Folha de S. Paulo
Reforço à democracia e ao sistema político
são de longe as propostas mais importantes e urgentes
A campanha
eleitoral está aí. O clima anda quente, mas oco, ou pior. Apresento
aqui a título de exemplo uma lista de temas que deveriam ser discutidos pelos
candidatos que já estão em campo e, quem sabe, por uma candidatura alternativa
de peso que venha a se construir (gente, acordem!).
Vale a pena buscar inspiração em atributos
comuns aos países mais avançados, por definição os que tiveram mais sucesso.
Vejamos alguns: 1) o respeito ao Estado de Direito e à democracia; 2) um
sistema político resiliente, que aprenda com erros e oriente a ação do Estado;
3) instituições imparciais e eficientes; 4) uma economia razoavelmente
previsível e tranquila, capaz de lidar com os inevitáveis ciclos e crises do
capitalismo; 5) uma rede de proteção social robusta; 6) foco em reduzir as
desigualdades e viabilizar a mobilidade social e 7) foco na produtividade da
economia.
A Constituição vai nessa linha, mas na prática não tem sido exatamente assim. Começo pelo maior problema: nossa democracia tem sido constantemente atacada e questionada. Sinais claros são a fragilização dos mecanismos institucionais de controle, ameaças ao Judiciário, a autorização à posse de armas e munições sem identificação, a truculência com a imprensa, com o terceiro setor e com a ciência, a profusão de fake news, questionamentos infundados às urnas eleitorais e frequentes boatos e insinuações de golpe.
Não estranhem um economista abordar o tema.
A democracia é um princípio inegociável, pilar fundamental da nação. Afirmo com
convicção que o atual quadro de ataques às instituições inibe tremendamente o
investimento e o desenvolvimento do Brasil. Cabe a cada candidato repelir essa
situação de forma inequívoca, concreta e pública, para que a democracia não
seja destruída pelas beiradas.
Nosso sistema político está disfuncional,
pois espelha uma estrutura partidária altamente fragmentada e, na prática,
despida de princípios que pautem a busca do bem comum da nação. O troca-troca
recente de filiações partidárias e o funcionamento do processo orçamentário,
com suas emendas secretas, não deixam margem a dúvidas: não dá para ficar como
está. Faz falta a confiança de que o Brasil caminha na direção certa, ainda que
não em linha reta. Não é fácil imaginar que o sistema vá se autorreformar, mas
é disso que o país precisa, sob uma liderança amparada pelo voto da maioria.
O crime organizado e a falta de segurança
vêm se alastrando pelo país. Como
afirmou recentemente nesta Folha Oscar
Vilhena, sofrem sobretudo os mais pobres, mas atingem também os mais ricos,
que tendem a investir menos no futuro do país, quando não a emigrar. Muito a
fazer aqui.
Com a pandemia, os holofotes se voltaram
para o SUS, dando merecido destaque a seus importantes sucessos, mas deixando
claro que faltam recursos para que se possa cumprir com o preceito
constitucional da universalidade e da gratuidade. Uma meta relevante seria
elevar a cobertura da Estratégia de Saúde da Família de pouco acima de 60% em
direção a 100%, com prazos e metas definidos.
No campo da educação, cabe estabelecer
metas ambiciosas de qualidade (medida por critérios aceitos internacionalmente)
e cuidar do arrasador atraso decorrente da pandemia.
O bem-sucedido combate à pobreza
extrema através do Bolsa Família precisa ter seus recursos orçamentários
protegidos e ampliados, e seus mecanismos, aperfeiçoados, para se contrapor ao
impacto perverso das recessões, especialmente para os que atuam na
informalidade.
O combate à desigualdade de renda deve
ser objeto de ações tanto do lado da iníqua carga tributária quanto do gasto
público, valiosa alavanca da mobilidade social. Não há mais por que esperar
para reformar as regras do Imposto de Renda, tampouco adiar um profundo
repensar das prioridades do gasto público.
No que tange à produtividade da economia,
além dos esforços nas áreas da educação e da saúde, cabe aprovar uma reforma
(já mapeada) que substitua o atual caos da tributação indireta por um imposto
sobre o valor adicionado bem desenhado. Cabe aqui também uma reforma
administrativa, voltada para a produtividade do próprio Estado.
Me encanta a possível transformação do
Brasil de pária em potência ambiental. Um Brasil Verde contribuiria (e seria
pago por sua contribuição) para reduzir o aquecimento global e preservar a
biodiversidade do planeta. Adicionalmente, é crucial que as pessoas entendam
que os benefícios iriam ainda mais longe, pois o cuidado com o meio ambiente
(leia-se saneamento e poluição) melhoraria imensamente sua qualidade de vida e
autoestima. Essa visão se casa também com o necessário reposicionamento da
política externa, que precisa voltar a suas raízes.
Finalmente, cabe fortalecer o tripé
macroeconômico para reduzir de forma definitiva a inflação, as taxas de juros e
a incerteza no país. Já gastei muita tinta aqui com o tema. Vou poupá-los hoje.
Penso que o reforço à democracia e ao
sistema político são de longe as propostas mais importantes e urgentes.
Demandam, portanto, posições firmes de qualquer candidato que de fato pretenda
pôr o Brasil em uma trajetória de desenvolvimento.
Quanto às demais propostas, de onde vêm os
recursos? Mais endividamento não parece viável ou mesmo recomendável, já vimos
esse filme. Repito: existem espaços relevantes para um redirecionamento de
gastos públicos a partir de reformas em três grandes áreas: na folha de
pagamentos do Estado (como um todo), na Previdência (sim, ainda falta) e nos
subsídios do Imposto de Renda.
Bem sei que não se trata exatamente de uma
proposta de apelo político e popular. Infelizmente é da natureza do discurso
populista escamotear as relações de causa e efeito na economia. Nisso contam
inclusive com mercadores de milagres, que por sua vez contam com a péssima
memória da maioria.
Em geral, fala-se apenas do lado positivo
das propostas, que num passe de mágica se financiariam através do crescimento.
Notem que as reformas aqui preconizadas exigem recursos que excedem em muito o
necessário para recuperar a saúde do tripé. Esse é o real tamanho do desafio.
Com mais investimentos convencionais e sociais, o crescimento da economia seria
de fato bem mais alto e inclusivo. Mas, sem fontes, não há programa. Sem
programa, não há confiança e investimento. Sem investimento, não há
crescimento. Simples assim. Talvez o eleitorado entenda essa cadeia, não custa
tentar.
Vejo espaço para uma terceira candidatura, que se apresente ao debate com posições claras sobre propostas como as aqui resumidas. No mínimo enriqueceria o debate. Quem sabe até, com competência e sorte, não ganhe o mandato para arrumar o nosso país?
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