Para presidentes de grandes empresas, mais importante do que Temer ficar ou não no cargo é a continuidade da agenda econômica
Fernando Scheller. Luciana Dyniewicz, Mônica Scaramuzzo, Marcia de Chiara e Naiana Oscar | O Estado de S.Paulo
A delação dos irmãos Batista, da JBS, caiu feito uma bomba em Brasília e gerou uma crise política que deixou sob ameaça o mandato do presidente Michel Temer, poucos dias depois de ele completar um ano no cargo e justamente quando a economia começava a dar os primeiros sinais de recuperação. Para oito presidentes e fundadores de grandes empresas ouvidos pelo ‘Estado’, a prioridade número um agora deve ser a agenda econômica, com a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária.
A maior parte dos empresários parece estar menos preocupada com a manutenção ou não de Temer no cargo e espera que, na medida do possível, os objetivos econômicos caminhem separados dos projetos políticos de deputados e senadores. Fundador e presidente do conselho de administração da construtora MRV, Rubens Menin diz que “ficou triste” com as denúncias, mas considera que o presidente Temer “não cometeu um pecado mortal”.
A maior parte dos empresários defende o direcionamento que a economia teve ao longo do último ano. Tanto o presidente da Telefônica, Eduardo Navarro, quanto o do Grupo Pão de Açúcar, Ronaldo Iabrudi, dizem que é necessário ter pressa para recolocar a economia nos trilhos. O primeiro vê risco de “paralisia” na atividade, enquanto o segundo teme que os poucos avanços já conseguidos possam ser perdidos.
Os presidentes da Renner e do Grupo Boticário – José Galló e Artur Grynbaum, respectivamente – pedem que o Congresso aja rápido. “Fazer as reformas deveria estar na agenda de todos os deputados”, diz Grynbaum. “É a hora de termos calma, e não de ver os nossos políticos se batendo e empurrando”, pondera Galló. O presidente da Whirlpool na América Latina, João Carlos Brega, corrobora essa visão: “Temos de buscar mais Brasil, e menos Brasília.”
Embora a maior parte dos entrevistados diga que ainda não alterou planos de investimento para este ano, o presidente do conselho da construtora Cyrella, Elie Horn, afirma que o fôlego dos empresários não é eterno. Pelo contrário: as empresas precisam que a economia volte a girar mais rapidamente para garantir sua sobrevivência. “Os negócios estão parados e vão ficar mais um tempo assim, infelizmente. Um dia, a situação vai melhorar, mas as empresas precisam ter fôlego para aguentar”, frisou Horn.
O Fundador e sócio da Natura, Pedro Passos admitiu que a crise política deixou a visão dos empresários sobre os rumos da economia menos clara do que antes da divulgação da gravação da conversa de Temer com Joesley Batista, da JBS, em reunião fora da agenda, no Palácio do Jaburu. “É difícil fazer previsão de como será o desdobramento dessa crise, seja do ponto de vista da permanência do presidente, seja por julgamento do TSE. É muito difícil neste momento fazer uma previsão.”
Artur Grynbaum - Presidente do Grupo Boticário
‘O Brasil precisa de continuidade’
“Temos de apurar tudo o que está ocorrendo, quanto a isso não há dúvida. E já temos uma longa fila de coisas que devem ser apuradas e julgadas. Mas também acho que a economia e a política podem andar separadas – deveria ser assim, independentemente de quem estiver no poder. Isto dito, não podemos negar que o presidente Michel Temer trouxe uma agenda positiva para o País. E essa evolução, essa questão estrutural, com as reformas, tem de continuar a acontecer.
O Brasil já está com três anos de Produto Interno Bruto (PIB) negativo – e quando se olham os ciclos, nunca houve um momento histórico negativo tão longo para a economia. Então, existe uma força que, naturalmente, puxaria a economia para andar um pouco melhor. E é muito importante ajudar esse processo. Precisamos entender o que está acontecendo (com a economia) e deixar de misturar as coisas (economia e política). Antes da delação da JBS, havia um consenso no mercado de que a economia voltaria a andar mais rápido no segundo semestre e que poderia já crescer mais fortemente no fim de 2017.
