Valor Econômico
Empresa tem sócios no aparato estatal e na
iniciativa privada
A empresa de intolerância e atrocidade
nacional - a Fábrica de Ataques Sistemáticos Contra Inimigos Sociais
(Fascisbras) - está batendo recorde de produtividade nesta semana. A companhia,
uma sociedade de economia mista, cujos sócios estão no Estado e na iniciativa
privada, na polícia e nas milícias digitais, nos gabinetes e certos círculos
empresariais, registrou desempenho digno de comemoração pelo presidente da República.
Até o fim do ano, no período pré e
pós-eleitoral, a expectativa é que o grupo lance uma linha de produtos numa
estratégia agressiva de dominar o mercado (golpe), o que se junta à ‘expertise’
na destruição de reputações e de vidas, setor bastante explorado durante a
pandemia.
Bolsonaro, cujo comportamento é como se CEO do conglomerado fosse, parabenizou as tropas que mataram 26 pessoas, entre as quais inocentes, na segunda maior chacina na história do Rio. Não sem razão. A equipe quase bateu a meta da última e recordista operação, em maio do ano passado, no Jacarezinho, onde foram recolhidos 28 cadáveres - na maioria peças de reposição do tráfico.
Desta vez, na Vila Cruzeiro, participaram
Polícia Militar (PM) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), uma “joint venture”
incomum, dado que a PRF não tem propriedade para tal. Atropelou a lógica e as
atribuições legais, como aponta o coronel da reserva Robson Rodrigues, ex-chefe
do Estado-Maior da PM do Rio: “Agiu fora do escopo constitucional e geográfico.
Há um indício forte de desvio de função”.
O que as ruelas da favela da Penha se
assemelham a estradas federais ainda está para se descobrir. “Não há nenhum
beco federal na Vila Cruzeiro”, sintetizou em entrevista o procurador da
República Eduardo Benones, coordenador do Núcleo de Controle Externo da
Atividade Policial, que busca entender a atuação da PRF.
A 1.800 quilômetros de distância, a mesma
Polícia Rodoviária Federal, no município de Umbaúba, no Sergipe, empreendeu um
nível de crueldade que remeteu aos eficientes campos de concentração nazistas e
aos porões da ditadura militar.
Abordado por dois policiais, na BR-101,
Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, é imobilizado e metido, de bruços, dentro
do compartimento de presos do camburão onde é torturado até morrer asfixiado
numa câmara de gás improvisada. Negro, diagnosticado com esquizofrenia, ele
grita para ser solto enquanto os dois homens empurram a porta, forçando-o a
inalar o gás de pimenta e lacrimogêneo, que esfumaça todo o veículo.
Os policiais, que poderiam tê-lo algemado,
não se mostram sensibilizados ou constrangidos mesmo com os apelos de quem
estava por perto e com a cena sendo gravada. A repercussão do assassinato
filmado também não impediu o cinismo da corporação.
Em nota oficial, que se choca com vídeo que
viralizou nas redes sociais, a PRF do Sergipe diz que a vítima “resistiu
ativamente” e que foram empregados “instrumentos de menor potencial ofensivo”.
No boletim de ocorrência, os agentes sugerem que a morte deu-se “possivelmente
devido a um mal súbito”.
Bolsonaro, que durante a pandemia debochou
das vítimas de covid imitando uma pessoa com falta de ar, desta vez preferiu se
dizer desavisado sobre a brutalidade do sufocamento. “Câmara de gás? Onde? Vou
me inteirar com a PRF”, tergiversou.
A morte de Genival vem num 25 de maio,
exatamente dois anos depois de crime semelhante quando George Floyd, de 46
anos, também negro e pai, morreu asfixiado enquanto um policial de Mineápolis
ajoelhou sobre seu pescoço, imobilizado no chão do asfalto, por quase nove
minutos.
Mas se nos Estados Unidos uma onda de
revolta e protestos de rua se espalhou pelo país, dando corpo ao movimento
Black Lives Matter e à condenação do assassino a uma pena de 22 anos e meio de
prisão, a violência policial no Brasil já se tornou algo não apenas banalizado,
como defensável, desejável.
Vide a reação dos ávidos consumidores da
Fascisbras. Há um fascínio ao ver o funcionamento da tecnologia de extermínio e
de exclusão que oprime populações pobres, negras, em nome de um pretenso
combate ao crime organizado ou do que deveria ser uma mera abordagem policial.
Os mesmos que defendem com fervor qualquer
vida humana, negando o aborto, dão lugar à indiferença ou ao sentimento de
fatalidade diante de mortes que desafiam o Estado de direito.
Prestigiada por Bolsonaro, com criação de
cargos e aumento de salários, a PRF está sendo cobrada pelas ações em Sergipe e
no Rio, onde foi acionada de maneira sui generis. Mas a atuação da PM em
operações em favelas - a despeito das restrições criadas pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) - já faz parte da paisagem urbana, ressalta Robson Rodrigues,
configurando um desvio de função de longa data.
Antropólogo e pesquisador do Laboratório de
Análise da Violência (LAV) da Uerj, o coronel da reserva lembra que PM e PRF
são polícias ostensivas e atuam no máximo no flagrante delito imediato, não em
investigação, como a que foi alegada para a chacina na Vila Cruzeiro: “A
investigação é da polícia judiciária, isto é, Polícia Civil e Polícia Federal.
PM não é paga para fazer investigação. Existe um escopo, um mandato. Mas aqui
já se naturalizou tanto que esse tipo de atuação não é questionada”.
Salta aos olhos, nas últimas operações sob
a gestão do governador Cláudio Castro, o mesmo enredo. Policiais alegam
excepcionalidade, enfrentam bandidos alegadamente armados até os dentes mas só
morre gente de um dos lados. “Os leigos ou os bolsonaristas ficam satisfeitos”,
diz Rodrigues.
Para além do aparato estatal, nesta semana
o bolsonarismo pôs em funcionamento, a todo vapor, sua máquina de perseguição a
inimigos da vez, movida por robôs, militantes radicais e até empresários
gaúchos que levaram o ministro do STF Luiz Fux a cancelar uma palestra em Bento
Gonçalves, por falta de segurança.
Com uma produção talvez só comparável à
confeccionada contra a deputada Joyce Hasselmann (PSDB-SP), a chef Paola
Carosella passou a ser alvo de intensos ataques. Num episódio de podcast, disse
que quem ainda apoia o presidente é “escroto ou burro”, causando a fúria de
simpatizantes de Bolsonaro, que chegaram a ameaçar funcionários de seu
restaurante. Com a pesquisa Datafolha de ontem, dando uma vantagem de 48% a 27%
para Lula, que reação terão diante de uma eventual derrota em outubro?
Um comentário:
É,muitos vão enlouquecer com a derrota.
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