- Correio Braziliense / Estado de Minas
Uma das características do
reacionarismo é a nostalgia de um passado idealizado, no caso, o antigo regime
militar
Está cada vez mais claro que a contradição
principal da vida política nacional é a tensa coexistência entre um governo de
fortes características bonapartistas e uma ordem constitucional democrática.
Essa contradição não resulta, em si, da eleição do presidente Jair Bolsonaro,
mas de suas ideias reacionárias. Um governo de direita legitimamente
constituído faz parte do jogo democrático, porém, o presidente da República
pretende governar o país como se tudo pudesse, levando à frente essas ideias,
mesmo afrontando os ditames da Constituição de 1988.
O resultado dessa contradição é um forte
esgarçamento das relações políticas entre as instituições republicanas. Além
disso, a subalternização de órgãos autônomos que exercem o papel de
fiscalização e controle das ações públicas e privadas junto à sociedade —
Ministério Público Federal, Receita Federal, Ibama, Polícia Federal,
Advocacia-Geral da União, entre outros — deriva para sua instrumentalização em defesa dos
interesses políticos e eleitorais do clã Bolsonaro e seu projeto autoritário.
Vejam o recente episódio de quebra da hierarquia e da disciplina no Exército pelo general de divisão da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que participou de um ato político de característi- cas eleitorais ao lado de Bolsonaro. Por pressão do presidente, “comandante supremo” das Forças Armadas, não foi punido pelo comandante da Arma, general de Exército Paulo Sérgio Nogueira. O fato somente reforça as características bonapartistas do governo, que se coloca acima das classes sociais; cada vez mais enfraquecido na sociedade, Bolsonaro busca apoio “nas baionetas”.
O fato de termos um presidente eleito pelo
voto popular não lhe legitima toda e qualquer ação. Há que se respeitar os
limites estabelecidos constitucionalmente e os mecanismos de pesos e
contrapesos que equilibram as relações entre os Poderes e os entes do sistema
federativo. Também não é aceitável uma suposta “ditadura da maioria”. A
democracia pressupõe o respeito ao dissenso e aos direitos das minorias.
Frequentemente, Bolsonaro desdenha ou desrespeita esses princípios
democráticos.
O nosso Estado-nação é fruto de um esforço
continuado de elites conservadoras e liberais e da participação democrática do
povo. Nos momentos em que houve essa convergência, o país avançou. É falsa a
ideia de que o Brasil esteve ameaçado pelo comunismo, velho fantasma utilizado
durante a guerra fria para golpear a democracia. A ideia de que a esquerda no
poder representou uma experiência socialista é igualmente falsa. Muito pelo
contrário, seu transformismo fisiológico e patrimonialista agravou a crise
ética dos partidos, onda que Bolsonaro surfou para chegar ao poder.
Estado-força
O presidencialismo brasileiro é vertical, se reproduz na maioria das nossas
instituições políticas, desde o governo de Floriano Peixoto, na República
Velha. Esse é um fator permanente de crises institucionais. Um só homem é o
vértice absoluto do governo, a forma mais concentrada de poder, que arrecada,
normatiza e coage. O uso da força do Estado com objetivo de aumentar e
reproduzir o próprio poder, e não para o bem comum, nos leva ao mau governo e a
inevitáveis confrontos com os demais poderes e entes federados, com a geração
de crises políticas e institucionais sucessivas, que já nos levaram a duas
ditaduras: 1930-1945 e 1964-1985.
Fios de história ligam a atual conjuntura aos regimes autoritários desses períodos. Um deles é a vertente autoritária da ideologia positivista. Discípulo de Auguste Comte, o francês Charles Maurras, no começo do século XX, com seu nacionalismo integral e a defesa do “Estado- força”, influenciou fortemente o fascismo italiano, o nacional-socialismo alemão, o salazarismo e o integralismo no Brasil. Outro fio de história são os laços de amizade e trajetórias pessoais dos generais que compõem o estado-maior de Bolsonaro. Pertencem a uma geração cuja carreira militar também era uma via de acesso ao poder político, mas teve esse objetivo frustrado pela eleição de Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral, em 1985. Entretanto, chegaram ao poder na aba do chapéu de Bolsonaro, em 2018. Uma das características do reacionarismo é a nostalgia de um passado idealizado, no caso, o antigo regime militar. É aí que mora o perigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário