- O Globo
A aprovação na Câmara dos Deputados terça-feira do pedido de urgência para votar um decreto legislativo que anula o decreto da presidente Dilma Rousseff que cria conselhos populares em órgãos da administração pública está sendo considerada “uma goleada maior que os 7 a 1 da Alemanha na seleção brasileira”, na definição de um deputado que conhece bem a Casa.
Isso porque o pedido de urgência recebeu 294 votos a favor, apesar de todo o trabalho do Palácio do Planalto sobre sua base aliada e das ameaças veladas que os líderes do PT fizeram ao microfone, tratando como uma traição dos aliados a posição contrária e, mais do que isso, jogando contra os deputados opositores a pecha de serem contra o povo, que ganharia mais espaço nas decisões do governo, pois estaria representado nesses conselhos.
O deputado Miro Teixeira irritou-se com a posição dos petistas e anunciou no microfone que votaria contra o decreto da presidente Dilma por considerá-lo simplesmente eleitoreiro, editado às vésperas da eleição presidencial para ganhar a simpatia dos chamados movimentos sociais, que seriam os beneficiados pela medida.
Há diversas vertentes na oposição ao decreto, desde os que, como Miro, o consideram inócuo, mas eleitoreiro, quanto os que temem que esse seja um passo a mais na direção de um governo no estilo bolivariano, como os da Venezuela e de outros países da América Latina. Há muitos deputados que votarão contra o decreto para preservar a função do Congresso Nacional no nosso sistema presidencialista, como um dos poderes da República, um contraponto ao Executivo e ao Judiciário.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), foi pressionado por mais de uma dezena de partidos para colocar a proposta de urgência em votação antes do recesso, o que retirou do decreto legislativo organizado pela oposição o caráter de atitude isolada, já que boa parte da base aliada do governo também está contra o decreto presidencial.
O máximo que admitem é que o Palácio do Planalto envie um projeto de lei para ser discutido por deputados e senadores. Mesmo quem não considera que o decreto seja inconstitucional, embora haja quem o considere assim, teme a manipulação que ele permite ao definir, por exemplo, sociedade civil como “o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”.
Além de ser uma definição muito ampla que abarca qualquer tipo de movimento social, até mesmo os “não institucionalizados”, os parlamentares temem que o Palácio do Planalto se aproveite dessa amplitude conceitual para organizar, através da Secretaria Geral da Presidência da República, chefiada pelo ministro Gilberto Carvalho, os próprios conselhos, manipulando suas decisões.
Uma das tarefas de Gilberto Carvalho é, pelo decreto que define seu ministério, atuar “no relacionamento e articulação com as entidades da sociedade civil e na criação e implementação de instrumentos de consulta e participação popular de interesse do Poder Executivo”.
A reação contra o decreto da presidente Dilma é uma demonstração clara de que, apesar de ter uma maioria teórica que beira os 70% do Congresso, na prática, o Palácio do Planalto tem que negociar caso a caso para fazer valer sua vontade.
E sempre que uma decisão palaciana vai de encontro à Constituição, há uma maioria parlamentar na defesa da democracia representativa.
Mesmo os partidos mais fisiológicos da base aliada reagem a tentativas de enfraquecer as bases democráticas porque sabem que, num governo autoritário, será menor sua influência e maior a força política do PT. O principal responsável por barrar essas tentativas é o próprio PMDB, o maior aliado do PT no Congresso, que tem em seu DNA a defesa da democracia e impede que o PT ultrapasse os limites democráticos.
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