quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Um dia histórico para Brasil:derrota da ditadura

Esta quinta-feira marca um dia histórico para o Brasil. Exatamente no dia 15 de janeiro de 1985, há exatos 30 anos, acabava oficialmente a ditadura militar, que durou quase 21 anos. Ela já estava nos seus estertores, com as decisões do último presidente milico, João Baptista Figueiredo, de fazer a abertura política. 

Os refugiados já tinham voltado do exterior com a anistia e a volta democracia era vislumbrada. Neste 15 de janeiro, há três décadas, Tancredo Neves era eleito Presidente da República, num colégio eleitoral ainda frágil e sem se saber que os militares permitiriam a escolha de um civil de oposição para comandar o país. Tancredo ganhou com 72% dos votos. 

Poucos dias depois, quando começava a preparar seu governo, Tancredo ficou doente. Morreu em 21 de abril de 1985, três meses e meio depois de ser eleito, sem tomar posse. A agonia e morte de Tancredo foi acompanhada passo a passo pelo país e seu sepultamento foi um dia de tristeza nacional, como poucas vezes se viu. Dias atrás, 12 de janeiro (ver arquivo do Blog) postei o discurso no dia da eleição: 'Entrego-me ao serviço da Nação'. Agora, é a vez do discurso da posse que não houve.

Leiam o discurso preparado para o dia da posse, que não houve.

Srs. membros do Congresso Nacional:

Recebo da soberania do povo, de que sois portadores, a chefia do Estado e o governo do País. Esta solenidade encerra singular mistério de liturgia cívica. A Nação inteira se reúne, pelo instituto da representação, em sua vontade e em sua esperança, para investir um homem da responsabilidade de a conduzir, na lei e na dignidade.

De cada um dos homens que constituem a comunidade nacional transfere-se, ao coração e ao espírito do escolhido, um homem como os outros, parcela essencial de ser, na devoção aos valores comuns e na inquebrantável decisão de os preservar para sempre.

Ao assumir esta enorme responsabilidade, o homem público se entrega a destino maior do que todas as suas aspirações, e que ele não poderá cumprir senão como permanente submissão ao povo.

Quando falamos em povo não pensamos em uma entidade abstrata, que possa ser eventualmente conduzida em trilhas de equívoco, pelo fanatismo ou pela demagogia. Pensamos no povo como soma de razões e virtudes, que sempre prevalecem, para impor lucidez à história, restaurando o que se deve restaurar, abandonando o que se deve abandonar e construindo o que se deve construir.

A grandeza de um povo pode ser medida pela fraternidade. A coesão nacional, que não deve ser confundida com as manifestações patológicas do nacionalismo extremista, resulta do sentimento de solidariedade da cidadania. Essa solidariedade se expressa na consciência política. Não basta, porém, a consciência da responsabilidade coletiva, se não houver a oportunidade de participação de todos na vida do Estado, que é o instrumento comum da ação social.

Não celebramos, hoje, uma vitória política. Esta solenidade não é a do júbilo de uma facção que tenha submetido a outra, mas festa da conciliação nacional, em torno de um programa político amplo, destinado a abrir novo e fecundo tempo ao nosso país. A adesão aos princípios que defendemos não significa, necessariamente, a adesão ao governo que vamos chefiar. Ela se manifestará também no exercício da Oposição. Não chegamos ao poder com o propósito de submeter a Nação a um projeto, mas com o de lutar para que ela reassuma, pela soberania do povo, o pleno controle sobre o Estado. A isso chamamos democracia.

Temos construído esta Nação com êxitos e dificuldades, mas não há dúvida, para quem saiba examinar a História com isenção, de que o nosso progresso político deveu-se mais à força reivindicadora dos homens do povo do que à consciência das elites. Elas, quase sempre, foram empurradas à ação pelos que, vindos das lutas e dificuldades cotidianas, alçavam-se ao jornalismo e ao Parlamento e obtinham, assim, os instrumentos políticos para o exercício de sua influência.

