O Globo
Ninguém acredita na apuração Mandrake da
Venezuela, exceto o PT e parte da esquerda
Fiz as malas pensando na fronteira com
a Venezuela.
Pacaraima. Mas a fronteira fechou na véspera da eleição. Conheço a cidade.
Teria pouco a fazer com a fronteira fechada. Paro no bar da rodoviária, mesmo
sem ser carnívoro, como no único restaurante da cidade, a Churrascaria do
Negão.
Tudo isso estaria vazio com a fronteira
fechada. Algumas vezes, vou para o lado da Guiana, visitar Raposa
Serra do Sol. Fico em Uiramutã, um nome sonoro, mas um lugar bem pequeno.
Fiz as contas e decidi que não valia
investir. Preferi acompanhar passo a passo a eleição por meio da internet. O
site TalCual Digital estava direto no tema, com dezenas de colaboradores
independentes em todo o país e no exterior.
Talvez tenha uma fascinação infantil pela Venezuela, do tempo em que ouvia Harry Belafonte cantar: Matilda, Matilda, Matilda, she take me money and run Venezuela. Foram muitas viagens, principalmente para ouvir refugiados. Isso me trouxe uma ansiedade parecida com a que se vivia por lá. Será que, desta vez, cai o chavismo, voltam os que saíram, ficam no país os jovens que querem sair por falta de perspectiva?
Muita gente nem dormiu, só para votar cedo.
Houve um ou outro episódio estranho, mas nada muito diferente do Brasil em
2022. As coisas ficaram sérias apenas quando vi que os representantes da
oposição não puderam acompanhar a apuração.
A transparência foi para o espaço, assim como
o acordo de Barbados que
o Brasil patrocinou. No meio da madrugada, o Conselho Nacional Eleitoral,
presidido por um compadre de Maduro, Elvis Amoroso, proclama a vitória do
ditador. Era matematicamente impossível proclamá-la faltando quase 2 milhões e
meio de votos.
Enquanto proclamavam uma vitória
inverossímil, começava a repressão. Vinte e cinco estudantes que denunciaram
pressão para votar em Maduro, na Universidade Nacional Experimental de
Segurança, simplesmente desapareceram.
Daí em diante, o drama é conhecido. Onde
estão as atas das eleições? Maduro diz que não as divulga porque hackers estão
atacando os computadores eleitorais. A oposição, que filmou algumas atas,
proclama uma vitória esmagadora.
O Brasil disse que estava acompanhando o
processo junto com o Centro Carter, uma ONG americana que monitorava o
processo. O Centro Carter deixou o país, dizendo que as eleições não foram
democráticas.
Ninguém acredita nessa apuração Mandrake,
exceto o PT e
parte da esquerda, que devem ter um contato telepático ou frequentam um centro
espírita onde as atas são exibidas. Maduro parece um personagem saído de um
pastiche de “Cem anos de solidão”: fala com passarinhos, exibe a Bíblia, joga
basquete e persegue sem piedade seus opositores.
O futuro não é nada animador. Cerca de 20% da
população ainda na Venezuela pode emigrar, caso Maduro se consolide.
A própria Venezuela, isolada, terá de
radicalizar seu modelo e se tornar abertamente um Estado policial,
reivindicando um falso comunismo, no qual a população é miserável, e militares
e burocratas do regime vivem bem.
Mais um momento de verdade para o continente.
Os que não conseguem se livrar do ranço ideológico continuarão defendendo o
indefensável.
Pelo menos, uma das consequências dessa farsa
ditatorial será mostrar quem é de fato democrata e quem usa o discurso
democrático apenas como oportunismo eleitoral. A História é um trator que passa
por cima de nossas ilusões, mas também revela a hipocrisia. Em breve, estarei
de novo na fronteira, ouvindo gente que deixou a Venezuela, caso ainda
acreditem que o Brasil é um bom destino para quem busca a liberdade.
No momento em que escrevo, entretanto, ainda
falta aparecer as atas das eleições, somente conhecidas pelos superdotados da
esquerda de Neandertal que, como Maduro, povoam o realismo mágico de nosso
continente. Eles são o que o ditador elogia citando a Bíblia: bem-aventurados
os que não viram e ainda assim creem.
3 comentários:
" A História é um trator que passa por cima de nossas ilusões, mas também revela a hipocrisia. "
Perfeito !
Artigo muito certeiro na análise. Um país grande sendo submetido a um sistema superado.
Fora,Maduro.
Postar um comentário