- O Globo
Quanto custa entregar a Companhia Docas para um político, em troca de votos em favor de uma medida de ajuste fiscal? Custa um desajuste no que é mais importante. Em que ponto estamos no Brasil? Naquele em que o toma lá dá cá nos levou à pior sequência de escândalos da nossa história. É preciso, ao fazer o ajuste, não perder a noção de todo o ambiente em que o país vive no momento.
Na administração de uma coalizão, é natural dividir o poder para que os partidos da base governem juntos. Isso é diferente do que tem acontecido no Brasil. Esse balcão de negócios reaberto de forma escancarada custa muito mais que a economia que se poderá fazer com a aprovação das medidas de ajuste fiscal. As pessoas sentem o estômago embrulhado ao ler essas notícias. E há razões para isso, quando diariamente são divulgados os desdobramentos das várias investigações de corrupção em andamento.
A negociação da Companhia Docas com o líder do PMDB Leonardo Picciani seria em troca do voto a favor do fim das desonerações da folha salarial. A propósito: no seu primeiro mandato, a presidente Dilma acumulou um volume espantoso de erros na política econômica, mas a desoneração da folha estava no caminho certo. Precisaria, como qualquer política, de aperfeiçoamentos, mas não o seu fim. Em momento de elevação do desemprego, o governo está reimplantando impostos que pesam mais sobre quem emprega mais. E o preço para aprovar isso é entregar nacos do poder a grupos que já mostraram do que são capazes quando ocupam as suas sesmarias na administração pública.
Na outra ponta, a equipe econômica está escolhendo os impostos que subirão. Mesmo que escolha impostos sobre os bancos, como a Contribuição Social sobre Lucro Líquido do setor financeiro, o peso recairá onde sempre recai: nas costas da pessoa física, para quem os bancos empurram todos os custos.
O mais importante, de novo, é ver todo o cenário. Este é um país em que a sociedade entrega 36% do PIB anualmente para o governo e não é suficiente porque ele termina com déficit. No ano passado, teve até desequilíbrio primário. Para completar o quadro, a economia está em recessão. Aumento de impostos no meio da recessão, para que a sociedade mande mais dinheiro para um governo perdulário, é pedir demais. É a pior forma de fazer o ajuste fiscal.
O governo só pode pedir mais sacrifícios da população depois de um choque de credibilidade. Não é cortando R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões que conseguirá isso. Um governo com quase 40 ministérios é a negação na prática de que está disposto a fazer esforço para se ajustar.
O ministro Joaquim Levy tem trabalho difícil a fazer para resgatar o país do buraco em que este governo o colocou no último mandato. Mas os caminhos que tem escolhido até agora não convenceram.
Um dos sinais disso é o fato de estar ameaçando com mais impostos porque foi aprovada uma medida que facilita a aposentadoria mais cedo. A única coisa a fazer diante do que aconteceu é a presidente e os ministros abrirem uma discussão sincera sobre a insensatez de, no meio de um processo auspicioso de ampliação da expectativa de vida, o Brasil estar criando possibilidades de se aposentar mais cedo e com ganhos maiores. Em nenhum país o debate sobre idade mínima para se aposentar é bem recebido. É impopular, mas é um debate incontornável.
O problema tem sido adiado, mas agora ficou impossível deixar esse assunto para depois. A solução jamais será aumentar mais um imposto para cobrir a previdência. A única forma correta de enfrentar o que foi aprovado na Câmara é tentar construir bases sustentáveis para o sistema previdenciário.
Há ajustes que desajustam, que podem até melhorar um número hoje, mas amanhã cobrarão a conta.
É essa escolha que está diante da equipe econômica. Não se pode reabrir o varejo político e mercadejar com os cargos que são estratégicos para aumento da eficiência no gasto público, em troca da aprovação de medidas que supostamente reduzirão o gasto público. O ajuste é necessário, mas não qualquer ajuste a qualquer preço. Não se entregam os dedos para salvar os anéis.
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