Há razões singelas para que haja maior amor à Pátria no povo do que entre algumas de suas elites. O homem que trabalha e sofre sabe que a sua realização depende do progresso de todo o País, e que o desenvolvimento não se faz sem o trabalho e o sacrifício de todos. Desprovido de fortuna, o trabalhador só pode sentir como seu o patrimônio comum da Nação, que as cores da bandeira simbolizam e protegem. Nada tendo de seu, ou tendo muito pouco, está poupado do egoísmo dos que possuem e disposto a defender a esperança, que para ele está no crescimento do Brasil. Sua história pessoal é quase sempre singela, mas ele assume, com amor e orgulho, a rica história da Nação. A pátria dos pobres está sempre no futuro e, por isso, em seu instinto, eles se colocam à frente da História.

Enganam-se os que imaginam possível levantar uma Nação rica e poderosa sobre os ombros de um povo explorado, doente, marginalizado e triste. Uma Nação só crescerá quando crescer, em cada um de seus cidadãos, o conhecimento, a saúde, a alegria e a liberdade. Não há povos que tenham surgido poderosos e ricos sobre a face da terra. Só a consciência da defesa coletiva é que levantou, no exercício da política, as sociedades primitivas, permitindo-lhes a prosperidade, a segurança e a cultura.

Temos um povo com a consciência de sua força e de seu destino. Os duros sacrifícios transformaram-se, pelo milagre da fé, na impetuosidade cívica dos últimos meses. Não há quem o possa fazer recuar. Ai dos que pretendem violar esta unidade, manchar esta bandeira de esperança.

É tempo, portanto, de edificar um Estado que sirva à plenitude de nosso povo. Não deve ser um Estado que as elites outorguem à Nação, em orgulhoso ato de poder, mas que se erga, da consciência coletiva, como resposta a anseios e necessidades. Ele deve ser construído para promover a ordem e a justiça. Ordem e justiça se fazem com a lei. E a lei deve ser a organização social da liberdade.

Brasileiros:
Em agosto do ano passado, ao falar diante dos convencionais do PMDB que me escolheram seu candidato à Presidência da República, eu lhes disse que a primeira de nossas preocupações era a de reordenar institucionalmente a Nação. Ao receber, no Colégio Eleitoral, os votos que me elegeram presidente da República, voltei a expor a minha preocupação em promover, logo, a discussão constitucional. Se não podemos, e não devemos, votar às pressas uma nova Carta Política, temos de discuti-la a partir de amanhã. A fim de contribuir, com seus recursos, para o debate, o Executivo constituirá, como um dos primeiros atos de governo, comissão de alto nível, integrada não só de juristas conhecidos, mas, igualmente, de representantes autênticos dos diversos setores sociais, com o objetivo de elaborar um esboço de anteprojeto constitucional.

Este documento não nascerá apenas do saber jurídico de seus membros e das reivindicações, justas, dos grupos sociais que ali se representem. Meu propósito é o de que a comissão possa ouvir o povo, recolhendo suas ideias criadoras. Redigido, o esboço voltará ao debate público, enquanto se processa a campanha eleitoral para a escolha do Congresso Constituinte.

E caberá aos delegados da Nação, eleitos com o mandato expresso de constituinte, o ato soberano de aceitar, emendar ou rejeitar a proposta de lei fundamental que lhe encaminharemos.

Se assim se fizer, e assim se fará, teremos a primeira grande oportunidade histórica de redigir uma Constituição ajustada às aspirações nacionais. Em nenhum outro tempo, no passado, pudemos realizar uma consulta popular sobre o destino do Estado, como faremos agora.

Brasileiros:
Não me cansarei, enquanto houver injustiça, de clamar em nome dos perseguidos, dos humilhados, dos que têm mãos ociosas e vazias. Nada é mais doloroso para um pai de família do que oferecer suas mãos para o trabalho e recolhê-las, envergonhado, com o óbolo da ajuda. Para quem o recebe, o pão da caridade é sempre amargo.

