terça-feira, 29 de junho de 2010

Ainda o teatro do G20 :: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Passado o pior da crise, palavras do G20 perdem força; grupo não tem poder real de mudar políticas

Alguém ainda se lembra da cúpula do G20 de abril de 2009? Foi a cúpula que prometeu um pacote de US$ 1,1 trilhão contra a crise, que ainda fervia. Não havia trilhão na época, e jamais haveria. De mais relevante houve uma promessa de evitar a falência de países do Leste Europeu, que poderia reinflamar a crise bancária europeia, o que foi útil.

Quem se lembra da cúpula de novembro de 2008? Foi aquela em que Lula disse uma das frases mais ridículas da política externa brasileira. "Saiu a regulação", disse a respeito de supostas novas normas de controle do sistema financeiro. Não saiu nada claro, e Lula tratava o assunto como se tivesse acabado de sair de uma assembleia de estudantes.

No fim de semana que passou houve outra cúpula do G20. Lê-se e ouve-se que o G20 chegou a um "acordo de consenso" que "permite" aos europeus hiperendividados controlarem seus deficit, o que era alvo de críticas de Estados Unidos e Brasil em particular. Mas o G20 nem permite ou controla coisa alguma.

É melhor que as lideranças das maiores economias conversem do que entrem em guerra comercial e, depois, guerra de fato, como ocorreu até os anos 1930, 1940. Mas convém circunstanciar essa por ora bobagem de "governança global" -que é bobagem por não existir governança alguma afora um ou outro acordo entre países maiores.

Considere-se o caso dos deficit e das dívidas públicas. Não há nenhuma instância transnacional que controle tal coisa. A União Europeia pretendeu punir seus membros que extrapolassem o endividamento.

Mas até a Alemanha estourou os limites legais de deficit; parte da Europa ainda está sob risco de falir.

Além do mais, o tamanho de deficit e dívidas públicos depende de situações políticas e econômicas muito específicas de cada país. Por fim, depende do eleitor, que escolhe governo mais ou menos gastador.

Considere-se então o caso da regulamentação financeira, da discussão sobre a quantidade e a qualidade de capital dos bancos e sobre os limites de empréstimos e extravagâncias bancárias. O G20 disse que a coisa vai ficar para depois de 2012.

O assunto é mesmo muito enrolado, mas está sendo na verdade discutido por bancos e banqueiros centrais no Comitê de Basileia, no Comitê de Estabilidade Financeira etc. Além do mais, há dissenso entre os governos sobre a taxação de bancos. Enfim, tal legislação será decidida em parlamentos nacionais.

Talvez o BIS, uma espécie de associação e câmara de compensação de bancos centrais, e a Febraban mundial, o IIF, tenham mais influência no debate que o G20. Por falar nisso, essas associações financeiras mundiais têm feito lobby pesado contra os juros baixos e os deficit altos, que podem provocar novas crises. É verdade, em parte, mas também um modo de se eximir das catástrofes que provocam. Tais associações são, obviamente, enviesadas: apenas governos são responsáveis pela lambança financeira.

De fato é muito difícil chegar a acordos internacionais sobre temas tão difíceis como finança, política fiscal, bancos. Reconheça-se que algumas diretrizes gerais não foram esquecidas -, por exemplo, a ideia de que é preciso colocar uma coleira na finança mundial. Mas são parlamentos e governos de cada país de peso, sob o lobby da grande finança, que decidem a mudança.

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