segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Miguel de Almeida - O racha da direita

O Globo

Zema é o primeiro caso de político mineiro a arrumar encrenca dia sim dia não

Um clima de barata voa emana das hostes bolsonaristas. A troca de gentileza entre os antigos aliados, agora inimigos íntimos, pela escolha dos adjetivos, aponta a vizinhança de uma guerra suja — e sem regras. Desde que Bolsonaro se tornou uma vaga ambulante, à semelhança de um miasma amedrontado, instalou-se um tiroteio de declarações e tuítes em direção a qualquer nome que ouse sair detrás da moita. Há um racha na extrema direita, e não é a conhecida rachadinha.

Por sorte, é pública. Beira quase uma luta de UFC com dedo no olho, pé nas costas, erros de concordância e os célebres sujeitos ocultos. Em linguagem comum: se dá no momento uma briga — disputa? — por território. Como Bolsonaro é um vácuo — e, na política, não há espaço vazio —, o que se presencia é uma luta pelos pontos. Ou bocas.

A discórdia — não que um dia tenham vivido em concórdia, na santa paz do Senhor, longe disso — entre os personagens bolsonaristas tem potencial para arruinar várias carreiras. Vai doer depois no bolso do fundo eleitoral, e, sabemos, quando há muito dinheiro fácil, sem necessidade de recibo, difícil chegar a um acordo (pelo qual alguém ganha, e vários perdem). Com a cisão ora em trânsito, em que se briga pela divisão ideológica do butim, o impacto eleitoral já se desenha no horizonte. A incapacitação de Bolsonaro (desculpem o pleonasmo) acabou com a comunhão entre os defensores da cloroquina. Embora avise que ainda esteja vivo, pairam dúvidas em torno de seus sinais vitais. Não à toa, investe seu tempo em consultas a advogados e em roubar as plateias reunidas por sua mulher.

Os inimigos íntimos, então, se alvoroçam.

O primeiro caso clínico vem de Minas, com o governador Romeu Zema, ora brandindo palavras contra os nordestinos, ora de olho nas joias da butique bolsonarista. É o primeiro caso de político mineiro a arrumar encrenca dia sim dia não, em muitas frentes. Falando de corda em casa de enforcado, pediu a união da direita ao lado dos filhos do capitão. Até Zambelli é menos inábil. De resultado, tomou alguns xingamentos — foi chamado de idiota pelo vereador Carlos Bolsonaro. A outra alcunha — cara de pastel — estaria mais para passa-anel ou “olha a cobra!” junina do que ataque xiita. Não parece relevante. Mesmo assim, temos de acompanhar a evolução da coreografia.

Um segundo caso, de tamanha crise de identidade, se desenrola em São Paulo, com o envolvimento de personagens pintados para a guerra santa. Sabendo que Bolsonaro foi derrotado por Lula na eleição presidencial; e onde as pesquisas mostram a população descrente na possibilidade de sua reencarnação — ao menos nesta vida. A não ser que haja um milagre. Disposto a roubar a bola, o deputado Ricardo Salles voltou a se colocar como candidato nas próximas eleições, em desafio à orientação de seu partido, o notório PL do Valdemar, que se mostra desejoso de uma aliança com o atual prefeito, Ricardo Nunes, um ex-bolsonarista de ocasião. Nunes entrou na linha de tiro pela melosa confissão de não querer declarar seu amor incondicional ao ex-presidente. Bastou para ser xingado em vários tuítes. Sacaram seu jogo e mandaram avisar que, sem beijo na boca, não tem casamento. Daí que Salles voltou a se colocar no desfile com seus terninhos apertados. Embora seja traço com louvor nas pesquisas, é mais uma divisão na direita.

Algo a esquentar a campanha será o tema da privatização e seus efeitos na economia popular. Nos antigos cemitérios públicos paulistanos, agora administrados por concessionárias privadas, dispararam os preços. A taxa de sepultamento sofreu aumento, desde março passado, de 464%. O preço do caixão mais barato subiu 357% no mesmo período. Não é questão ideológica, mas terrena.

As intrigas continuam. A cada nova investigação aberta sobre o capitão, a trama da tragicomédia ganha mais personagens. Interessante que o roteiro não contempla nenhum mocinho, tampouco galã. Todos parecem dispostos a posar de vilões. Sempre atrasado, necessitado de tradução simultânea para sua prosódia data venia, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, irrompeu no palco da extrema direita atirando no inimigo da hora, o STF. Em dois movimentos, se colocou à direita de Carluxo, como se existisse tal categoria sociológica. Sua visão sobre a descriminalização do porte de drogas, de tão retrógrada, fez o pastor e deputado Marco Feliciano franzir a sobrancelha mais bem cuidada da extrema direita latino-americana.

Estamos apenas no começo da corrida eleitoral, e já se amontoam os corpos.

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Não tinha me dado conta de que o general Heleno é cinco anos mais novo que Mick Jagger.


2 comentários:

EdsonLuiz disse...

● " Zema é o primeiro caso de político mineiro a arrumar encrenca dia sim dia não ".

Kkkkk kkkkk.....

ADEMAR AMANCIO disse...

Espiritualmente falando é mais velho cinco séculos,rs.