- Folha de S. Paulo
As instituições, até a imprensa, absorveram Bolsonaro como corpo doente se acostuma a hospedar tumor, que um dia mata o hospedeiro
Não sou ombudsman, mas me permito usar este espaço para algumas reflexões. No sábado, o editorial desta Folha trouxe o título “Jair Rousseff”. O texto se refere ao desequilíbrio das contas públicas no governo da ex-presidente e à tentação do atual fazer o mesmo.
A fusão dos dois nomes é um ultraje à ex-presidente. O título chamativo não poderia ter prevalecido sobre o simples bom senso ou o respeito à história de Dilma Rousseff. Na aprovação do impeachment na Câmara, Bolsonaro votou em homenagem ao torturador Brilhante Ustra, algoz da ex-presidente quando de sua militância contra a ditadura. “O pavor de Dilma Rousseff”, tripudiou o então deputado.
Bolsonaro deveria ter saído preso da Câmara naquele dia por apologia à tortura, crime de lesa-humanidade. E, no entanto, aquele foi o ato inaugural de sua ascensão ao poder. Que fizeram as instituições? Câmara? Supremo? Ministério Público? Funcionaram “normalmente”.
Mas a assimilação de Bolsonaro como algo natural pelas instituições começou muito antes. No fim dos anos 1980, o Superior Tribunal Militar ignorou as provas de que o então capitão participara de um plano para explodir bombas em quarteis e o absolveu.
Foi a deixa para Bolsonaro iniciar carreira parlamentar tão longeva quanto medíocre, marcada por ofensas a mulheres, negros e homossexuais e pela defesa da tortura e da execução de uns “30 mil”.Sua atuação parlamentar foi tratada como rebotalho caricato e extemporâneo da ditadura. Conselho de Ética? Corregedoria? Ah, sim, as instituições funcionaram “normalmente”.
E assim chegamos ao ponto em que milhões de eleitores identificaram nele o comando e a síntese do autoritarismo brasileiro. As instituições, inclusive a imprensa, absorveram Bolsonaro como um corpo doente se acostuma a hospedar um tumor. Um dia, o tumor explode e mata o hospedeiro. A propósito: “Presidente Jair Bolsonaro, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”.
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