Correio Braziliense / Estado de Minas
No confronto com o STF,
Bolsonaro avalia contar com o apoio do Congresso, em razão de interesses
corporativos e fisiológicos de sua base de sustentação parlamentar, sobretudo
do Centrão
Estamos diante de uma crise institucional
instalada. Uma queda de braços entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo
Tribunal federal (STF), na qual os generais que o cercam pretendem fazer com
que as Forças Armadas voltem a ocupar o papel de “poder moderador” que
exerceram ao longo da história republicana e que havia ficado para trás com a
Constituição de 1988. Ocorre que a palavra final em matéria constitucional é do
Supremo, ponto. Quanto este “legisla”, a Corte o faz porque foi provocada, em
razão de o Executivo ter exorbitado ou o Legislativo ter se omitido na
regulamentação de dispositivos constitucionais, como é o caso dos limites da
“graça presidencial” (perdão) para o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ),
que já está sendo contestada pela Rede, PDT e Cidadania.
Como se sabe, o parlamentar foi condenado na quarta-feira a 8 anos e 9 meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal; Bolsonaro confrontou a Corte com a concessão da graça (perdão) a Silveira, em edição extraordinária do Diário Oficial, livrando-o da prisão, das multas e da cassação de mandato, cuja sentença fora aprovada por acachapante maioria de 10 a 1. O artigo 734 do Código de Processo Penal confere ao presidente da República o poder de conceder esse perdão, “espontaneamente”. Bolsonaro “resgatou” Silveira; o parlamentar se sentia abandonado e ameaçava falar o que sabe sobre as relações do clã Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro. Essa seria a razão de o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) ter afirmado à imprensa, ao assistir ao desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, que o pai “não deixaria nenhum soldado para trás”.
Bolsonaro espera ter dos comandantes
militares o apoio que lhes faltou em 7 de setembro passado, quando afrontou o
Supremo e foi obrigado a recuar, por falta de apoio político e militar. O apoio
que recebeu do Clube Militar, em nota duríssima contra o Supremo, na qual seus
dirigentes afirmam que as togas dos ministros da Corte “não serviriam como pano
de chão”, vai nessa linha. Existe um mal-estar generalizado na cúpula militar
por causa da anulação da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
e outros envolvidos na Operação Lava-Jato. O silêncio de Lula sobre o assunto,
que vem sendo criticado pelos demais presidenciáveis, tem uma razão de ser: não
se fala de corda em casa de enforcado. O favoritismo do petista nas eleições
alimenta o golpismo bolsonarista.
Neste confronto com o Supremo, Bolsonaro
avalia contar com o apoio do Congresso, em razão de interesses corporativos e
fisiológicos da base de sustentação parlamentar, sobretudo do Centrão. O
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), busca o apoio dos bolsonaristas para
ser reconduzido ao cargo em 2023; também não pretende dar transparência ao
chamado Orçamento Secreto, as emendas parlamentares ao Orçamento de autoria do
relator, que ocultam seus verdadeiros autores e já estão começando virar casos
de polícia. Lira requereu que o Supremo conclua o julgamento do caso do
ex-deputado Paulo Feijó, sobre a cassação automática de direitos políticos por
sentença transitado em julgado, em casos de prisão de parlamentar acima de 120
dias. O Congresso não renuncia à palavra final em casos de cassação de mandato,
ainda que tenha que mudar a legislação. Se insistir nisso, o Supremo ficará
isolado.
Decisão salomônica
Bombeiros estão em ação para evitar que a
escala de confrontação possa resultar numa ruptura institucional. O
ex-presidente Michel Temer sugeriu que Bolsonaro aguardasse o trânsito em
julgado do processo de Silveira, que ainda não ocorreu, para tomar a decisão
sobre o perdão. Recebeu como resposta um lacônico “não”. Entretanto, o
ex-presidente atua também em outras esferas, inclusive nos bastidores do
Supremo, para baixar a temperatura da crise. Como se sabe, Temer e o ministro
Alexandre de Moraes, relator do caso de Silveira, são muito amigos e grandes
constitucionalistas.
A escolha da ministra Rosa Weber como
relatora dos pedidos de anulação do perdão de Silveira, apresentados pelos
partidos de oposição, em contrapartida, “desfulaniza” o confronto do presidente
da República com o Supremo. A ministra é discreta, firme e muito equilibrada,
não frequenta rodas do mundo jurídico e político. Será a próxima presidente do
Supremo, ou seja, terá que liderar a Corte se o circo pegar fogo durante as
eleições. Prudência e caldo de galinha não farão mal aos ministros da Supremo.
Os tempos da política são distintos no Executivo,
no Congresso e no Judiciário. Rápido no gatilho, consta que o presidente
Bolsonaro pretende escalar ainda mais a crise, concedendo perdão ao ex-deputado
Roberto Jefferson e ao blogueiro Allan dos Santos, ambos desafetos de Alexandre
de Moraes e contumazes nos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). Seria um
drible a mais, ainda que uma decisão dentro de suas prerrogativas, se limitada
às condenações criminais. O alcance do perdão é o busílis para uma decisão
salomônica do Supremo, que pode mitigar o decreto de Bolsonaro, mantendo as
multas aplicadas a Silveira e submetendo a cassação à aprovação final da
Câmara. Mas é a tal história: bunda de neném e cabeça de juiz são
imprevisíveis, segundo o dito popular.
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