O Globo
Executivo foi anabolizando, ano a ano,
mandato a mandato, o Congresso, à base de emendas cada vez mais impositivas
Não é de hoje que presidentes e ministros se
queixam da perda relativa de poder perante um Legislativo hipertrofiado, que
maneja o calendário e os recursos do Orçamento diante da impotência do
Executivo. Sim, a constatação é correta, mas cumpre perguntar: de quem é a
responsabilidade por essa virada da mesa, essa mudança nas regras do jogo sem
que fosse necessária nem uma reforma de grandes proporções na Constituição?
De certo modo, foi a tibieza do próprio
Executivo, que foi anabolizando, ano a ano, mandato a mandato, o Congresso, à
base de emendas cada vez mais impositivas e de uma relação pautada por muitas
concessões do ocupante de turno do Planalto e entregas nem sempre na mesma
proporção das bancadas.
O encerramento do primeiro ano de Lula 3 escancarou esse desequilíbrio de forças e deveria levar o governo a uma reflexão mais profunda sobre como tentar retomar alguma dose de autonomia até 2026, sob pena de o presidente não conseguir colocar em prática muito de seu discurso de campanha.
Não foi por falta de aviso, diga-se. Quando a
imprensa pontua que o tempo vai escasseando, que as negociações não podem
prescindir de ouvir atores como Arthur Lira ou que se perde muita energia com
batalhas de menor importância, não é que esteja torcendo contra ou fazendo o
“jogo do Centrão”, como acusam os que mais torcem do que analisam.
É porque basta conversar com expoentes das
muitas forças políticas em campo — há quem esqueça que, além do seu “time”, há
outros disputando o mesmo campeonato — para entender que, do jeito como as
decisões são tomadas hoje em Brasília, o governo vai sair perdendo toda vez que
deixar as coisas para a última hora e não combinar direito os movimentos. Nas
vezes em que tentou jogar duro, Lula e seus ministros colheram derrotas
pesadas.
Não fazia sentido esconder até a última hora
a proposta alternativa para evitar a derrubada do veto da prorrogação da
desoneração da folha de pagamentos, quando do outro lado estavam a Câmara, o
Senado, sindicatos e entidades empresariais de 17 setores. Era só uma questão
de fazer contas e ouvir o que se passava nos corredores do Congresso. Houve um
misto de soberba e ingenuidade por parte da Fazenda e da articulação política,
uma combinação sempre explosiva.
Agora, ao imaginar que ainda haja espaço para
uma saída alternativa, ou ao transferir o pepino para o Supremo, o governo
também deixa de enfrentar o cerne da questão: tem uma base aliada que custa
caro e entrega pouco — e só quando quer ou é hiperalimentada.
A expressão cabal do fracasso desse modelo é
o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD-MT),
ter esticado por um dia sua estadia no Senado para votar contra o governo na
análise do veto da desoneração! Se isso não é a falência do modelo de coalizão
imaginado, é difícil saber o que seria.
Da forma como funciona hoje a relação entre o
governo e o Legislativo, não é exagero afirmar que o semipresidencialismo
defendido por alguns, entre eles Michel Temer e o ministro Gilmar
Mendes, do STF,
já vigora na prática, com outra conformação que não aquela rascunhada pelo
ex-presidente.
A correria desorganizada para votar tudo de
interesse do governo em duas semanas deixaria invariavelmente pedaços da agenda
para trás. Essa bola foi cantada neste espaço há apenas dois dias.
O governo respirou aliviado com a aprovação
por pequena margem de Flávio Dino ao
STF. Com razão: com 47 ou 68 votos, quando atravessa a Praça dos Três Poderes
um ministro vale o mesmo que os outros dez.
Foi na seara econômica que o estrago foi
feito. Haddad agora faz contas para tentar chegar ao menos próximo da meta
fiscal. Não se pode acusar o ministro de não tentar obstinadamente. Mas, sem
que haja uma dinâmica menos desigual nas relações com o Congresso, a conta
nunca fechará. É a lição primordial para 2024, e só uma reforma ministerial
trocando seis por meia dúzia não mudará nada.
2 comentários:
Vera Magalhães entende das coisas.
E o eleitorado em alguns estados amantes da corrupção continuam votando em alienados políticos em nome das comunidades, jogando no lixo a descarga de santinhos do fundo eleitoral..!
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