Chega de proclamarmos, para aplacar a consciência, o direito de todos ao trabalho. É hora de transformar tais intenções em fatos concretos. E é também hora de pagar salários justos aos que produzem.

Recorro à advertência do profeta Isaías, nesta hora grave, talvez a mais grave de toda a minha vida:
“Ai dos que decretam leis injustas e dos que escrevem perversidades, para prejudicarem os pobres em juízo e para arrebatarem o direito dos aflitos de meu povo; para despojarem as viúvas e para roubarem os órfãos.”

Durante os últimos decênios acentuou-se em nosso país a injustiça contra os trabalhadores. Essa situação tornou-se ainda mais iníqua diante das seduções do consumo e da ostentação de alguns setores de nossas elites econômicas.

Se aos insensatos não comove a exigência de justiça, é possível que os atinjam as razões do temor.

Já vivemos, nas grandes cidades brasileiras, permanente guerra civil, com níveis de violência que nos colocam nos primeiros lugares entre as regiões mais perigosas do mundo. É natural que todos reclamem mais segurança nas ruas, e é dever do Estado garantir a vida e os bens dos cidadãos. Essa garantia, sabemos todos, não será oferecida com o aumento do número de policiais, ou com a multiplicação dos presídios. É muito mais fácil entregar ferramentas aos homens do que armá-los, e muito mais proveitoso para a sociedade dar pão e escola às crianças abandonadas, do que, mais tarde, segregar adultos criminosos. A história nos tem mostrado que, invariavelmente, o exacerbado egoísmo das classes dirigentes as tem conduzido ao suicídio social.

Brasileiros:
Não se resolvem os problemas sociais de um país sem que haja drásticas mudanças em sua economia.

Até hoje o Estado tem servido para garantir e estimular os poderosos, e é tempo de que a sua força se coloque realmente a serviço dos despossuídos. Isso não significa empobrecer a Nação, mas enriquecê-la. Temos de ampliar o mercado interno, o único com que podem contar permanentemente os empresários brasileiros. Não se amplia o mercado interno sem que haja mais empregos e mais justa distribuição de renda nacional.

Os recursos públicos, destinados ao fomento das atividades produtivas, devem ser aplicados no maior número possível de empreendimentos. Não repetiremos os terríveis erros do recente passado, quando o Tesouro, por intermédio das autoridades financeiras, pagava pela incompetência e, em muitos casos, pelos crimes contra a economia popular cometidos por aventureiros.

Enquanto isso, homens sérios mantêm, com angustiosos esforços, suas empresas industriais, preferindo reduzir os lucros a reduzir as folhas de pagamento.

O desenvolvimento industrial de um país não se faz em poucos anos. Enquanto não houver condições de trabalho e salários dignos para todos os brasileiros, devemos adotar medidas urgentes contra a fome e a doença. As estatísticas nos revelam verdades dolorosas: milhões de brasileiros se encontram à margem da inanição, e as imagens de crianças desnutridas, que nos chegam das regiões mais castigadas, em nada diferem das que nos transmitem dos campos de refugiados da Etiópia. Não podemos, sob o argumento de que só o desenvolvimento econômico resolverá o problema, deixar que tantos brasileiros morram desnutridos.

Brasileiros:
A prazo maior, teremos de adotar medidas para a retomada do crescimento econômico sem ferir os postulados da boa justiça social. Uma dessas medidas é a reforma agrária. Em país como o nosso, a reforma agrária deverá realizar-se de muitas formas. Não será necessário dividir terras em algumas regiões pouco povoadas, nem é conveniente parcelar glebas, mesmo extensas, se se encontram aproveitadas. Na verdade, o problema da propriedade – salvo os conflitos nas áreas de colonização recente – só se coloca, de forma dramática, no Nordeste. Ali, só são aproveitáveis as terras molhadas e férteis das margens dos açudes e rios, e elas se encontram, invariavelmente, nas mãos de poucos.

