- O Globo
A cada dia que passa, mais a realidade de nossa política justifica a comparação com uma bacanal partidária, onde ninguém é de ninguém. O PTB, que abandonou o barco governista aos 45 do segundo tempo, agora tenta vender apoios isolados à candidatura Dilma, exatamente o mesmo que o PMDB fez no sentido contrário, isto é, apoiando a reeleição da presidente a nível nacional, mas abrindo dissidências regionais.
Quem com ferro fere, com ferro será ferido, não há ninguém a salvo das múltiplas traições que devem acontecer. Os partidos vendem o tempo de televisão, mas não a alma de seus componentes. A alma, essa é negociada isoladamente por cada qual.
Criou-se um mercado secundário nesse comércio eleitoral, onde as coligações regionais ganharam vida própria, independente da decisão das convenções nacionais. Há ainda a negociação da neutralidade. PP e PR estão em meio a essa transação, que retiraria pelo menos dois minutos de televisão da candidatura petista.
O PR retirou seu apoio ao ministro César Borges e ameaça se bandear para o campo oposicionista, apoiando o candidato tucano Aécio Neves. Quando se imaginava que nenhum partido estivesse negociando lugares no atual Ministério, num governo que termina em pouco mais de seis meses, descobre-se que o PR transaciona o apoio futuro por um novo ministro no presente.
Afinal, pouco mais de seis meses é tempo suficiente para fazer grandes projetos na pasta dos Transportes, mesmo correndo o risco de não continuar num próximo mandato, por derrota de Dilma ou novas negociações partidárias num segundo mandato.
Já o PP faz sua convenção nacional pressionado por regionais importantes como a do Rio Grande do Sul e a de Minas para que, no mínimo, fique neutro na disputa presidencial, como fez em 2010. Seu tempo assim seria dividido entre todos os candidatos, e seus diretórios regionais poderiam tomar a decisão que melhor lhes aprouvesse.
Não é que agirão de outra forma se a decisão de apoiar oficialmente Dilma for tomada pela direção nacional. Mas como a maioria do partido não quer ficar com a candidatura oficial, a neutralidade seria o mais próximo da situação real.
A situação do Rio de Janeiro é emblemática desse encontro de contrários, com quatro candidatos procurando se reforçar sem que questões programáticas estejam em jogo, apenas tempo de propaganda, com todos se acusando mutuamente de traições.
A última jogada foi a aproximação do PROS com Garotinho, do PR, que está se oferecendo para ser o único palanque confiável para Dilma Rousseff no Rio. Líder das pesquisas eleitorais no estado, Garotinho estava ficando isolado e também encontrou uma saída no último minuto de jogo para embolar a disputa.
Pode ter o deputado federal Miro Teixeira na chapa como candidato a senador, o mesmo Miro que foi candidato ao governo com o apoio do PSB e, depois de desistir, estava sendo cobiçado tanto por Lindbergh para ser o vice da chapa, quanto por Crivela e Garotinho.
O que havia de mais organizador do sistema partidário brasileiro foi o regime de verticalização, que esteve para vigorar na campanha eleitoral de 2006 graças a uma ação do próprio Miro Teixeira junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A decisão acabou sendo revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) depois de uma pressão política de líderes do quilate de José Sarney e Antônio Carlos Magalhães.
O mesmo Supremo que já havia derrubado as cláusulas de desempenho, que exigiam uma votação mínima para que partidos tivessem representação no Congresso Nacional. Essas tentativas, e mais outras tantas, já foram feitas para organizar nosso sistema eleitoral-partidário, mas o que prevalece até hoje é essa orgia de siglas que se entrelaçam com interesses meramente eleitoreiros, sem que programas e projetos estejam em jogo.
Está claro que, após essa orgia partidária, alguma reforma política terá que ser feita para organizar essa bagunça.
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