quinta-feira, 2 de junho de 2011

Gagueira de Dilma é a politicofobia:: Cristian Klein

No filme "O discurso do rei" - uma daquelas produções de época feitas sob medida para faturar o Oscar, vencedor de quatro estatuetas neste ano - o ator Colin Firth interpreta a angústia do rei George VI (1895-1952), pai da atual rainha Elizabeth II, portador de uma limitação que o impedia de exercer a contento sua autoridade sobre os súditos britânicos.

George VI era gago e chegava ao trono no momento em que o país mais precisava de uma voz firme, que o encorajasse a enfrentar os desafios que estariam por vir, com o início da Segunda Guerra Mundial.

Não tinha - como não têm os monarcas em sociedades modernas - poder de fato. Mas a função de chefe de Estado lhe reservava um papel simbólico inestimável. Fazia pronunciamentos em cerimônias públicas ou transmitidos pela rádio nos quais punha em xeque a sua imagem e a autoconfiança da população.

Do outro lado, um líder teatral, de gestos exagerados e voz ruidosa, tonitruante, espumava em comícios monumentais que empolgavam os alemães para a guerra. Era, literalmente, gritante a diferença entre o temido Hitler e o inseguro rei britânico - contraste bem reproduzido na sequência com cenas documentais do Führer nazista.

No fim, nada foge da política. O governo não é uma empresa

George VI gaguejava mesmo quando lia um discurso. Mas conhecia seus defeitos e teve a virtude de procurar ajuda. Sujeitou-se a sessões de terapia com um pseudofonoaudiólogo (Geoffrey Rush) - até vencer o problema.

A moral da história mais óbvia é que mesmo um rei não está livre de deficiências, frustrações, solidão e exigências. O poder, por mais que esteja institucionalizado pelas atribuições do cargo, requer certas qualidades pessoais inerentes para seu bom exercício. Ter a caneta na mão - ou o sangue azul correndo nas veias - nem sempre basta.

É o que mostra a crise política pela qual passa a presidente Dilma Rousseff - a primeira de seu mandato. O episódio trouxe à tona preocupações sobre sua capacidade de comando, que poucos poderiam imaginar. Dilma chegou ao Planalto com fama de gestora, de durona, de chefe implacável capaz de levar às lágrimas, por suas cobranças, o presidente da maior estatal do país. Mas chegou também como alguém politicamente dependente, eleita pelo prestígio do fiador de sua candidatura, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A primeira imagem prevaleceu nos cem dias iniciais de seu governo. Dilma não piscou - nem gaguejou - quando "enquadrou" o PMDB e não cedeu às pressões na formação do primeiro escalão.

A segunda imagem, de fragilidade política, entrou em cena de modo rápido e surpreendente, na última semana, antes de completar o quinto mês na Presidência. O socorro de Lula a seu governo - ao se reunir com senadores e dar ordens para debelar a crise - já seria estranho. Mas ganhou caráter de intervenção, ao se saber que foi feito sem o consentimento da presidente. É como se Lula, depois de ter feito Dilma sua sucessora, a tivesse deslocado, ainda que por um dia, para a cadeira de uma espécie de rainha da Inglaterra, com poderes decorativos. Atrapalhou mais do que ajudou.

Um momento lamentável, que não condiz com a recente e bem-sucedida reconstrução da democracia brasileira, se comparada a de outros países.
Fernando Henrique e Lula - a despeito das divergências ideológicas que seus grupos representam - foram presidentes com ascendência sobre seus pares e respeitados por seus adversários. Criaram políticas públicas que os reelegeram e fizeram o Brasil ser invejado pelos vizinhos - basta lembrar o intenso troca-troca de mandatários de qualidade questionável na Argentina.

O imbróglio da primeira crise política de Dilma Rousseff apequenou a Presidência. Culpa dela e de Lula. A favor dele, pode-se dizer que teve a sensatez de não tentar emplacar uma emenda pelo terceiro mandato. Mas o ex-presidente, como já reconheceu, não consegue "desencarnar" do cargo. Se havia alguma dúvida sobre as pretensões de Lula de voltar em 2014, o episódio mostrou que isso realmente faz parte de seus planos.

Contra Dilma, pode-se argumentar que é um produto da mente e da vontade de Lula, que não tem traquejo, experiência política - ainda que ostente a gerencial - necessária à coordenação de conflitos de uma base tão ampla. Na eleição, Lula antecipou em quase dois anos a pré-campanha para grudar sua imagem à de Dilma e ensinar-lhe truques num curso intensivo de palanque. Tal qual o terapeuta de George VI, encorajou-a a vencer suas limitações. Uma equipe de profissionais - incluindo uma fonoaudióloga de verdade - preparou Dilma, que se superou. Foi uma candidata muito melhor do que se esperava. Mas, passadas as eleições, entrou em outra arena. E ninguém a treinou para ser Winston Churchill.

A desforra do PMDB, já se sabia, viria em algum momento. Só não se imaginava que tão cedo, precipitada pelo caso Palocci. Oportunismo que derruba oportunismo, tem mil anos de governismo...
As denúncias contra o ministro da Casa Civil contribuíram, mas nada teria acontecido sem o descontentamento latente, fruto da delicada lógica criada pela presidente.

A favor de Dilma, poderia-se argumentar que optou pelo caminho de indicações técnicas para fugir do campo minado das nomeações políticas. Parte da decisão justifica-se pela crença de que, dado seu perfil, também técnico, essa seria sua melhor escolha - meritocrática, uma aposta que diferenciaria seu governo de todos os outros. Outra parte da decisão teria a ver com uma tática defensiva: o temor de que indicações políticas lhe ameaçassem, pela maior probabilidade de levarem a escândalos de corrupção.

Uma estratégia que se mostrou ingênua, baseada no mito e no poder da tecnocracia. No fim, nada foge da política. O governo não é uma empresa. A hierarquia rígida dá lugar a um sistema de pesos e contrapesos. E Dilma ainda precisa aprender a manipulá-lo. A gagueira da presidente é a politicofobia.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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