• Depois da redução de 2013, conta de luz tem reajuste de até 17% e traz riscos para a inflação
Ramona Ordoñez / Bruno Rosa – O Globo
RIO - Os consumidores brasileiros estão pagando um preço muito alto pela redução de 20% nas tarifas de energia elétrica feita pelo governo federal no ano passado. O desequilíbrio financeiro no setor provocado pelas medidas impostas para forçar a queda nas tarifas, somado à operação a plena carga das termelétricas em decorrência da forte estiagem, está batendo nas contas de luz, cujos reajustes já chegam a dois dígitos. De acordo com cálculos feitos pelas consultorias especializadas em energia Safira e Thymos, os aumentos médios nas contas de energia dos consumidores residenciais neste ano devem ficar entre 16% e 17%, o que praticamente anula a redução do ano passado. E em 2015 será pior: o reajuste ficará entre 21% e 25%.
O mapa dos aumentos no Brasil
Alguns analistas consideram que esses reajustes podem servir para pôr mais combustível na inflação e fazer com que ela feche 2014 acima do teto da meta perseguida pelo Banco Central (BC), ou seja, superior a 6,5%. Segundo a MB Associados, as contas residenciais de luz devem acumular avanço de 17,4% neste ano, o que faria o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado pelo BC, fechar 2014 com alta de 6,7%. Até junho, as contas de luz acumulam aumento de 4,98% e, nos últimos 12 meses, de 8,01%.
Até agora, 27 altas de dois dígitos
Segundo o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, a energia se tornou o grande vilão dos preços no ano. Ele também endossa a avaliação das consultorias do setor e diz esperar aumentos ainda mais significativos ao longo de 2015.
— Nós estamos com IPCA de 6,7% este ano porque os alimentos devem ajudar um pouco no segundo semestre, o que tem sido a grande sorte do governo depois do choque da seca no começo do ano. Contamos ainda com uma piora no câmbio caso a presidente Dilma Rousseff seja reeleita, o que deve pressionar no último trimestre de 2014. Para o ano que vem, mantemos nossa projeção de IPCA de 6,8% — explica Vale.
Já para o banco ABC Brasil, o IPCA deve terminar este ano em 6,4%, abaixo da meta. Porém, são esperados mais reajustes nas tarifas em 2015, o que deverá elevar o impacto da energia residencial no índice de preços. Pelos cálculos do banco, se a alta ficar em torno de 21% no ano que vem, as contas de luz devem pesar 0,6 ponto percentual no índice de preços. Este ano, a contribuição das tarifas deve ficar em 0,4 ponto.
E o consumidor já sente no bolso o custo da energia mais cara. De acordo com levantamento feito pelo GLOBO na base de dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), das 34 concessionárias que já tiveram os seus reajustes autorizados entre janeiro e 4 de julho deste ano, 31 aumentaram seus preços.
Desse total, 27 distribuidoras tiveram altas acima de dois dígitos, com percentuais que variam de 11% a 36,54%. Isso significa que, até agora, cerca de 43,2 milhões de residências já pagam mais caro pela conta de luz. Até dezembro, ainda haverá reajuste em outras 30 distribuidoras de energia. A Light só deve divulgar seu reajuste em novembro.
Segundo a Aneel, os aumentos concedidos às distribuidoras estão atrelados aos “custos com compra de energia”. Por causa do baixo nível dos reservatórios, as usinas térmicas — que têm um megawatt/hora (MWh) mais caro em relação às hidrelétricas — vêm sendo acionadas desde o ano passado. Além disso, como algumas empresas de geração (Celesc, Cesp, Copel e Cemig) não aderiram ao processo de renovação das concessões, previsto na medida provisória 579, as distribuidoras ficaram com parte de sua energia descontratada, sendo obrigadas a recorrer ao mercado à vista, no qual os preços chegaram R$ 822 o MWh.
— A desaceleração, tanto da economia como do setor de serviços, pode minimizar esse choque tarifário que vamos ter — afirma Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do ABC Brasil.
Fábio Cuberos, gerente de Regulação da Safira, destacou que, apesar dos elevados aumentos que estão sendo concedidos pela Aneel neste ano — o reajuste médio entre as 31 distribuidoras está em 15,43% até julho —, as tarifas ainda estão represadas. O executivo explicou que os custos adicionais com as usinas térmicas em 2013, que seriam repassados ao consumidor neste ano, foram diluídos em quatro anos a partir de 2015. Além disso, o impacto nas tarifas do empréstimo de R$ 11,2 bilhões, feito por meio da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), via consórcio de bancos, para as distribuidoras em abril, só será repassado às tarifas em 2015 e 2016.
— Os reajustes que vêm por aí a partir do próximo ano serão bem mais salgados, porque já vão partir de uma base muito elevada, fora o reajuste normal que seria dado — ressalta Cuberos.
O executivo da Safira considera, no entanto, que o mais preocupante é o fato de que os problemas do setor continuam. As distribuidoras ainda têm dificuldades no fluxo de caixa e já usaram todos os R$ 11,2 bilhões disponibilizados pelo consórcio de bancos. Para arcar com os contratos de maio, as empresas não tiveram recursos suficientes, o que levou o governo a postergar para o fim deste mês o pagamento de R$ 1,3 bilhão.
E já se pensa em um novo financiamento, no valor de R$ 2 bilhões. Cuberos ressalta que, apesar de as distribuidoras terem reduzido sua exposição ao mercado livre, ainda estão sendo obrigadas a comprar no mercado à vista cerca de 700 megawatts (MW) médios.
— Um dos motivos das dificuldades financeiras das distribuidoras é o fato de comprarem essa energia no mercado à vista por um preço muito elevado, por causa dos reservatórios baixos. O custo da energia tem ficado alto no mercado livre — afirma Cuberos.
Tarifa em patamar de 2014, só em 2020
Apesar de o preço no mercado livre ter caído para R$ 674 o MWh atualmente, os preços tendem a se manter em patamares elevados devido à falta de chuvas. Essa é a avaliação de Ricardo Savoia, diretor da Thymos, que lembra que haverá reajustes até 2018, já que o pagamento dos empréstimos foi escalonado para os próximos anos. Para 2015, Savoia diz que o aumento nas tarifas pode chegar a 25%.
— A evolução das tarifas é crescente. Só entre 2019 e 2020 voltaremos para o patamar de preços de 2014. Nos próximos cinco anos estimamos um aumento de R$ 80 bilhões no custo de energia, com a falta de chuvas, os atrasos das obras e o processo de renovação das concessões. Mas os custos podem ser ainda mais significativos se as condições climáticas continuarem adversas, e as térmicas permanecerem operando a pleno vapor a partir de 2015 — afirma Savoia.
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