O Estado de S. Paulo
Lula e Alckmin, duas das mais importantes
personalidades do País, souberam converter em força política a tendência para a
mudança que existe na sociedade
O lobo da montanha come o cordeiro na
planície acusando-o de sujar sua água unicamente pelo princípio da força, e não
da subordinação lógica. Como não pode, pelo instinto, fundar o direito de
desvirtuar o processo causal e fazer o rio correr do vale para cima, a água do
cordeiro é uma desculpa e vai sempre ser a causa da ira do lobo. Só a fábula
enfrenta a fantasia do caráter irreversível da coisa malfeita.
A eleição é um cavaleiro veloz. A grita admoestatória do mercado contra o problema fiscal deveria ser da mesma grandeza da percepção do problema social. Onde está o verdadeiro estorvo? O que afeta o senso de segurança do Brasil é ser governado por quem não se interessa em saber quanto de malefício a democracia suporta. E, neste mesmo período longo iniciado nos anos 1980, a eleição de agora decidiu, por um fio de bigode, quem tem condições de encerrá-lo. O Brasil precisa dar um próximo passo.
Quando a necessidade se faz consciência, é
preciso estar preparado para se manter no poder apoiado por amplas camadas da
sociedade. É isso que isola a paixão política do fatalismo ruidoso do sectário
e permite despontar a ação enérgica dos que se arriscam a mudar a prática.
Sim, há momentos em que os fatos sociais e
psicológicos se incorporam aos fatos políticos. E exigem um talento especial do
líder para ser, sinceramente, o que for necessário e útil ao momento do País, e
não dele próprio. A eleição mostrou que nem sempre a força pessoal que o líder
projeta é favorável a ele. Especialmente se os desafios gerais do momento
dispensam as particularidades de sua personalidade.
Este é um momento destes em que é possível
ver o papel do indivíduo na História criar possibilidade de ressurgimento da
esperança num povo. Não é palavra de ordem nem programa preconcebido. É
interpretar e discernir seu sentido com imaginação.
Nascido da harmonia das contradições, deve
ter um cromatismo melhor que realce o branco, uma síntese de todas as cores. É
no encontro de contraintuições, calma, que a política é um fator de dinamização
de humanismo e criatividade. É hora de ouvir e escutar o mundo que nos rodeia e
não deixar erodir o significado do que estamos vivendo.
Relembro um fato da minha vida política e
parlamentar que, de certa forma, incorpora o princípio universal que diz que é
incompreendida a ideia que vem antes da hora.
Desde os anos 1980, defendo a união da
social-democracia com o movimento dos trabalhadores. Nunca achei que houvesse
vanguarda de classe nas lutas políticas, mas o pluralismo das ideias múltiplas
que nascem dentro do movimento social geral e progressista. Busquei a afinidade
com todos os partidos onde houvesse defensores com a causa de inscrever os
direitos humanos e o progresso econômico para todos no rol das coisas
essenciais da vida harmoniosa e fraterna. Ganhei o apelido, um pouco carinhoso,
um tanto debochado, de pelicano, meio petista, meio tucano. Tive problemas
na convivência partidária interna nas campanhas por introduzir traços da cor
azul em meus panfletos. Dialogava bem com os liberais modernos no Parlamento.
Quando Lula e Alckmin, dois colegas
constituintes de 1988 – formuladores dos princípios do Estado Democrático de
Direito que são a regra magna da Constituição brasileira – decidiram fazer
campanha juntos, minha memória acordou o esquecimento daquela velha ideia de
composição suprapartidária, atento à unidade nacional e à busca de construir um
caminho que ofereça ao País tranquilidade e prosperidade. Fossem tempos
melhores, de menos ansiedade e incerteza, aproveitadores da confusão teriam
menos espaço para produzir engano nos sentidos e sentimento do povo.
O resultado da eleição para o Parlamento é
prova de que a História está se fazendo, o frisson das gerações em movimento,
cada vez mais claros os sinais inimagináveis destes tempos. Os seis
constituintes que restaram no Congresso – Paulo Paim e Renan Calheiros, no
Senado; Benedita da Silva, Aécio Neves, Lídice da Mata e Sergio Brito, na
Câmara – terão a companhia dos dois constituintes que vão governar agora o
País.
Ninguém mais capaz de servir às grandes
necessidades do momento, de estar atento às particularidades e às influências
gerais de todo este tempo do que quem vai jurar fidelidade à Constituição que
ajudou a escrever. Memória das modificações mais ou menos lentas das condições
sociais e econômicas, e da necessidade permanente de reforma maior ou menor das
instituições, a Constituinte não agiu espontaneamente. Exigiu a intervenção de
líderes adequados ou designados como capazes de escrever o estatuto do
funcionamento da Nação. É evidente que ser um constituinte não é um símbolo da
resolução dos problemas brasileiros, mas um sinal de que homens e mulheres
assumiram a responsabilidade de formular a melhor forma de resolvê-los.
Lula e Alckmin, duas das mais importantes
personalidades do Brasil, souberam converter em força política a tendência para
a mudança que existe na sociedade. Não a criaram, mas, como souberam
interpretá-la melhor, são agora os maiores representantes dela.
*Sociólogo.
Um comentário:
Estou na torcida para que tudo corra bem.
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