domingo, 22 de setembro de 2024

Elio Gaspari - Teatro contra os incêndios

O Globo

Nas últimas duas semanas, Lula mostrou como o governo está mobilizado para enfrentar os incêndios e as queimadas. Em Manaus, anunciou a criação de uma Autoridade Climática. Em Brasília, reuniu-se com o presidente do Supremo Tribunal, do STJ, do TCU, do Senado e da Câmara e disse que “a gente não estava 100% preparado para cuidar dessas coisas”.

Tudo teatro. A Autoridade Climática, detonada nos primeiros meses do seu mandato, continua no mundo das promessas. A reunião de Brasília produziu apenas uma procissão de carros oficiais. No dia seguinte, Lula não teve agenda para se reunir com os governadores, pessoas que têm caneta para tomar medidas.

O governo não estava “100% preparado” porque vive no mundo da fantasia. Produz reuniões, eventos e anuncia a criação de conselhos, naquilo que o repórter Bruno Boghossian chamou de “ciranda da alta burocracia”.

“Ciranda, cirandinha,

vamos todos cirandar.”

Boghossian mostrou que, cirandando, o governo criou em junho uma sala de situação para enfrentar a seca e os incêndios. Depois da segunda reunião nessa sala de Brasília, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, informou:

“Já estamos operando em plenas condições de ações. Já estamos com a sala de crise montada.”

“O anel que tu me destes

Era de vidro e se quebrou.”

Durante três anos, o Brasil passou por uma pandemia com um presidente negacionista. Agora, diante da emergência climática, o presidente tem outro estilo, o da ciranda.

Melhorou-se, mas a raiz do problema continua no mesmo lugar, com o mesmo tamanho: a burocracia acredita que seu palavrório e eventos produzem ações. Num caso, louvava-se a cloroquina e negava-se o problema. No outro, reconhecendo-o, acredita-se que ciranda resolve. Alguém acha que evento lustrado com a presença de presidentes de tribunais resolve o problema dos incêndios?

“Por isso, dona Rosa

Entre dentro desta roda

Diga um verso bem bonito

Diga adeus e vá se embora.”

O gosto pelo palavrório vem de longe. Em 2018, o país ralou uma greve de caminhoneiros que desabasteceu cidades e quebrou uma perna do governo. Dois empresários foram filmados incitando os caminhoneiros. No meio da crise, um ministro anunciou que estavam abertos 37 inquéritos em 25 estados para apurar a participação de empresas na paralisação. Deram em nada. Cirandou-se.

Agora a Polícia Federal informa que há 85 inquéritos abertos para apurar a origem criminosa de alguns incêndios. A ver.

O bode foi dispensado

O Banco Central subiu os juros para 10,75%, e Roberto Campos Neto passou incólume. Lula dispensou-o dos ataques com que o honrava desde o ano passado, quando o Copom baixava a Selic.

A decisão pela alta, unânime, teve o voto de Gabriel Galípolo, próximo presidente do Banco.

Os ataques a Campos Neto eram pura fumaça, espalhada no picadeiro para enganar a plateia. Como ensinava Tancredo Neves, esperteza quando é muita, come o dono.

O novo estilo de Israel

Os serviços de inteligência de Israel falharam miseravelmente em outubro do ano passado, quando o Hamas atacou o país. Daí a subestimá-los, é mau negócio.

O Hezbollah do Líbano comprou pagers e walkie-talkies que começaram a explodir, matando e ferindo centenas de pessoas.

A operação teve uma essência terrorista. Morreram pessoas que não sabiam da origem dos aparelhos e também outras que estavam apenas por perto.

Durante a ditadura, quando o Brasil teve um programa nuclear secreto (e mambembe), com a ditadura de Saddam Hussein no Iraque, os israelenses teriam sido finíssimos. Segundo um ministro contou à época, caixas de equipamentos fabricados na França chegaram a Bagdá contendo também exemplares do Velho Testamento.

O programa era tão mambembe que Saddam Hussein, falando de um empresário paulista a um embaixador brasileiro, disse-lhe:

Por favor, diga a ele para não vir aqui oferecer o que vocês não têm. (Era o projeto de uma bomba atômica) Essa operação resultou na morte de um jornalista brasileiro, assassinado em 1982 por brasileiros, junto com a mulher e um barqueiro. O casal passeava no mar do Rio.

