Folha de S. Paulo
Desafios a serem enfrentados é o que não falta
Ao difamar
o processo eleitoral brasileiro para uma audiência composta de embaixadores
estrangeiros, num claro ato de deslealdade institucional, Bolsonaro desencadeou
a formação de um inesperado e amplo arco de forças na defesa do Estado
democrático de Direito.
Desta vez não foram apenas os setores
tradicionalmente sensíveis e vigilantes aos sucessivos ataques aos direitos
fundamentais e à democracia,
como a imprensa, as organizações da sociedade civil, juristas, artistas e
intelectuais que se levantaram.
A gravidade das investidas contra as urnas eletrônicas, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral despertou também entidades como a Fiesp, a Febraban, a Fecomercio, e mesmo entidades do Agro, como a Abiove, para a necessidade de assumirem uma postura mais clara sobre a defesa da democracia.
A presente conjuntura também abriu a
oportunidade para um diálogo entre essas entidades empresariais, as centrais
sindicais —que representam mais de 60 milhões de trabalhadores— como a CUT e a
CGT, além das principais organizações da sociedade civil, na construção de um
cinturão cívico voltado à proteção das instituições democráticas.
No plano internacional, o compromisso
democrático assumido pelos ministros da Defesa do hemisfério soma-se à
contundente manifestação de confiança no processo eleitoral, expressa pelo
Departamento de Estado norte-americano, reduzindo o espaço de manobra de grupos
radicais —e desleais à Constituição— no seio das classes armadas.
A estabilidade de um regime democrático,
como se sabe, depende de múltiplos fatores, como a qualidade das instituições,
o desenvolvimento econômico e o bem-estar da população. Também importam a
conjuntura regional e a internacional. Há, no entanto, um elemento
indispensável à sobrevivência das democracias, que é adesão dos principais
atores políticos e institucionais, bem como dos setores mais relevantes da
sociedade e da economia, às regras do jogo democrático, especialmente às regras
que regulam o processo de alternância no poder.
A impressionante movimentação em torno da
nova "Carta
às Brasileiras e Brasileiros", já assinada por mais de 500 mil
pessoas, assim como do "Manifesto
em Defesa da Democracia e da Justiça", endossado pelas mais
representativas entidades empresariais, sindicais e da sociedade civil
brasileiras, aponta para uma auspiciosa recomposição do tecido democrático
brasileiro, fortemente esgarçado pelo processo de polarização em que imergimos
a partir de 2013, e que se aprofundou com a ascensão ao centro do poder de um
ator hostil à democracia.
Ao reiterar o "compromisso inarredável
com a soberania do povo brasileiro, expressa pelo voto e exercida em
conformidade com a Constituição",
as entidades que assinam o "Manifesto em Defesa da Democracia e da
Justiça" deixam claro que o respeito ao Estado de Direito e o
desenvolvimento são requisitos essenciais ao enfrentamento dos principais
desafios colocados frente à sociedade brasileira. A construção de uma sociedade
mais próspera e justa passa necessariamente pelo respeito incondicional aos
"princípios republicanos expressos pela Constituição". Não há
atalhos.
Se o primeiro objetivo na criação dessas
frentes amplas, plurais e diversas é defender o Estado democrático de Direito
da sanha autoritária de aventureiros e golpistas, talvez elas também possam
representar um embrião na retomada do diálogo democrático e construtivo no
Brasil. Desafios a serem enfrentados é o que não falta.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
2 comentários:
Existe uma Comissão de Ética Pública... O que esta Comissão faz enquanto Bolsonaro difama o processo eleitoral brasileiro, ataca membros do STF e do TSE, ataca jornalistas e mulheres de governantes estrangeiros? Bolsonaro não está acima das leis, é apenas um péssimo funcionário público que não se submete às normas que regem as atividades de TODOS os demais servidores públicos do país. Com a conivência e a proteção do PGR e do presidente da Câmara!
Saudade do tempo que o debate ficava entre ser mortadela ou coxinha.
Postar um comentário