Nós, brasileiros, temos uma dívida enorme com o Nordeste. Mas, se é verdade que devemos muito a milhões de brasileiros que ali vivem, maior é a dívida de suas próprias classes dirigentes, que, salvo exceções conhecidas, não tiveram para com seu povo a solidariedade que, em seu nome, reclamam do resto do País. Temos de adotar, no Nordeste, medidas corajosas. É necessário que os recursos públicos destinados à região sirvam efetivamente a todos e não sejam interceptados pelos privilegiados.

Ao lado do reordenamento institucional, o problema do Nordeste se coloca como prioritário em minhas preocupações. Não podemos continuar crescendo no Sul e regredindo naquela região sacrificada. É preciso encontrar meios técnicos e políticos para resgatar sua população e integrá-la plenamente na vida nacional.

O acesso à terra e à água é direito de todos e, onde as terras produtivas e a água são escassas, cabe ao poder público, através da lei, ordenar o seu aproveitamento.

No encontro que mantive com agricultores do Rio Grande do Sul, coloquei como meta do governo dobrar a produção brasileira de grãos nos próximos anos. Tenho ouvido, de técnicos e empreendedores rurais, que nada nos impede de cumprir essa tarefa. Para isso, temos de adotar medidas que se integram em uma ampla reforma agrária nacional. Não nos inibiremos diante dos que nos querem impor medidas recessivas e subsidiaremos, de forma justa, a nossa agricultura. Não deixaremos de fazer o que outros fazem apenas porque a eles interessa manter-nos em atraso.

Brasileiros:
Quando, nos países mais adiantados do mundo, as crianças começam a aprender diante de uma tela de computador, ainda exibimos uma vergonhosa taxa de analfabetismo. Estamos levantando usinas nucleares que custam bilhões de dólares, mas não fomos capazes de construir modestas salas escolares e colocar professoras em cada uma delas, de forma a acolher toda a população em idade escolar no País.

Sem descuidar das universidades, iremos, cada vez mais, investir na educação básica. Não iremos, no entanto, cuidar apenas do aspecto material. É necessário ajustar programas escolares que, sem perder de vista a realidade universal, sejam coerentes com a identidade cultural de nosso povo.

A força e a independência dos sindicatos são indispensáveis ao desenvolvimento econômico e social de qualquer país. É do consenso nacional que a legislação sindical brasileira se encontra envelhecida. Além do mais, ela não se inspirou nos melhores exemplos do tempo em que foi promulgada.

Os sindicatos devem ser livres. A unidade sindical não pode ser estabelecida por lei, mas surgir naturalmente da vontade dos filiados. Sendo assim, tudo farei para que o Brasil adote a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho.

Os sindicatos não podem submeter-se à tutela do governo nem subordinar-se aos interesses dos partidos políticos. Se devemos ter uma política sindical, temos de evitar qualquer sindicalismo político.

A administração econômica do País reclama coragem e determinação. Vamos ter de combinar várias medidas para sanear as finanças públicas, retomar o desenvolvimento econômico e atender às urgentes demandas sociais.

Em primeiro lugar, vamos aceitar o pleno jogo do capitalismo, tal como ele deve ser praticado. Se o Estado deve, em alguns casos, proteger e incentivar empreendimentos produtivos, é de todo inconcebível que garanta os riscos de especulação financeira. De agora em diante, e da forma que a lei estabelecerá, os investidores deverão saber dos riscos que assumem, quando aplicarem o seu dinheiro no mercado de capitais. Não poderá o governo continuar socorrendo com os escassos recursos de caixa as instituições financeiras mal administradas. E não temo usar, aqui, a expressão forte. Os que burlarem a confiança popular em meu governo podem estar certos de que tudo faremos para que restituam, centavo a centavo, o que tenham desviado, como atuará o Ministério Público no sentido de que paguem o seu crime em cadeia. Não podemos continuar vivendo em um país em que qualquer trabalhador pode ter sua geladeira arrestada por faltar a um compromisso de pequena monta, enquanto milhões de dólares, frutos da poupança do povo, são criminosamente depositados em bancos estrangeiros.

