sexta-feira, 9 de agosto de 2024

José de Souza Martins - Esquerdistas na empresa

Valor Econômico

Se o capitalismo, no Brasil, fosse atualizado e moderno, não haveria fatores de regeneração “natural” de relações de emprego baseadas em concepções pré e anticapitalistas das formas de lucrar e enriquecer

O Ministério Público do Trabalho, através de uma procuradora, manifestou-se sobre declarações de um presidente executivo (CEO) de uma empresa de reeducação de empresários, que afirmou não contratar esquerdistas. Não só não contrata como recomenda aos clientes de seus cursos e seguidores de suas ideias a fazerem o mesmo. Trata-se de um empresário jovem, filho de uma empregada doméstica do interior de Minas.

Suas recomendações viralizaram. Mas, na verdade, o que ele pensa e recomenda não tem nem originalidade nem criatividade. É apenas um retrocesso histórico empregar em pleno capitalismo moderno regras socialmente retrógradas de uma economia dos tempos iniciais da feira livre. O que indica que quem se vale dessas concepções tem uma falsa consciência do que é o capitalismo e a empresa.

A procuradora alertou para o que a respeito dispõem sobre ato discriminatório e limitativo no trabalho, a Lei 9.029/95, a Constituição, e as convenções 111 e 190 da Organização Internacional do Trabalho. A violação desses regulamentos gera direito à reparação por dano moral.

O empresário se justifica com a “tese” de que empregados esquerdistas “são mimizentos” e “não trabalham duro”. Isto é, reclamam das condições de trabalho e da jornada acima do legalmente estabelecido. E diz: se o trabalhador não dedicar 70 a 80 horas por semana ao trabalho, não consegue nada na vida.

Sua receita é a de um salto sem mediações para a sociedade pós-moderna, que não é necessariamente um progresso, mas um futuro imaginário de retrocesso num modernismo desregulamentado, que combina realidade social de tempos desencontrados, como as do pré-capitalismo atrasado com um futurismo alucinado e meramente especulativo. Ele pensa numa sociedade de ordem sem progresso. Progresso é desenvolvimento social, de todos, como condição do desenvolvimento econômico.

Sua concepção da empresa retrocede aos tempos iniciais de uma economia que ainda não era capitalista, do negociante, dedicado ao negócio, à negação do ócio, mas não à afirmação do capitalismo.

A indicação de princípios quanto ao que é o trabalho e quem é o trabalhador, por parte do jovem empresário mineiro, é insólita expressão de uma característica retrógrada de nosso capitalismo atrasado. Se o capitalismo, no Brasil, fosse um capitalismo atualizado e moderno, não haveria nele fatores de regeneração “natural” de relações de emprego baseadas em concepções pré-capitalistas e anticapitalistas das formas de lucrar e enriquecer.

Esse empresário justifica seu modo de lucrar com procedimentos que na prática revogam a Lei Áurea. Ele não sabe que ao empregar um funcionário compra apenas e unicamente sua força de trabalho. Não compra sua pessoa nem sua consciência. Falta-lhe o discernimento e o conhecimento do que o assalariamento representa sociologicamente, a separação do corpo do trabalhador de sua capacidade de trabalho.

A realidade do capitalismo já estava definida nesses termos no século XIX. E foi nesses termos que se operou entre nós a abolição da escravatura. Para que o fazendeiro se transformasse de senhor de escravos em empresário capitalista, o empresário teria que libertar-se do escravo e da escravidão. Isto é, das relações sociais do que era um modo de produzir a sociedade, e não principalmente a economia de produção de mercadorias e lucros.

A abolição da escravatura libertou o escravo apenas em decorrência de ter libertado o fazendeiro para libertar seu capital das irracionalidades do escravismo. A maior das quais era a possibilidade do escravo morrer e o capital nele empregado deixar de existir em consequência.

A característica da organização de uma empresa hoje é negativa para esse empresário supostamente inovador porque democrática. Os direitos de um trabalhador fazem dele autor de decisões na empresa. O empresário nega o capitalismo ao se confessar monarca da empresa. Na verdade, uma concepção totalitária da empresa e do trabalho.

O retrocesso social do empresário mineiro está sobretudo na pressuposição de que seu salário compra a pessoa de quem trabalha e compra, portanto, seu direito e seu modo de pensar e de pensar-se. Nega-lhe o direito de ser esquerdista, que é o modo de pensar socialmente reformista do trabalhador. Nesse sentido, até mesmo levou igreja para a empresa, Bíblia e grupo de oração.

Ele se confunde. Propõe o retorno às origens do capitalismo, quando a ética protestante fazia do capitalista mero funcionário do capital, pois agia em nome de um dono da riqueza que era Deus. Sua antiética peculiar e nativa é tentativa de desconstruir o que a tradição considera a unidade diabólica do duplo na riqueza: enriquecer sem se perder.

 

Um comentário:

Mais um amador disse...

" A abolição da escravatura libertou o escravo apenas em decorrência de ter libertado o fazendeiro para libertar seu capital das irracionalidades do escravismo. "

Perfeito !