- Blog do Noblat / Metrópoles
Não punição de Eduardo Pazuello pode levar à transformação das Forças Armadas em bandos, milícias.
O comandante do Exército não é “caxias” no
sentido técnico do jargão militar: porque é tolerante com a indisciplina.
Também não é “caxias” no sentido do amor à farda, ao saber as consequências
possíveis de sua tolerância com a indisciplina. Todo precedente de indisciplina
tolerada gera outras indisciplinas. Outros soldados irão a manifestações
políticas em apoio a amigos ou partidos. Se não for um general com aval do
presidente, ele provavelmente será punido e estará criado um clima ainda mais
propício à indisciplina, porque uma regra com dois pesos e duas medidas gera
anarquia. Nas palavras do ex-Ministro da Defesa Raul Jungmann: “um exército sem
disciplina não é tropa, é bando”.
O gesto do comandante pode levar à transformação das Forças Armadas em bandos, milícias. Agora foi com o propósito de apoiar o presidente em um ato político, depois poderá ser por qualquer partido. A disputa entrará nos quartéis. Durante os meses em que estive no serviço militar, ouvia os oficiais dizerem que a disciplina era como um cristal que depois de quebrado não se recupera, será necessário buscar outro. Em Março de 1964, ouvi a justificação para o golpe, porque o presidente João Goulart estava levando sargentos ao palanque. Eles lembravam que os bolchevistas tomaram o poder na Russia usando a indisciplina dos soldados desertores fugindo da guerra perdida contra a Alemanha.
O gesto “não caxias”, mesmo que tenha sido
outra a intenção do comandante do Exército, pode estar levando o atual
Presidente da República a quebrar a disciplina para poder ter o que ele chama
de “meu exército”, “minhas polícias”,preparando para o terceiro turno das
eleições de 2022 ou preparando um turno zero antes do próximo ano. A tropa do
Brasil se transformando em bando ou milícia a serviço do presidente, seus
familiares, sua turma.
Cabe perguntar como os governadores vão
manter a disciplina em polícias partidarizadas que atiram em manifestantes,
como em Recife, ou prendem estudante com faixa, como em Goiânia?” Fui
governador nos anos seguintes à euforia democratizante. Vi partidos e deputados
querendo quebrar a disciplina da Polícia Militar do DF. Não foi fácil manter a
disciplina, mas foi possível graças a alguns comandantes “caxias”, e a firmeza
do governo.
A porta agora foi aberta por um gesto “não
caxias” do comandante do Exército a serviço de um presidente que fala no “meu
exército” e “minha polícia”. Cabe peguntar quem vai barrar o golpe em marcha
por um presidente que nunca escondeu sua simpatia por ditadura, por tortura e
assassinato de líderes políticos dos quais diverge?
Mais preocupante é que as forças políticas
civis democráticas, em vez de despertarem para os riscos, se dividem. Acusam ao
comandante por não ser “caxias”, mas de um lado o PT e Lula não aceitam apoiar
outros, e os outros não aceitam Lula nem o PT. Nem apresentam um nome
alternativo. Ficam divididos. Em momentos graves na história de um povo,
indisciplina entre os militares e divisão entre os civis democratas leva sempre
a ditaduras. A divergência é uma qualidade em momentos normais da história, em
momentos de ameaça ao futuro do País, civis divididos é tão grave quanto
militares não “caxias”.
Esta é uma hora em que os comandantes
militares deveriam zelar pela disciplina e os civis pela unidade.
Escolherem um deles com mais condições de
ganhar as eleições e de governar. Inclusive para recuperar a disciplina nas
Forças Armadas que Bolsonaro está conseguindo destruir. Ele destrói as
universidades cortando verbas, asfixiando; e às Forças Armadas dando-lhes
verbas, cooptando-as inclusive para permitir envergonhar Caxias. O capitão
expulso por indisciplina se vinga desmoralizando os generais. E os líderes
civis continuam colocando seus interesses partidários e pessoais na frente do
Brasil.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
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