Uma das questões econômicas que o meu governo deverá enfrentar e resolver, é a da participação do Estado nas atividades empresariais.

Em muitos setores, entre eles o da energia, a presença do poder público é absolutamente necessária. Caberá ao governo administrar as empresas indispensáveis com rigorosos critérios de austeridade e eficiência e submetê-las a um controle partilhado com o Congresso Nacional.

Não sou dos que acusam as empresas estatais indiscriminadamente. Elas têm prestado inestimáveis serviços ao País, e muitas de suas dificuldades procedem de abusos conhecidos, entre eles o de crescimento de seus débitos no estrangeiro, a fim de captar divisas necessárias à rolagem da dívida externa.

Devemos privatizar aquelas empresas que puderem ser privatizadas. Mas jamais poderemos desnacionalizá-las. O controle acionário das privatizáveis ou a participação do Estado em joint ventures deverão, isso sim, transferir-se a investidores brasileiros.

Temos sempre repetido que não há República sem Federação. Um dos principais compromissos que assumimos com a Nação foi o de restaurar a autonomia dos Estados. O poder é tanto mais eficiente quanto mais distribuído. A médio prazo – e isso vai depender da nova Constituição –, deveremos ter um sistema de administração piramidal, de maneira que o Estado não assuma qualquer prerrogativa ou responsabilidade que possa ser assumida pelo município, e que a União não intervenha no que puder ser da competência dos Estados. A hipertrofia centralizadora da União, fruto do sonho ditatorial e totalitário do passado recente, não é apenas abuso contra a liberdade e o direito. É, sobretudo, uma tolice, do ponto de vista prático.

A restituição dos direitos federativos não significa que a União venha a eximir-se de sua responsabilidade pelo equilíbrio entre os Estados. Através de mecanismos especiais, caberá ao Poder Central promover a solidariedade, permanente ou eventual dos Estados mais ricos para com as unidades menos desenvolvidas e de tudo fazer para que se nivelem, no progresso comum, todas as regiões do País.

Sempre que me perguntam sobre a dívida externa, repito que honraremos os compromissos que, em nome do País, foram assumidos pelos nossos antecessores. Mas, da mesma maneira que ninguém retirará da boca do filho o pão para entregá-lo ao credor, não iremos resgatar os nossos títulos no exterior com a fome dos brasileiros. Haveremos de encontrar, com os nossos credores, a forma justa de liquidar os débitos. Eles também sabem que só produziremos se dispusermos de recursos para investir no interior do País. Nisso não me preocupo. Conto com a lucidez dos credores, que compreenderão o nosso direito de exigir prazos compatíveis e de recusar taxas escorchantes de juros.

Quando falamos em liberdade, entendemos o vocábulo em seu amplo significado. O homem deve ter a liberdade de viver onde quiser, de trabalhar como quiser e de exercer plenamente a sua identidade. Identidade é, mais do que os documentos de registro civil, a expressão da cultura de cada um. Sempre que não houver prejuízo para a comunidade, o homem tem direito à fé, ao culto, aos costumes que escolher. O Estado não pode intervir, por meio da censura ou da coerção policial, contra a expressão individual ou coletiva de uma identidade cultural particular, sempre que ela, repetimos, não signifique censura ou coerção contra o direito dos outros.

É assim que vemos o direito das minorias étnicas e religiosas e tudo faremos para que elas possam expressar-se sem qualquer constrangimento. Da mesma maneira, tudo faremos para que, sem coerção contra os que quiserem integrar-se na sociedade moderna, sejam protegidos os costumes, a cultura e a sobrevivência dos povos indígenas.

O Brasil tem a consciência de suas responsabilidades internacionais e busca cumpri-las, sem inibições e sem arrogância. As circunstâncias de sua formação histórica e de sua situação geográfica colocam-no como interlocutor privilegiado entre o hemisfério norte e o hemisfério sul.

Deus nos tem preservado de conflitos com outras nações. Integramos, no entanto, continente conturbado em áreas assoladas pela luta fratricida. Tais conflitos revelam, quaisquer sejam as bandeiras ideológicas que se alcem, o drama da pobreza, da espoliação e do medo.

