O Globo
Se a Agência Nacional de Saúde Suplementar
não fizer nada, as 340 mil pessoas que têm planos individuais da Amil correm o
risco de ficar na chuva. Está na linha de montagem da ANS a autorização para
que o fundo Fiord, estabelecido em São Paulo, fique com o controle da empresa
que administrará a carteira onde estão esses clientes da Amil. Pela legislação,
ela deve examinar o caso à luz das exigências contábeis. Não tem prazo para
isso, mas há uma pressão danada para que o faça logo.
A história desse descarrego, como a leitura
dos resultados de exames de laboratório, é chata e, às vezes, incompreensível,
mas vale a pena acompanhá-la.
Em 2012, a gigante americana UnitedHealth
comprou por R$ 10 bilhões o controle da Amil, uma das maiores operadoras de saúde
privada do Brasil. Não foi um bom negócio, porque depois de perder centenas de
milhares de clientes, trocou de comandante duas vezes e, até 2020, seu lucro
foi irrelevante.
No meio do caminho, os mastigadores de cifras da UnitedHealth apontaram que a carteira de planos individuais da Amil poderia custar um prejuízo estimado em até R$ 20 bilhões em dez anos. Desde a descoberta desse mau presságio, passou-se a negociar a venda da carteira, com os 340 mil clientes.
O banco Pactual foi encarregado de buscar
um comprador e chegou a Nikola Luckic, economista especializado em reestruturar
empresas cambaleantes. Em novembro de 2021, Luckic fundou o Fiord Capital, com
sede num sobrado em São Paulo, e um mês depois fez sua oferta para comprar a
carteira da Amil.
Como ninguém compra prejuízo, construiu-se
uma operação pela qual a Amil passaria adiante os 340 mil clientes pagando
cerca de R$ 3 bilhões ao Fiord para que ele ficasse com a carteira. Isso foi
feito através de um mecanismo complexo que moveu os clientes para o domínio de
outra empresa do grupo, a APS, da qual o Fiord viria a ser acionista. Em
seguida, a Amil lhe venderia sua participação na APS por uma quantia simbólica,
livrando-se da clientela. Só falta a ANS carimbar essa troca de controle
acionário.
Depois da carimbada, o Fiord passará a
controlar a APS, que tem 17 mil clientes e engolirá a carteira problemática da
Amil. Essa é a realidade da burocracia. Na vida real, trata-se de transferir
para a gestão da APS um plano de saúde que foi vendido pela Amil a 340 mil
pessoas. Até agora, a APS atendeu uma clientela equivalente a 5% da freguesia
que deverá absorver. Tudo sob o controle de um fundo que nunca fez um curativo.
A estrutura da APS era parte do grupo Amil. Se havia mau presságio com a
operação da carteira, resta rezar para que o fundo Fiord reverta os maus
indicadores.
O mundo dos negócios está pontilhado de
histórias de sardinhas que comeram baleias. Afinal, a Microsoft de Bill Gates
ficou maior do que a IBM. Como essa transação envolve a saúde de 340 mil
pessoas, um golpe de carimbo pode ser pouco. A clientela nunca foi ouvida nem
cheirada quando passou da Amil para a UnitedHealth e dela foi transferida para
a APS que, por sua vez, será propriedade do Fiord. Tudo dentro da lei.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar
sabe disso tudo e pode ir além do carimbo. Trata-se de saber quais garantias
adicionais serão dadas à clientela e que tipo de ressarcimento os novos donos
da carteira se comprometem a oferecer caso a qualidade dos serviços venha a se deteriorar.
Seria coisa inédita, como inédita é a transação.
Afinal, se uma carteira poderia produzir um
prejuízo estimado em até R$ 20 bilhões em dez anos e os doutores pagaram R$ 3
bilhões para se livrar dela, alguém precisa estimar o risco de calote santuário,
para tentar controlá-lo.
Em dezembro, a APS garantia aos fregueses
da Amil “a mesma rede credenciada”. Semanas depois surgiram queixas pontuais de
que não era bem assim, com clientes reclamando porque os laboratórios onde
faziam seus exames haviam sido dispensados.
O preço do negacionismo
Pelos números do Ministério da Saúde, o
Brasil voltou na quinta-feira à marca dos mil mortos diários pela Covid, número
que parecia abandonado desde agosto. Há um mês, contavam-se os mortos numa só
centena. Esse pico se deveu à associação de um vírus com outro fator, produzido
pelo negacionismo. O presidente da República duvida da vacina e seu ministro da
Saúde flerta com a fama. Isso num país que já perdeu mais de 630 mil vidas,
número provavelmente superior ao de todas as suas guerras, internas e externas.
Salvo o Peru, com seis mil mortos por
milhão de habitantes, o Brasil, com cerca de 2.800, está na companhia de oito
países do falecido mundo socialista do Leste Europeu.
Há dias, num momento de delírio abstêmio, o
doutor Marcelo Queiroga disse o seguinte: “Quero que a História me defina como
o homem que acabou com a pandemia”. Com quase cinco séculos de atraso,
incorporou as virtudes do papa Gregório XIII, patrono do calendário gregoriano.
A pandemia do coronavírus acabará, como acabou a da peste negra dos séculos XIV
e XV. Naquele tempo as epidemias eram enfrentadas com rezas e superstições. Não
havia vacinas, e as pragas acabavam pelo movimento do calendário.
Havendo vacinas, Queiroga atrapalhou a
imunização das crianças e de seu ministério partiram incentivos a drogas
milagrosas. Quem acabou com epidemia no Brasil foi Oswaldo Cruz. Assumiu
recebendo carta branca do presidente Rodrigues Alves e soube usá-la.
Cultura perigosa
O assassinato do congolês Moïse Kabagambe
jogou luz sobre o tipo de ambiente que se formou em torno de alguns quiosques
das praias do Rio.
A polícia demorou a entrar no caso, dois
agentes agiram de forma intimidadora ao lidar com a família do morto e um dos
acusados de ter espancado Moïse revelou que o dono do quiosque onde ele
trabalhava era um policial militar.
No dia seguinte, a concessionária dos
quiosques informou que o ponto é administrado irregularmente por um cabo da PM.
A Prevent e São Jorge
De quem entende do mercado de saúde
privada:
“Se a Prevent Senior tivesse operado de
acordo com as normas do jogo do bicho, não teria passado pelo que está
passando. No dia de São Jorge os bicheiros reduzem o prêmio para quem aposta em
cavalo.
A Prevent tinha milhares de clientes idosos
e havia uma epidemia. Em vez de pedir socorro, acreditaram em cloroquinas
milagrosas e em ligações perigosas.”
Dedetização diplomática
Se faltava um exemplo da dedetização
iniciada pelo chanceler Carlos França na diplomacia nacional, a cordialidade do
encontro entre Bolsonaro e o presidente peruano, Pedro Castillo, mostrou a
eficácia do remédio.
Em junho passado, quando Castillo foi
eleito, o capitão lastimou: “Perdemos o Peru”.
Cada um continua sendo quem é, mas não se
mete na vida do outro a troco de nada.
Discretamente, o ministro Paulo Guedes está ajudando a isolar os agrotrogloditas que envenenam a agenda ambiental.
Um comentário:
Queiroga é o homem que vai acabar com a pandemia.
Tá.
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