Valor Econômico
Keynes sugeriu que, ao contrário do que
procurava demonstrar a bela arquitetura dos modelos de equilíbrio geral, a
reprodução das sociedades não estava garantida
No livro “Epistemics and Economics”, George
Shackle cuida de encarar a questão da racionalidade, tão cara aos economistas.
“O tempo e a lógica”, comenta Shackle, “são estranhos um ao outro. O primeiro
implica a incerteza, o segundo demanda um sistema de axiomas, um sistema
envolvendo tudo o que é relevante. Mas, infelizmente, o vazio do futuro
compromete a possibilidade da lógica”.
George Shackle afirma que a economia é uma
área do conhecimento submetida às incertezas da vida humana em sociedade. Ela
procura estudar o comportamento dos agentes privados em busca da riqueza, nos
marcos de um quadro social e político determinado temporalmente, isto é, cada
nova decisão de acumular riqueza tem um caráter crucial, porquanto tem o poder
de reconfigurar as circunstâncias em que foi concebida.
Shackle está se referindo às decisões
empresariais de investimento - introduzir novas tecnologias ou mudar a
localização de seu empreendimentos. São decisões cruciais, na medida em que
“criam o futuro”. Esta criação do futuro é, para ele, um ato originário e
irredutível dos que controlam a criação de riqueza no capitalismo. Este ato é
irreversível e praticado em condições de incerteza radical.
Sir Isaiah Berlin valeu-se de Arquíloco para distinguir dois tipos de sabedoria e de ciência: “A raposa sabe muitas coisas, o ouriço sabe uma grande coisa”. Shackle usou a frase de Berlin (que, aliás, gostava de garimpar frases no rico veio da poesia clássica) para definir Keynes e a Teoria Geral, diante do desencontro de ideias que assolou a chamada teoria econômica durante os anos 30.
A economia é uma área do conhecimento
submetida às incertezas da vida humana em sociedade
Shackle sugeriu que, sob a vistosa pelugem
de raposa, escondia-se Keynes, o ouriço. Os detentores de riqueza sob a forma
monetária são obrigados a saltar no vazio. Apostam que, entre sua decisão de
empregar o seu dinheiro agora na contratação de fatores de produção e a
recuperação do valor monetário acrescido no futuro, nenhum fenômeno perturbador
vai ocorrer. Tais decisões são tomadas individualmente na suposição de que os
demais vão continuar se comportando da mesma maneira ou de que, em última
instância, a mão invisível estará a postos para coordenar as decisões
individuais.
Keynes sugeriu que, ao contrário do que
procurava demonstrar a bela arquitetura dos modelos de equilíbrio geral, a
reprodução destas sociedades não estava garantida. Estava sim sujeita aos
impulsos, aos medos e às avaliações da categoria social que detém o controle
dos meios de produção. Esta classe de empresários e senhores da finança pode
usar o seu poder, conferido pela posse dos meios de produção e pelo controle do
dinheiro e do crédito para enriquecer a si mesma e à sociedade ou simplesmente
abandonar-se ao entesouramento e à proteção patrimonial.
Lembrei-me dos escritos de Aristóteles. O
filósofo grego fez uma distinção entre a Aquisição Natural ou “Economia” e a
Aquisição Artificial ou “Crematística”. A Aquisição Natural diz respeito às
relações entre as necessidade humanas e os bens destinados a satisfazê-las. Já
a Aquisição Artificial ou Crematística, “inventada para as necessidades de
comércio, originou uma nova maneira de comerciar e adquirir. A princípio, era
bastante simples; depois, com o tempo, passou a ser mais refinada, quando se
soube de onde e de que maneira se podia tirar dela o maior lucro possível. É
este lucro pecuniário que ela postula; ela só se ocupa em procurar de onde vem
mais dinheiro: é a mãe das grandes fortunas. De fato, comumente se faz
consistir a riqueza na grande quantidade de dinheiro”.
Nos Tempos Modernos de Charles Chaplin, o
nascimento das ciências sociais e da economia busca enfrentar questão da
reprodução de uma sociedade fundada na divisão social do trabalho, no interesse
individual e no impulso à acumulação monetária. Keynes, como bom ouriço, tratou
desta questão na perspectiva de Aristóteles.
