Revista Veja
Somos uma sociedade plural onde atuam
diversos polos de poder
As turbulências institucionais recentes
provocaram temores no país quanto a potenciais rupturas e episódios de
violência. No desenrolar dos acontecimentos, o presidente do STF, Luiz Fux,
apresentou um cartão amarelo com tons de laranja que precipitou uma série de
embaixadas entre atores políticos relevantes. O dito ficou pelo não entendido
ou pelo mal-entendido.
Uma reflexão acerca dos episódios de 7 de
setembro nos leva a uma questão essencial para entender o Brasil: quem, de
fato, manda no país? A resposta não é fácil nem pacífica. Isso porque aqui há
setores que mandam, mas não parecem mandar; e outros que pensam mandar, mas não
mandam. Além do mais, o próprio conceito de “mando” é frágil.
Começando de trás para a frente e respondendo à indagação, digo que ninguém manda no Brasil. O país, como um organismo vivo, reage e atua com base em dezenas de inputs que levam a decisões que, por sua vez, são influenciadas pelos eventos. Sendo organismo vivo, temos inúmeros atores no jogo político.
E, como sempre, os fatos geram repercussões
que se refletem no processo político, numa espécie de moto contínuo. Por
exemplo, o acirramento das invasões de fazendas estimulou a organização da
União Democrática Ruralista, entidade de proprietários que, por sua vez, foi
essencial para a criação da poderosa bancada ruralista. Não há tema relevante
aprovado no Congresso Nacional sem as digitais do agro.
“Nossas instituições funcionam com pesos e
contrapesos para conter exageros, arroubos e bravatas”
O entrechoque de forças sociais move a
política, bem como as idiossincrasias, as crenças, as expectativas e as
narrativas que circulam, historicamente, país afora. Para entender por que
ninguém manda no Brasil e por que o processo político é resultante do embate
com múltiplos atores, devemos seguir um breve roteiro de esclarecimentos.
Somos uma sociedade plural com diversos
polos de poder, seja no universo público, seja no privado. Os campos de disputa
política não afloram só em período de eleições. Prosseguem cotidianamente no
Congresso, na mídia, no Judiciário, no mercado e suas expressões (bolsa, câmbio
e juros futuros), no empresariado, nos trabalhadores, nas organizações não
governamentais, nas redes sociais e, eventualmente, nas ruas. Apesar do intenso
bombardeio ideológico do século XX, a maioria dos polos de disputa política se
expandiu em torno de agendas de interesses específicos em uma luta por
privilégios e poder.
A quantidade de polos de poder político e
de campos de disputa multiplica os lugares de fala e dificulta a construção de narrativas
hegemônicas. A própria construção de consensos é dolorosa, tanto para
aperfeiçoamentos quanto para retrocessos. Nossas instituições, como nos
acontecimentos de 7 de setembro, funcionam com pesos e contrapesos para conter
exageros, arroubos e bravatas.
Em 2023, seja lá quem for o presidente
eleito, o quadro institucional prosseguirá o mesmo. E ninguém, de forma
isolada, mandará no Brasil nem romperá o equilíbrio “desequilibrado” entre as
suas instituições. Prosseguiremos como um regime semiparlamentarista com forte
influência do Judiciário, descobrindo-se como federação e com múltiplos atores
brigando por espaço e influência no processo político.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de
2021, edição nº 2757
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