Manteremos a posição da política externa brasileira: defesa intransigente da independência e autodeterminação dos povos, oposição ao uso da força nos conflitos internacionais e não intervenção. Da mesma maneira, seguiremos apoiando as Nações Unidas em seus esforços para eliminar os resíduos do colonialismo e as práticas infames do racismo em todo o mundo.

Dentro desse espírito tradicional do Itamaraty, apoiamos resolutamente o Grupo de Contadora, em seus esforços para a solução pacífica do problema da América Central.

Dentro de quinze anos estaremos ingressando no terceiro milênio. Estas passagens marcantes do tempo exercem poderoso fascínio sobre os homens, trazendo-lhes inquietações transcendentais. Temos hoje, como conquista da inteligência e do trabalho dos homens, fantástico futuro pela frente. A ciência, que nem sempre trilha o reto caminho, oferece ilimitadas possibilidades ao homem. A conquista do espaço, com as excursões às vastidões cósmicas, e a incursão do átomo, com a doma dos elétrons e o seu emprego na inteligência artificial dos computadores, reservam-nos poder de deuses.

Ao mesmo tempo, o mergulho no mistério biológico permite-nos controle genético cada vez maior, na seleção e aprimoramento de plantas e animais. Com todo o cuidado que devemos tomar, a fim de não violar a alma dos homens, nem ferir os núcleos mais profundos na natureza, tais técnicas servirão para multiplicar a produção de alimentos, necessários ao mundo que cresce.

Ao criar um ministério para cuidar dos assuntos da ciência e da tecnologia, tive a preocupação de assegurar e disciplinar os recursos destinados à pesquisa científica, de maneira a que o Brasil possa vencer a distância que o separa das nações mais adiantadas. Temos de dispor de tecnologia própria, se queremos assegurar a soberania nacional no futuro.

Brasileiros:
Esta é a hora mais importante de todas as que eu tenho vivido, e devo ocupá-la com humilde súplica a Deus. Queira Ele consagrar, com sua bênção, a imperecível aliança entre o governo que se inicia e a Nação que espera. Juntos, Nação e governo, haveremos de honrar o passado com a dignidade do futuro.

Chegamos a esta hora cavalgando todas as dificuldades. Há duas décadas interrompemos o paciente caminho que percorríamos, dentro da razão democrática, para sofrer tempos tormentosos. Mas as mãos anônimas do povo indicaram-nos, com o protesto e a esperança, a trilha democrática. Podíamos tomar de Malraux a imagem genial que serve a esta luta admirável: morriam as liberdades e de suas cinzas nasciam as forças que iam lutar por elas; prevalecia a prepotência e, sob suas sombras, iluminava-se nova resistência; organizava-se, sobre a aparente passividade do povo, o sistema fechado e cruel – e, no silêncio imposto, como no fundo da terra, plantavam-se as sementes da vontade popular.
Na luta contra as forças da sombra houve os que tombaram, os que conheceram o degredo e os que não aceitaram a humilhação dos poderosos, vencendo, com dignidade, a perseguição e a calúnia.
Os melhores filhos da Nação souberam resistir, na peleja de todos os dias, ocupando os reduzidos espaços da ação política, até que o povo inteiro, afastando o medo e recuperando o ânimo, irrompeu na força avassaladora das ruas.

Brasileiros:
O ministério que escolhi, dentro das forças políticas que me apoiavam, e tendo em vista o critério de representação regional do governo, é constituído de homens comuns. Busquei-os no Congresso, nas organizações partidárias e nas atividades profissionais. Sou responsável pelo seu desempenho diante do Congresso, e deles exigirei, como é de meu dever, pleno devotamento à causa do povo. A austeridade não deve apenas ser um vocábulo de efeito político, mas rigoroso compromisso do poder. O meu governo não oferecerá a nenhum de seus altos funcionários outra dignidade que não seja a honrada oportunidade de servir à Nação.

