sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Vera Magalhães - Semipresidencialismo?

O Globo

Executivo foi anabolizando, ano a ano, mandato a mandato, o Congresso, à base de emendas cada vez mais impositivas

Não é de hoje que presidentes e ministros se queixam da perda relativa de poder perante um Legislativo hipertrofiado, que maneja o calendário e os recursos do Orçamento diante da impotência do Executivo. Sim, a constatação é correta, mas cumpre perguntar: de quem é a responsabilidade por essa virada da mesa, essa mudança nas regras do jogo sem que fosse necessária nem uma reforma de grandes proporções na Constituição?

De certo modo, foi a tibieza do próprio Executivo, que foi anabolizando, ano a ano, mandato a mandato, o Congresso, à base de emendas cada vez mais impositivas e de uma relação pautada por muitas concessões do ocupante de turno do Planalto e entregas nem sempre na mesma proporção das bancadas.

O encerramento do primeiro ano de Lula 3 escancarou esse desequilíbrio de forças e deveria levar o governo a uma reflexão mais profunda sobre como tentar retomar alguma dose de autonomia até 2026, sob pena de o presidente não conseguir colocar em prática muito de seu discurso de campanha.

Não foi por falta de aviso, diga-se. Quando a imprensa pontua que o tempo vai escasseando, que as negociações não podem prescindir de ouvir atores como Arthur Lira ou que se perde muita energia com batalhas de menor importância, não é que esteja torcendo contra ou fazendo o “jogo do Centrão”, como acusam os que mais torcem do que analisam.

É porque basta conversar com expoentes das muitas forças políticas em campo — há quem esqueça que, além do seu “time”, há outros disputando o mesmo campeonato — para entender que, do jeito como as decisões são tomadas hoje em Brasília, o governo vai sair perdendo toda vez que deixar as coisas para a última hora e não combinar direito os movimentos. Nas vezes em que tentou jogar duro, Lula e seus ministros colheram derrotas pesadas.

Não fazia sentido esconder até a última hora a proposta alternativa para evitar a derrubada do veto da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos, quando do outro lado estavam a Câmara, o Senado, sindicatos e entidades empresariais de 17 setores. Era só uma questão de fazer contas e ouvir o que se passava nos corredores do Congresso. Houve um misto de soberba e ingenuidade por parte da Fazenda e da articulação política, uma combinação sempre explosiva.

Agora, ao imaginar que ainda haja espaço para uma saída alternativa, ou ao transferir o pepino para o Supremo, o governo também deixa de enfrentar o cerne da questão: tem uma base aliada que custa caro e entrega pouco — e só quando quer ou é hiperalimentada.

A expressão cabal do fracasso desse modelo é o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD-MT), ter esticado por um dia sua estadia no Senado para votar contra o governo na análise do veto da desoneração! Se isso não é a falência do modelo de coalizão imaginado, é difícil saber o que seria.

Da forma como funciona hoje a relação entre o governo e o Legislativo, não é exagero afirmar que o semipresidencialismo defendido por alguns, entre eles Michel Temer e o ministro Gilmar Mendes, do STF, já vigora na prática, com outra conformação que não aquela rascunhada pelo ex-presidente.

A correria desorganizada para votar tudo de interesse do governo em duas semanas deixaria invariavelmente pedaços da agenda para trás. Essa bola foi cantada neste espaço há apenas dois dias.

O governo respirou aliviado com a aprovação por pequena margem de Flávio Dino ao STF. Com razão: com 47 ou 68 votos, quando atravessa a Praça dos Três Poderes um ministro vale o mesmo que os outros dez.

Foi na seara econômica que o estrago foi feito. Haddad agora faz contas para tentar chegar ao menos próximo da meta fiscal. Não se pode acusar o ministro de não tentar obstinadamente. Mas, sem que haja uma dinâmica menos desigual nas relações com o Congresso, a conta nunca fechará. É a lição primordial para 2024, e só uma reforma ministerial trocando seis por meia dúzia não mudará nada.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Vera Magalhães entende das coisas.

PAULO ANDION disse...

E o eleitorado em alguns estados amantes da corrupção continuam votando em alienados políticos em nome das comunidades, jogando no lixo a descarga de santinhos do fundo eleitoral..!