O Globo
A dificuldade do governo é vencer dúvidas
sobre as contas públicas, a direita tem que explicar ataque à democracia
No país das muitas urgências, ocorreram na
mesma semana a divulgação de um relatório de 880 páginas sobre a tentativa de
golpe de Estado liderada pelo ex-presidente da República e o anúncio de medidas
de corte de gastos. Formulado para aumentar a solidez das metas fiscais, o
pacote detonou uma crise de pessimismo no mercado financeiro. Não está fácil
para ninguém. O governo tem que restabelecer a confiança no comando da
economia. Mas quem está de fato encurralado é Jair
Bolsonaro e seus muitos cúmplices.
Na economia, o conjunto das medidas foi proposto para mostrar compromisso com o controle das contas públicas, foi visto pelo avesso. O câmbio disparou e visitou o nível de R$ 6 por dólar. As projeções dos economistas pioraram muito. Há bancos estimando juros a 15% e alta de até um ponto percentual na próxima reunião do Copom. Os dados e as falas do mercado financeiro descrevem um país na véspera de uma crise de insolvência. Está assim? Não.
O Brasil vai crescer 3,5% e ninguém previa
isso no começo do ano. É dois pontos percentuais acima da previsão média do
mercado na época. O desemprego está no menor nível da atual série. A inflação
por outro lado está acima do teto da meta em 12 meses. O déficit público será
menor do que a projeção do mercado no começo do ano, mas a dívida interna é
alta e cara. Onde cortar é sempre um drama porque as despesas são engessadas.
O que o governo anunciou na semana passada
não é pouco. O maior bloco de despesas vai crescer num ritmo menor, com a
decisão sobre o salário mínimo. No governo Bolsonaro, salário mínimo não tinha
aumento real. O presidente Lula trouxe de volta a fórmula de correção do mínimo
pela inflação mais o crescimento de dois anos antes. A questão é que o país
começou a crescer mais forte. Isso é bom, claro, mas impacta as contas públicas
por causa de um elo que ninguém consegue desfazer. Todas as despesas com pensões,
aposentadorias, seguro desemprego, Benefício de Prestação Continuada estão
atrelados ao salário mínimo.
Essa indexação faz do Brasil um país que,
apesar de ter déficit primário nas suas contas há dez anos, dá aumento real a
aposentado, a pensionista, a desempregado. Manter o poder de compra desses
benefícios é justo. Aumentos reais deveriam estar restritos a trabalhadores da
ativa.
Ninguém conseguiu desvincular essas despesas.
O governo propôs então que o mínimo passasse a ser corrigido pela mesma regra
do arcabouço fiscal. Com isso todo o bloco de despesas com benefícios sociais
fica dentro do marco fiscal. Isso tem um ganho importante.
As medidas em relação aos militares não terão
grande impacto nas contas, mas são justas. O fim da pensão para quem é expulso
das Forças Armadas por crime é uma medida com força moral. Os técnicos da
Fazenda haviam proposto na Reforma da Previdência do governo Bolsonaro e foram
ignorados.
O erro do governo foi misturar ao anúncio de
corte de gastos a um aumento futuro da despesa. Isenção de imposto é gasto. Foi
ampliado para quem ganha até R$ 5 mil e isso beneficiará 30 milhões de pessoas,
mas custará R$ 35 bilhões. O governo promete cobrar de quem ganha mais para
cobrir a despesa. Fica justo. O problema é que a proposta ainda nem foi
formatada, será enviada só no ano que vem, para valer em 2026 e ofuscou o corte
de gastos. Por que anunciar junto? Porque acharam que isso tornaria mais palatável
o pacote. O mercado financeiro viu só o aumento da despesa e o país entrou no
círculo vicioso: subiram juros, dólar, o que piora dívida e inflação. É esse nó
que o governo tem que desfazer.
A oposição está em situação bem pior. Quanto
mais o país avança na leitura das páginas do relatório, mais aparecem as provas
dos crimes de Bolsonaro e do seu grande elenco. Eles atentaram contra o país,
contra a democracia, planejaram matar autoridades. Generais e coronéis da ativa
participaram do conluio. Houve episódios de quebra de hierarquia e disciplina
nas Forças Armadas. A máquina pública foi usada em favor de um grupo criminoso.
A esquerda tem a velha dificuldade de
entender um fato da vida: contas em equilíbrio garantem inflação baixa, que é a
base de qualquer política social eficiente. A direita, contudo, tem uma
dificuldade muito mais grave. Retrocedeu décadas e voltou a se associar ao pior
horror político do país. Terá que separar golpistas de democratas. Até agora
não deu um único passo na direção certa.
Um comentário:
Verdade.
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