- O Estado de S. Paulo
Nas próximas semanas o Congresso Nacional se pronunciará sobre um projeto de lei que, se for aprovado, dará início a mudanças profundas na política brasileira: a implantação do voto distrital nas cidades com mais de 200 mil eleitores. Nesses municípios - cerca de 90 - vivem 38% dos eleitores brasileiros. A chance de esse projeto ser aprovado é grande, até porque a mudança pode ser feita por lei ordinária, aprovada por maioria simples no Senado e na Câmara.
Tomemos como exemplo a cidade do Rio: se o projeto virar lei, ela será eleitoralmente dividida em 51 distritos, de aproximadamente 95 mil eleitores. Cada um deles elegerá um vereador. Como consequência, os custos de campanha cairão vertiginosamente, aumentará a representatividade do vereador e o eleitor dos distritos poderá acompanhar o atuação do eleito. Esse novo sistema tem tudo para dar certo e para influenciar a redefinição do processo de escolha de deputados estaduais e federais.
Esse projeto de lei sobre o voto distrital é um dos seis que já encaminhei no Senado. Propus ainda a extinção das Mesas das casas legislativas brasileiras: Câmaras municipais, Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado. Por quê?
Em países como EUA e Chile, a direção dos respectivos Parlamentos é exercida pelo presidente eleito por seus pares, que escolhem também um ou dois vice-presidentes. E pronto! No Brasil, a tradição e a prática levam à eleição de um time completo. Em todas as casas legislativas há um presidente, vice, secretários e suplentes. A cada dois anos é feita uma composição entre partidos e indivíduos, dando margem a um troca-troca na repartição dos cargos que nada tem que ver com os eleitores, com o interesse público ou com programas de governo.
E tudo isso para quê? Para nada, exceto aumentar as despesas, pois o parlamentar que integra a "Mesa" dispõe de mais funcionários, nomeações e outras regalias. Ironicamente, aqueles que trabalham com seriedade, e são muitos, empregam seu tempo em atividades administrativas rotineiras que nada têm que ver com seus eleitores e deveriam ser exercidas pela burocracia dos Legislativos.
O terceiro projeto apresentado estabelece que a receita do PIS-Cofins cobrado sobre as atividades de saneamento básico seja investida no setor e no Estado onde foi gerada. É isto mesmo: por incrível que pareça, existe hoje uma tributação mórbida que incide sobre as empresas que cuidam da água e do esgoto. São R$ 2 bilhões por ano, surrupiados de atividades essenciais para a saúde da população.
O quarto projeto cria a Nota Fiscal Brasileira (NFB), baseada na experiência da Nota Fiscal Paulista. Neste caso, trata-se da devolução aos consumidores de 30% do imposto estadual ao valor adicionado (ICMS) nas vendas a varejo. Pois bem, a NFB permitirá que seja devolvido pela Receita Federal o equivalente à metade do crédito já concedido pelo Estado. Essa contrapartida ampliará o estímulo à exigência de notas fiscais e diminuirá ainda mais a sonegação. A arrecadação como um todo cresce, enquanto a carga tributária individual diminui.
O quinto projeto aborda uma questão crítica da economia brasileira, talvez a principal: a fragilização wagneriana da Petrobrás, no bojo não apenas da corrupção como método de governo, mas também, e sobretudo, do irrealismo e até da irresponsabilidade do planejamento dos investimentos da empresa.
Um aspecto desse processo sempre me chamou a atenção pela sofisticação da inépcia e pela utilização do patrimônio público para fins puramente eleitorais: a implantação do método da partilha na exploração das reservas do pré-sal. Isso foi inventado em 2009/2010 com o propósito de servir à eleição presidencial, pois poderia facilitar aquela polarização que o marketing petista inventou e procurou exacerbar entre "nacionalistas" e "entreguistas" para satanizar adversários.
A partilha sempre foi uma falsa opção porque o método das concessões, estabelecido durante o governo FHC, funciona muito bem do ponto de vista da prospecção, da exploração, das receitas obtidas e dos interesses nacionais. O mais grave, porém, não foi o novo método, mas a obrigação imposta à Petrobrás de assumir a exclusividade na operação de cada novo poço aberto e aportar, no mínimo, 30% dos investimentos necessários. O projeto lei que já apresentei suprime essas duas obrigatoriedades, que agravaram os problemas financeiros e administrativos da empresa. E isso se deu num contexto de represamento oportunista dos preços dos combustíveis e de investimentos desastrados, como no caso das refinarias. O resultado foi o endividamento exponencial da Petrobrás e, aspecto menos lembrado, o atraso de cinco anos na exploração de reservas existentes.
Por fim, elaborei um projeto impondo limites ao endividamento da União, exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal que até hoje, passados 15 anos, não foi cumprida. Estados e municípios têm limites para suas dívidas consolidadas, mas o governo federal, não. Obtive apoio da maioria dos senadores para desarquivar um projeto de resolução (PRS) de 2007. Meu projeto será apresentado como substitutivo a esse PRS.
O objetivo é coibir abusos dos governantes de plantão, melhorar as condições de solvência do setor público, facilitar o equilíbrio de longo prazo das contas públicas e reduzir as despesas com juros. Os limites impostos envolverão a dívida líquida e a dívida bruta da União, como proporção de suas receitas líquidas.
Faço o rol desses projetos, entre outros que vou apresentar, para demonstrar que é, sim, possível estabelecer uma agenda virtuosa quando se sabe para onde se quer ir. Preocupa-me o clima de pessimismo, que vejo aqui e ali, como se o Brasil vivesse uma espécie de mal-estar da abastança, próprio de um país que tivesse resolvido todos os seus problemas e pudesse se entregar ao luxo do tédio. Não! Existe, sim, muito por fazer, desde que se tenha clareza de propósitos. Vale dizer: nós vamos ocupar-nos da crise, não a crise de nós. Não temos tempo de alimentar o tédio. Temos a urgência das mudanças, em muitas frentes de batalha. À luta!
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*José Serra é senador (PSDB-SP)
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