sábado, 14 de setembro de 2024

Simone Tebet - União e força

CartaCapital

As cinco rotas de integração do Brasil à América do Sul

Reconstrução e integração. Essas duas expressões definem a trajetória de uma agenda fundamental para o Brasil nos últimos 18 meses. Por lamentável decisão da administração anterior, o Ministério do Planejamento havia sido extinto, bem como o instrumento de coordenação voltado para a integração sul-americana. O presidente Lula decidiu, no seu primeiro ato, pela recriação da pasta e, desde maio do ano passado, a integração do nosso continente passou por uma retomada fundamental na agenda de governo.

A importância da integração regional, que povoava os pensamentos e os sonhos, em meados do século passado, de economistas renomados do nosso continente, como Raúl Prebisch e Celso Furtado, agora passa a ser modernizada e atualizada. A agenda contempla não somente as obras de infraestrutura, mas outros assuntos de destaque ao longo do tempo, como a mudança climática, a transição energética, os avanços da ciência e da tecnologia, além das características do recinto aduaneiro e policial e da devida valorização do turismo.

Era preciso derrubar a ideia de as fronteiras continuarem a se constituir, unicamente, embora sem que o negue, em sinônimo de problema, em especial no comércio ilegal de armas e drogas. A América do Sul é uma vizinhança composta por doze países de potência econômica, cultural e ambiental (nações amazônicas, variedade de microclimas, quantidade de água, diversidade de solo, entre outros). Era preciso levar em conta que o conjunto de interesses individuais não necessariamente forma uma integração, sob pena de permanecer (ou até recrudescer), unicamente, a concorrência, não raras vezes desagregadora e predatória na região.

Daí nasceu o “consenso de Brasília”, quando, a convite do Brasil, todas as lideranças políticas dos países sul-americanos reforçaram a consciência da necessidade de agirem em conjunto – em infraestrutura, facilitação de comércio, turismo, segurança de fronteira, comunicações e diversos outros temas. Na sequência, o MPO criou um comitê interno para tratar do assunto, que trabalhou ativamente com a federação brasileira, Ipea, IBGE e demais ministérios.

A partir de dezembro de 2023, estabelecemos diálogo com todos os ministros de Economia de cada um dos países sul-americanos, além de empresários, movimentos sociais e outros segmentos da população dos estados e municípios diretamente ligados ao assunto. Isso incluiu, evidentemente, as representações políticas no Congresso, seja em audiências públicas, seja em reuniões no MPO.

O consenso deu um passo além, na direção dos propósitos comuns. Nessa caminhada se definiram as cinco rotas de integração entre o Brasil e nossos vizinhos, de dimensão multimodal: hidrovias, rodovias, infovias (fibra óptica), portos, linhas de transmissão elétrica, ferrovias e aeroportos. Identificamos várias obras com caráter direto de integração, espalhadas nos estados de fronteira e inseridas do Novo PAC, coordenado pela Casa Civil. O trabalho alicerçou-se também na escuta ativa de cada um dos onze estados brasileiros da fronteira: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina.

Três rotas passam pelo norte do Brasil, além do norte do Centro-Oeste (Rota 1, Ilha das Guianas; Rota 2, Amazônica; Rota 3, Quadrante Rondon) e duas englobam a parte mais ao sul de nosso território (Rota 4, Bioceânica de Capricórnio; Rota 5, Porto Alegre-Coquimbo). Com elas, estabelecemos conexões diretas com todos os países do subcontinente. Vale dizer que essa integração se completa na interiorização dos traçados no território nacional, envolvendo todos os demais estados, por meio de ferrovias, hidrovias e rodovias existentes, o que deverá resultar em ganhos de produtividade e de renda, por meio de redução de tempo de viagem e dos custos logísticos.

Uma rota não “briga” com a outra. O sucesso da saída mais ao leste, como a pavimentação da rodovia BR-156 no Amapá, fronteira com a Guiana Francesa, não atrapalhará, por exemplo, o escoamento de produtos na perna mais ao leste, como Tabatinga, no Amazonas. Ao contrário: as rotas estão interligadas entre si por meio de hidrovias, rodovias e ferrovias, além, é claro, da possibilidade de voos entre os estados e os países vizinhos.

Já numa etapa do caminho da realização, levantamos uma carteira de financiamento facilitado para obras complementares, com 10 bilhões de dólares, contados os recursos do BID, CAF, Fonplata e BNDES. Esse dinheiro começou a ser empregado e a parte do BNDES é especificamente direcionada ao Brasil.

Os projetos vão gerar emprego e renda e abrir novos mercados aos países

Vamos, agora, colocar de pé a nova Comissão Interministerial para a Infraestrutura e Planejamento da Integração da América do Sul, inovação criada pelo presidente Lula para acompanhar o andamento das iniciativas e buscar soluções administrativas mais rápidas quando necessário, envolvendo desde a aduana, em parceria com a Receita Federal, Anvisa, Vigiagro (Ministério da Agricultura e Pecuária), até a segurança, com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.

O Brasil mudou e a América do Sul se transformou. Nossas parcerias podem – e devem – ser mais ativas do que são hoje. Os vizinhos, que somam 200 milhões de habitantes, o equivalente a um Brasil inteiro, são potenciais mercados consumidores de nossos bens e serviços. Também são produtores de bens que podem beneficiar a nossa população. Ademais, o País tem exportado cada vez mais para parceiros asiáticos, como a China. Ao nos aproximarmos do Oceano Pacífico, estaremos, portanto, necessariamente mais próximos justamente daqueles que têm comprado o que vendemos.

Por fim e por finalidade, as rotas de integração se constituirão em instrumento de realização de um propósito que, a meu ver, deve ser comum e prioritário. Segundo a ONU, a América do Sul tem 159 milhões de seres humanos na trágica situação de insegurança alimentar moderada ou grave. Somada a América Latina e o Caribe, são 250 milhões. Falamos de uma região que carrega em si a nada honrosa situação de maior desigualdade social do planeta. Quando ativadas, essas rotas permitirão avanços estruturais na geração de empregos diretos (construção civil, prestação de serviços, comércio varejista, turismo) e indiretos (novos caminhos de escoamento da produção do agronegócio e da indústria). Com isso, também se constituirão em ações de integração entre a economia e a cidadania.

Trata-se, portanto, de uma agenda histórica, hoje reconstruída, e que avançará ainda mais. Com escuta ativa, transparência e coordenação, a retomada­ da integração sul-americana agora veio para ficar. Deu asas aos pensamentos. E vai realizar os sonhos. 

*Ministra do Planejamento e Orçamento.

Publicado na edição n° 1328 de CartaCapital, em 18 de setembro de 2024.

 

3 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Que bom!

Anônimo disse...

Que vergonha Simone!
Abraçou a “frente ampla democrática”, avança sobre o $ do pagador de impostos para aliviar a incompetência do seu governo
agora está com as mãos sujas e o eleitor não vai se esquecer disso….

Anônimo disse...

Muito bom! Bolsonaro e Ernesto Araújo nos transformaram em párias mundiais. Bolsonaro só queria conversa com Trump (que tentou golpe nos EUA e perdeu o poder), Putin (a quem visitou 1 dia antes da Rússia invadir a Ucrânia) e Orbán. EUA e Europa não queriam conversa com um genocida.
Lula e Tebet sempre pregaram a integração do Brasil com a América do Sul. Agora, tentam ampliar e estabelecer isto, com PLANEJAMENTO, palavra que no DESgoverno anterior só era usada pra TENTAR O GOLPE MILITAR!