Teremos de colocar ordem imediata na administração econômica, combatendo, com denodo, a inflação. Há medidas, a médio e a longo prazo, indispensáveis ao saneamento financeiro e à boa ordem econômica, e que serão tomadas. Elas se relacionam com as opções internas de desenvolvimento e com rigorosa disciplina no comércio externo.

Brasileiros:
O Brasil que o povo hoje recebe e me confia é um país sitiado de todas as dificuldades. Não podemos ocultá-las. Meu governo não se exercerá nas sombras do medo, mas sob o sol meridiano da verdade.

A hora pede de todos patriotismo e coragem. Assumo, como é de meu dever constitucional, e da vontade do povo, o comando supremo das Forças Armadas. Elas são indispensáveis à defesa da Pátria. Nessa grave e honorável missão fizeram-se grandiosas, ao vencer os confrontos armados a que fomos impelidos pela agressão estrangeira. O seu heroísmo na manutenção das fronteiras históricas repetiu-se, além do continente, quando a humanidade nos convocou à cruzada contra o nazifascismo. Sua responsabilidade será cada vez maior, com o esperado crescimento da cobiça internacional sobre os nossos recursos naturais, e considerando-se a extensão de nossas lindes.

Ao heroísmo e à abnegação de nossos soldados, devemos acrescentar os indispensáveis meios de combate. O adestramento militar possibilita a eficiência da bravura, e os equipamentos modernos de luta são indispensáveis ao bom desempenho dos exércitos. Temos de preparar as nossas Forças Armadas para qualquer possibilidade de agressão externa.

Brasileiros:
Nada poderei fazer, senão aquilo que pudermos fazer juntos.

Reclamo dos trabalhadores vigilantes participação na vida nacional e conto com seu patriotismo na renegociação de um amplo pacto social que nos permita reordenar a economia do País.

Reafirmo meu apreço pelos empresários brasileiros que, enfrentando a desigual competição de consórcios multinacionais, têm preservado seus empreendimentos e mantido, com pesados esforços, o nível de emprego em suas fábricas. Sei que poderemos confiar em seu bom senso nas amplas negociações que vamos promover.

Contamos com o inconformismo das mulheres no esforço nacional para construir uma sociedade justa. Ninguém melhor do que elas, em sua sensibilidade e disposição de servir, convoca a consciência social contra as desigualdades.

A imprensa sabe de sua importância e de suas responsabilidades na vida democrática. Concito os homens de jornal, rádio e televisão a que exerçam seu patriótico dever de informar e não renunciem ao direito de denunciar o que, no governo ou fora dele, for contrário ao interesse do País. O melhor apoio ao governo é o que presta a imprensa livre, mas rigorosa na fidelidade dos fatos.

Faz vinte e um anos que as organizações estudantis, ponto de partida das vocações políticas, foram estranguladas pela repressão policial. Expressar o amor à Pátria significa participar de sua vida política. A Pátria merece este amor que podem expressar agora, sob os tempos democráticos. Quero, em meu governo, assistir à renovação dos quadros partidários, com a presença da juventude.

A Nação renasce porque está renascendo nos olhos dos moços. Refletindo-se em suas pupilas, as cores nacionais recebem aquele calor sagrado que torna as pátrias imperecíveis.

Brasileiros:
Começamos hoje a viver a Nova República. Deixemos para trás tudo o que nos separa e trabalhemos sem descanso para recuperar os anos perdidos na ilusão e no confronto estéril. Estou certo de que não nos faltará a benevolência de Deus.

Entendamos a força sagrada deste momento, em que o povo retoma, solenemente, seu próprio destino.

Juntemos as nossas mãos e unamos as nossas vozes para elevá-las à Pátria, no juramento comum de servi-la com as honras do sacrifício. Peço-vos que canteis, junto conosco, estejais onde estiverdes, o nosso Hino Nacional.

Viva o Brasil.
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Fonte: Tancredo Neves:Tancredo Neves. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Coordenação de Publicações. Brasília, 2001. p. 693-692

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