Na minha opinião, o que se está chamando de reformas deve ser considerado, na verdade, atualizações necessárias e estruturais para o crescimento da economia. Por isso, acredito que é a hora de os políticos focarem seus esforços nesse sentido. Fazer as reformas deveria estar na agenda de todos os deputados. Além disso, sou a favor também da manutenção da equipe econômica, que está fazendo um bom trabalho. O Brasil precisa de continuidade.”
José Galló, presidente da Lojas Renner
‘Reformas combateriam a queda da confiança’
“Queria que um rastro de lucidez tomasse conta dos nossos políticos, que eles se lembrassem que são eleitos pelo povo. Precisamos de tranquilidade na tomada de decisões, e não de cenas dignas de moleques. É a hora de termos calma, e não de ver os nossos políticos se batendo e empurrando. Esse tipo de atitude serve a um grupo político, que acredita que ‘quanto pior, melhor’. Está na hora de pensar no País, de garantir a aprovação das reformas e dar estabilidade à economia. Encastelado em Brasília, esse pessoal se esquece dos 210 milhões de brasileiros e dos 14 milhões de desempregados.
A aprovação das reformas previdenciária e trabalhista seria uma definição, um contraponto à queda de confiança no País. Essa nova crise política veio no momento em que se falava de estabilidade e até de crescimento. A estabilidade econômica estava acontecendo, influenciada pela política. O governo vinha tomando decisões que ajudavam nesse sentido. Havia um direcionamento de controle dos gastos públicos. Espero que se mantenha esse caminho, construtivo, que pensa grande e no País.
Neste momento, há muitas variáveis fora do controle da empresa. Na segunda-feira passada, enviei comunicado aos trabalhadores da Renner dizendo que todos devem estar confusos. Meu recado foi: devemos focar os esforços nas variáveis sob nosso controle, deixar lojas impecáveis, fazer liberação do crédito de forma mais ágil e deixar nossa logística ainda mais eficiente. Essa é a forma de atacar a ansiedade. Não sentimos nenhuma alteração nas vendas. Isso vai levar um pouco mais de tempo, não será de imediato.”
Rubens Menin, Presidente do conselho de administração da MRV
‘Temer não cometeu um pecado mortal’
“Havia um otimismo moderado na economia, mas nós fomos surpreendidos por essa bomba no dia 17 de maio que está mudando a história do Brasil. Já há chance de cortarem a nota de crédito do País, ficou mais difícil passar as reformas, a Selic pode cair menos do que o previsto e essa é uma conta que vai chegar para toda a sociedade. Tem uma grande massa de brasileiros pagando pela lambança de uma minoria. Particularmente, fiquei muito triste com o episódio envolvendo o presidente Michel Temer. Acho que, de fato, ele estava com uma agenda positiva na economia e os resultados estavam acontecendo.
Agora, estamos vivendo um momento de muita aflição, porque ninguém sabe o que existe por trás de tudo isso que está sendo divulgado. E insegurança é tudo o que a gente não quer nesse momento. Há muita informação desencontrada e é difícil ter uma visão geral do que está acontecendo. Mas, com o que sabemos até aqui, cheguei à conclusão de que todo esse processo de delação está muito sujo. Temos um bandido assumido do lado da Friboi e um acordo de delação ridículo. Gostaria que houvesse uma pacificação do País e, por isso, defendo que Michel Temer continue. O presidente cometeu, sim, um pecado. O grande erro dele foi ter recebido o Joesley. Um líder político não pode receber uma pessoa física. Isso foi um ‘delitozinho’, não foi um pecado mortal. Sobre o restante das acusações, não há nada comprovado. Independentemente do que ocorrer daqui para frente, espero que tenham juízo e que a equipe econômica seja imexível. Todos têm de ficar, porque não temos tempo a perder.”
