadas

- O Globo

O capitão enquadrou os generais que imaginavam comandá-lo. A avaliação é do cientista político João Roberto Martins Filho, professor da Universidade Federal de São Carlos. Um dos principais estudiosos da atuação das Forças Armadas no país, ele vê Jair Bolsonaro como uma criatura que dominou os criadores.

“A eleição de Bolsonaro teve apoio decidido da cúpula das Forças Armadas. O objetivo era voltar ao poder e controlar o presidente, mas esse projeto não deu certo. Desde a demissão do general Santos Cruz, no início do governo, ficou claro que ele seria incontrolável”, afirma.

Na quinta-feira, o Exército se dobrou a Bolsonaro e arquivou o processo disciplinar contra o general Eduardo Pazuello, que participou de ato político com o presidente. Para Martins Filho, a decisão de não punir o ex-ministro enfraquece o comandante Paulo Sérgio Nogueira e estimula a insubordinação nos quartéis.

“A atitude correta seria punir o general e esperar as consequências. Bolsonaro poderia demitir o comandante do Exército, mas sairia desgastado do episódio. Agora quem saiu enfraquecido foi o comandante”, avalia o cientista político.

O presidente arrastou Pazuello para o palanque no momento em que aparece em queda nas pesquisas e se vê cercado pela CPI da Covid. Antes disso, trocou os três comandantes militares e entregou o Ministério da Defesa ao general Braga Netto, que o professor define como “bolsonarista de carteirinha”.

“Levar Pazuello para o ato foi uma provocação aberta”, diz Martins Filho. “Quanto mais o governo se enfraquece, mais as Forças Armadas parecem aparvalhadas. Os generais do Alto Comando que pensam na institucionalidade devem estar desnorteados”, aposta.

O capitão se projetou na política ao ser punido por indisciplina nos quartéis. Agora estimula a insubordinação militar para se agarrar ao poder, avalia o cientista político. “A estratégia de Bolsonaro é semear o caos. Ele sempre tenta fugir para a frente. Enquanto puder, vai gerar instabilidade até as eleições de 2022”, prevê.

O cenário do tumulto já está desenhado. Ao atacar o voto eletrônico, o presidente indica que se insurgirá contra uma possível derrota nas urnas. Enquanto a eleição não chega, ele investe na politização de policiais militares e de oficiais de baixa patente das Forças Armadas.

“Hoje os governadores têm medo de suas polícias. Se houver uma rebelião nas PMs, só quem pode segurá-las é o Exército. Bolsonaro está brincando com fogo”, alerta Martins Filho.

O professor aponta semelhanças entre o caso Pazuello e o atentado do Riocentro, em 1981. Há 30 anos, militares contrários à redemocratização tramaram um ato terrorista para frear a abertura. O plano fracassou porque uma das bombas explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu no local.

Em vez de punir os responsáveis, o governo de João Figueiredo preferiu acobertá-los. O inquérito foi arquivado sob a alegação de que os militares teriam sido vítimas de uma armadilha. “A diferença é que agora o agitador é o presidente da República”, observa Martins Filho.

 

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