Alexandre von Baumgarten escrevia um livro sobre a transação nuclear com o Iraque. Chamava-se “Yellow Cake”, nome de um pó de urânio natural.

Como havia um toque de trapalhada nas operações secretas da ditadura, sua mulher, o barqueiro e até o barco sumiram, mas o cadáver de Baumgarten acabou batendo numa praia. Ele estava sentado na borda da lancha quando foi baleado e caiu no mar. Afundou e apareceu dias depois, com duas balas no corpo.

Lalo de Almeida

A crise climática, com suas queimadas, serviram para confirmar que Lalo de Almeida é um dos grandes fotógrafos da atualidade. Assim como os garimpeiros de Serra Pelada projetaram Sebastião Salgado, há alguns anos, o olhar de Lalo mostra a crise com um toque de poesia dramática, indo do animal carbonizado aos caminhantes solitários pelo leito de um rio seco da Amazônia.

A grande Pamela

Saiu nos Estados Unidos mais uma biografia de Pamela Harriman. Chama-se “Kingmaker” e conta a vida dessa grande mulher. Ela morreu em 1997, aos 76 anos, depois de sofrer um AVC enquanto nadava (sem molhar o cabelo) na piscina coberta do hotel Ritz de Paris.

Pamela era embaixadora dos Estados Unidos na França, nomeada pelo presidente Bill Clinton. Anos antes, quando ele era um gorducho provinciano do Arkansas, e havia perdido a reeleição para governar seu Estado, sentia-se um caco. Ela o apresentou às pessoas certas de Washington, Clinton ganhou a eleição seguinte no Arkansas e acabou na Casa Branca.

Ela havia montado um fundo de arrecadações apelidado de PamPac que refrescou campanhas Democratas país afora, inclusive de outro que estava na pior e chamava-se Joe Biden.

A autora, Sonia Purnell, tentou sair do estereótipo da cortesã. Os homens passavam por sua vida e saíam maiores. O grande exemplo foi o Gianni (Fiat) Agnelli, que entrou como um playboy italiano e saiu como o grão-senhor internacional que era.

Pamela nasceu em Digby, filha de um baronete inglês. Casou-se com o filho (chato e bêbado) de Winston Churchill. Num século em que homens colecionavam namoradas, ela colecionou namorados. Purnell calcula-os na casa da centena. Um dos últimos pode ter sido o guarda-vidas da piscina do Ritz.

Purnell mostra que Pamela era uma mulher forte, sabia o que queria e gostava do andar de cima, onde vivia. Tomou chá com Adolf Hitler e foi amiga de Mikhail Gorbachev.

Pamela foi Churchill, mas morreu como Pamela Harriman, viúva do ícone americano Averell Harriman. Apelidado de Crocodilo, ele nasceu milionário, foi o homem do presidente Franklin Roosevelt em Londres nos primeiros anos da Segunda Guerra (quando começou a namorar Pamela, nora do primeiro-ministro). Reencontraram-se em 1971 e casaram-se meses depois.

3 comentários:

Daniel disse...

O colunista reconhece uma "essência terrorista" na operação israelense que explodiu simultaneamente equipamentos de comunicação modificados por agentes do serviço secreto israelense. Na verdade, ele não quer admitir a essência do Estado terrorista de Israel sob comando do criminoso de guerra Netanyahu, capaz de assassinar dezenas de milhares de mulheres e crianças palestinas, do mesmo modo como os terroristas do Hamas fizeram e fazem com civis israelenses. Só que a capacidade mortal e destrutiva do Estado terrorista "democrático" apoiado por EUA e União Europeia é muito maior que a dos movimentos terroristas palestinos.

ADEMAR AMANCIO disse...

Confundi Pamela com Kamala,rs.

Val disse...

vez ou outra Mainardi diz algo `impagavel`: O nosso Plutarco, Elio Gaspari, que ganha a vida reescrevendo a história nacional do ponto de vista do regime quadrilheiro,