Habermas sugere que, além de estarem
submetidas à confirmação empírica (ou à rejeição), as teorias da sociedade
devem estar sujeitas à demonstração de que são “reflexivamente aceitáveis”.
“A investigação não apenas das instituições
e práticas sociais mas também das convicções que os agentes têm sobre a sua
própria sociedade - investigar não apenas a realidade social, mas o saber (...).
Isto é, uma teoria social é uma teoria a respeito (entre outras coisas) das
convicções dos agentes sobre a sua sociedade, sendo ela mesma uma destas
convicções”.
A questão da “reflexividade” foi
investigada em outras órbitas do conhecimento da sociedade. A relação entre os
meios de comunicação e a sociedade de massas foi examinada competentemente por
muita gente boa, como Theodor Adorno e Marshall McLuhan. O meio é a mensagem,
ensinou McLuhan ao tratar da formação das consciências nas sociedades de massas
em que a informação é comandada pelos meios de comunicação. “A mídia afeta
nossa estrutura conceitual nas dimensões pessoais, políticas, econômicas,
estéticas, psicológicas, morais, éticas e sociais. Não deixa nenhuma parte
intocada, inalterada. O meio é a mensagem. Qualquer compreensão da mudança
social e cultural é impossível sem um conhecimento da forma como a mídia
funciona”.
O economista Christian Marazzi, em seu
livro “Capital e Linguagem”, cuidou das marchas e contramarchas das economias
nos últimos 30 anos. Marazzi sublinha a natureza “performativa” da linguagem do
dinheiro e dos mercados financeiros. Performativa quer dizer que a linguagem
dos mercados financeiros contemporâneos não descreve, e muito menos “analisa”
um determinado estado de coisas, mas produz imediatamente consensos que
“constroem” fatos reais.
Para não desmerecer a lógica, vou cometer a
ousadia de recorrer a um trecho da Lógica de Hegel. “Quando as formas são
tomadas como determinações fixas e consequentemente em sua separação uma da
outra, e não como uma unidade orgânica, elas são formas mortas e o espírito que
anima sua vida, a unidade concreta não reside nelas.... O conteúdo das formas
lógicas nada mais é senão o fundamento sólido e concreto dessas determinações
abstratas; e o ser substancial dessas abstrações é usualmente buscado fora
delas”.
*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor emérito do Instituto de Economia da Unicamp
2 comentários:
Artigo acadêmico demais e jornalístico de menos,rs.
●Este artigo foi escrito de forma um pouco obscura mesmo; e olha que, sendo Luiz Belluzo, este artigo até que está claro. Nos ultimos tempos Belluzzo passou a escrever de forma um pouco mais clara.
■A forma de comunicação obscura passou a ser identificada aqui no Brasil como "acadêmica". Há os casos em que a obscuridade se dá porque o autor, naquela vez, não conseguiu se comunicar de forma melhor ; outras vezes, a obscuridade se dá por refletir a dificuldade do autor com o próprio tema ou até mesmo por a forma obscura usada ajudar a disfarçar inconsistências das ideias e/ou de seu domínio.
▪Há temas e situações em que é mais difícil conseguir ser realmente claro, mas muitas vezes a obscuridade é disfarse!
■Eu leio trabalhos de pesquisa seriíssimos, muito bem fundamentados e que são trabalhos redigidos com muita simplicidade e completa clareza. E, em geral, quanto maior o domínio que o autor tem dos temas que aborda, maior a clareza como ele se comunica.
●E não é uma questão de titulação, mas de o autor possuir conhecimento real e consistente.
■ Há autores com muita titulação ou nem tanta e que se comunicam muito bem; e há os que, por mais titulados que sejam, depois que se expressam o que sobra é uma imensa confusão ou incoerência.
●Assim, "Linguagem Acadêmica" é o cacete! Quando o autor não conseguiu comunicar, isso não é necessariamente um problema:: nem sempre se consegue ; mas isso de "linguagem acadêmica" está servindo mais é para tornar a comunicação obscura e assim disfarçar as inconsistências, as incoerências e os enganos.
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