Pedro Passos, fundador e sócio da Natura
‘O País está dividido, mas não vejo retrocesso’
“É difícil fazer previsão de como será o desdobramento desta crise, seja do ponto de vista da permanência do presidente, seja por julgamento do TSE. A gente vinha numa tendência positiva e o desejo era de que essa agenda (de reformas), que já fez muitas transformações, continue a produzir os seus efeitos. Temos ainda umas âncoras que podem nos ajudar em certo sentido, como inflação cadente, disciplina e boa gestão das empresas estatais. Não acredito que a saída de Maria Silvia Bastos do BNDES piore ainda mais as incertezas. Obviamente, tudo depende de como vai se desdobrar esse processo.
Podemos ter certa paralisia com a falta de aprovação política. Empresas que estão para decidir investimentos podem postergá-los. Acredito que o mercado de crédito ou aberturas de capital de algumas empresas devem ser revistas. Mas acho que a paralisia de economia não ocorre de supetão. Podemos ter um adiamento de investimentos de mais fôlego, que precisam de mais estrutura de capital, que dependem de financiamentos mais longos. Isso, sim, deve ter postergação, se não houver definição do quadro. É difícil (o presidente Temer) ficar sem apoio político razoável.
O grande trunfo deste governo era ter uma margem de apoio e saber lidar com a base política. Não acho que se sustente um governo sem apoio popular e que ao mesmo tempo não tenha base política. Então, acho que a alternativa é um nome que consiga transitar no meio político e que também consiga convocar as forças econômicas. O País está dividido, mas não vejo um retrocesso. O País está maduro.”
João Carlos Brega, presidente da Whirlpool para a América Latina
'Temos de focar no Brasil, e não em Brasília’
“Neste momento, temos de buscar mais Brasil e menos Brasília. Senão, vamos ficar muito focados na árvore, e não vamos ver a floresta. O cenário político comanda o cenário econômico. Isso não dá para discutir. Mas precisamos focar mais no Brasil e menos em Brasília, no sentido de que o Judiciário é um poder independente e tem de fazer o que tem de fazer, o Legislativo é independente e tem de caminhar e o Executivo também. No médio e longo prazos, o Legislativo precisa atuar como Legislativo. Ele já tem a pauta do que a economia precisa: atualização – não é reforma – da legislação trabalhista, previdenciária e fiscal. O Legislativo tem de legislar. O seu principal objetivo é analisar, discutir e implementar as atualizações necessárias para a economia se mover. Não é possível que uma coisa de Judiciário pare o País. Há condições institucionais para que as reformas continuem sendo aprovadas. Afinal, continuo pagando imposto e trabalhando. Não podemos perder a perspectiva de que temos uma floresta, e não uma árvore. Não tenho poder para opinar sobre a saída ou a permanência do presidente Temer. Só torço para que a solução saia rápido, seja ela qual for. A crise não vai afetar os nossos planos para o Brasil, o segundo maior mercado para a empresa, que está aqui há mais de 60 anos com um projeto de longo prazo. A economia até a eleição será isso que está aí: um setor em recuperação, outro não. Mas nada sustentável. Parou de piorar, mas não vejo deslanche. Não via antes da crise e não vejo agora.”
Eduardo Navarro, presidente da Telefônica/Vivo
‘Não há sinalização da matriz para retroceder ’
“Vejo o atual momento com preocupação, porque corremos o risco de o País entrar em paralisia por conta da falta de confiança, que o Brasil vinha retomando. Havia boa vontade do mercado externo e víamos perspectiva positiva. Tenho medo de que a gente não avance mais dessa inércia positiva em que o País estava. A parte boa que percebo é a boa vontade de todos para encontrar um caminho para o País avançar, não retroceder. Há um consenso de que não é permitido ao País entrar de novo em paralisia.
