- O Globo
Urge colocar um cabresto na cabeça do
presidente da República, Jair Bolsonaro. E calibrar rápido essas correias para
frear o insano galope presidencial em curso. Como demonstrou o engavetamento do
processo disciplinar contra o general da reserva e ex-ministro da Saúde Eduardo
Pazuello, o desfibrilado Alto-Comando do Exército abriu porteira a uma anarquia
fardada de cima para baixo. Com as PMs de vários estados já bandeadas como
linha de frente do capitão, Bolsonaro sabe que também pode contar com a confraria
fortemente armada das milícias, que aguarda apenas a ordem para sair das
sombras e atropelar o que resta de Brasil civil e civilizado. Uma pesquisa de
julho do ano passado já mostrava que 12% dos policiais militares eram
favoráveis à prisão de ministros do STF e ao fechamento do Congresso.
As minudências do “episódio/provocação
Pazuello”, desencadeado por Bolsonaro, conseguiram eclipsar por um dia outras
constantes nacionais como o descontrole da Covid-19, cuja curva de mortandade
aponta para a inimaginável marca de 500 mil vidas descartadas, além de 13
estados com UTIs novamente lotadas e uma CPI que desenterra os porões da
(ir)responsabilidade do governo. O desmatamento da Amazônia também acaba de
atingir o pior índice para maio desde 2016, segundo dados do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe), enquanto a brutalidade policial contra o cidadão
comum está cada dia mais escancarada. É um desmatamento institucional de vidas
— a humana, a animal, a ambiental, a política —pela força.
Não bastasse, ainda temos a Copa América, rebatizada de Copa das Cepas pelo escritor Ruy Castro. Se é que Copa haverá. A absurda realização do evento deslocado às pressas para solo brasileiro, com a participação de dez seleções e um número indefinido de possíveis variantes do vírus, corre o risco de ter apenas um torcedor desvairado —Jair Bolsonaro. Além, é claro, da quadrilha de sempre — a CBF. O presidente apostou forte no poder anestesiante de uma bola rolando em estádios, com um possível triunfo da seleção canarinho.
Errou feio.
Cinquenta e um anos atrás, outro capitão, o
jogador Carlos Alberto, tornara o Brasil o primeiro tricampeão do mundo ao
marcar o último gol do histórico 4 a 1 contra a Itália, no México. Naquele
junho de 1970, vivia-se aqui a fase mais repressiva da ditadura militar, mas a
pátria dos “90 milhões em ação” comemorou como se não houvesse o amanhã da
tortura, dos mortos e desaparecidos, do aniquilamento da vida nacional.
Naqueles anos sombrios, venceu o “Ame-o ou deixe-o”.
Desta vez, será diferente: essa Copa
bolsonarista tem tudo para dar errado. O enjeitado torneio, expelido da
Colômbia e da Argentina por motivos diferentes, fará pouso arriscado num país
que se arrasta em 79º lugar entre 180 países no ranking mundial de vacinados
com duas doses. Somada à notícia de que vários convocados da seleção canarinho,
atuantes em times europeus, poderão até desistir de jogar —seja por pressão,
precaução ou convicção —, deve ter acendido alerta brabo nos organizadores.
Mesmo que o evento seja disputado nos quatro estados acordados, a possibilidade
de um desempenho pífio do Brasil agravará o efeito político bumerangue da
coisa.
A propensão de Bolsonaro por gerar crises e
planejar estultices é deliberada, fruto de sua insegurança conspiratória na
Presidência. Impregnado de estratagemas usados à exaustão por Donald Trump, o
primeiro presidente dos Estados Unidos a utilizar a expressão “meus generais” e
a tentar um autogolpe para manter-se no poder apesar de derrotado nas eleições,
o capitão no Planalto já quase oficializou sua estratégia para 2022, caso saia
surrado nas urnas: simplesmente invalidar o resultado, convencer seus
apoiadores de que houve fraude e convocá-los a mantê-lo no poder somando o uso
da força ao caos nacional.
Convém não esquecer que, embora o assalto
ao Congresso promovido por Trump não tenha conseguido impedir a posse de Joe
Biden em 2021, a ala majoritária do Partido Republicano sustenta até hoje que o
processo eleitoral foi fraudado e promete troco nas próximas eleições
legislativas (2022) e presidenciais (2024). As conspirações para abalar a
democracia nos Estados Unidos são bem financiadas, persistentes e alarmantes.
Felizmente, nem todas chegam ao desvario do general da reserva Michael Flynn.
Semanas atrás, o ex-assessor de Segurança Nacional de Trump sugeriu
publicamente que as Forças Armadas dos EUA dessem um golpe de Estado semelhante
ao dos militares de Mianmar, que causou perto de 800 mortes quatro meses atrás.
Tempos brabos, em resumo. Portanto, tempos
de o Brasil encarar o pesadelo nacional de olhos bem abertos.
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