No dia que essa crise estourou, estava em Nova York em um evento com outros empresários, falando com investidores. Na quarta-feira, o Brasil estava em lua de mel. No dia seguinte, era outro movimento, com muitos questionamentos e curiosidade de entender o que estava se passando. O negócio da Telefônica/Vivo é muito resiliente. Mesmo com o País em crise, fomos menos impactados pela crise. Os investimentos que temos projetado ao País são de longo prazo (R$ 8 bilhões por ano até 2019). Não há sinalização da matriz para alterar nossos projetos de expansão. Acredito que as famílias podem, em momento de crise, abrir mão de comer fora, mas vão querer ficar conectadas à internet. Evidentemente, pode ter mais pressão das tarifas. Acho que, independentemente de quem seja (o sucessor de Temer), o fundamental é que a agenda de reformas avance. Vamos tocar para a frente, seguir e torcer para que seja encontrado o caminho para que o País volte para a agenda positiva.”
Paulo Camargo, presidente do McDonald’s Brasil
‘O Congresso não pode deixar o País parar’
“Espero que a crise política não interrompa a recuperação da economia e adie a modernização das leis trabalhistas e da Previdência. A partir do momento em que ocorrer a aprovação das reformas, as coisas vão se restabelecer, independentemente do que vai acontecer no campo político da presidência da República. E, nesse ponto, a nossa posição é totalmente neutra. Isso é o que esperamos da responsabilidade das instituições. Se o Congresso Nacional fizer o que ele tem de fazer, as coisas vão melhorar, sim. O impacto das decisões do Congresso na economia ficou claro em dezembro do ano passado. Com a aprovação da PEC dos gastos públicos, o País começou a respirar diferente. No primeiro trimestre, diversos indicadores econômicos demonstraram isso. No nosso caso, registramos crescimento de dois dígitos. A receita do primeiro trimestre aumentou 27,5%, em relação a igual período de 2016, e o lucro cresceu 23%. A crise política não mudou nossos planos. Já vimos muitas coisas acontecerem no Brasil e sabemos do potencial do mercado. Não buscamos retornos de curto prazo e temos certeza de que essa questão da instabilidade política e, por consequência, alguma instabilidade na economia que isso possa gerar, vai passar. Se vai demorar alguns meses é indiferente para nós, pois temos planos para o longo prazo. Neste momento, é muito menos importante quem vai estar na cadeira de presidente. O essencial é que o Congresso assuma a responsabilidade e não deixe o País parar.”
Décio da Silva, presidente do Conselho de Administração da Weg
‘Aprovação de reformas diluiria incertezas’
“Independentemente das questões políticas, o Brasil não pode perder o momento de fazer as reformas que estão em fase final no Congresso Nacional – a trabalhista e a previdenciária, e além delas, a tributária. Isso é ponto zero para que o País volte a crescer. Eu não quero ver a possibilidade disso não acontecer. Espero que os congressistas enxerguem assim e deem continuidade a isso. É preciso bom senso, é preciso que os políticos se atenham à sua ideologia e pensem no Brasil. A aprovação das reformas diluiria as incertezas. Por isso, acredito que mexer na equipe econômica agora seria dar dez passos para trás.”
Ronaldo Iabrudi, presidente do Grupo Pão de Açúcar
‘Retomada já esboçada se retarda a cada dia’
“Tenho reforçado ao time do GPA a importância de mantermos o foco no negócio, reforçando a confiança do time de que as instituições vão apurar e resolver esta situação o mais rapidamente possível. Nesse contexto, seguir com as reformas é ponto fundamental e urgente para o País, pois, a cada dia que passa, se retarda a retomada que já vinha se esboçando. A retomada da confiança e dos investimentos só se dará com o trabalho de fundamentos, como redução da taxa de juros e controle da inflação, que levarão à redução do desemprego. Continuo acreditando que nosso processo constitucional é robusto e será seguido.”
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