Decerto que o desenlace da tragédia política que nos acometeu ainda ronda o terreno da imprevisibilidade, e poderosas resistências já se antepõem aos anseios democráticos que animam cada vez mais vastos setores da vida social, especialmente entre os jovens, as mulheres e os que procedem do mundo do trabalho, particularmente estes atingidos diretamente em seus direitos e no rebaixamento de suas condições de vida. O patriarcalismo com que nascemos como sociedade está ferido de morte, e de nada importam os esforços do atual governo em lhe assegurar continuidade, uma das peças do arsenal autoritário desde sempre.
Falta, de fato, um percurso, se curto ou
longo não dá para antecipar, para que se estabeleça a plenitude da ordem
democrática, mas são favas contadas que o surto fascizante que nos veio das
ações e projetos do governo já foi debelado pela ação da opinião pública e pela
vigorosa resistência das instituições, em particular das nossas altas cortes de
justiça, que asseguraram a preservação do calendário eleitoral.
Afastadas do horizonte imediato da política
as maquinações golpistas que visavam constituir um poder sem freios a Bolsonaro
como chefe da nação, orientam-se, em um movimento defensivo, no sentido de uma
composição com a direita tradicional a fim de buscar pela via eleitoral uma
alternativa de sobrevivência. Nesse sentido, passa a contar com as forças
agrupadas no Centrão, tradicionais bastiões dos privilégios originários da
nossa formação de uma sociedade criada a partir das grandes explorações
escravistas.
Tal deslocamento do plano conspirativo,
sede principal dos seus esforços nos seus primeiros anos, para o terreno
eleitoral, importou uma brusca alteração de rumos em terreno ignorado, como
patente na cornucópia que instalou, nas vésperas das eleições, com a finalidade
de colher os votos da população de baixa renda. Nesse terreno, as hostes
bolsonaristas contarão como estrategistas os políticos tradicionais
especializados no controle das populações retardatárias do nosso hinterland e
de militares, jejunos em competições eleitorais de massa. Verdade, que no
coldre ao alcance das mãos, como no último 7 de setembro, cogitam guardar sua
bala de prata para eventual uso quando todos os caminhos estiverem fechados à
sua reprodução, mas essa seria uma estratégia de altíssimo risco, inclusive em
razão da atual conjuntura internacional, sobretudo em nosso continente.
Esse deslocamento, por si só, significou
uma vitória do campo democrático vindo a instalar a política e suas
instituições como lugar de resolução de conflitos políticos, rebaixando as possibilidades
dos caminhos sediciosos com que o bolsonarismo ainda flerta. Passo a passo, a
coalizão democrática amplia seu campo de influência, como agora com a inclusão
de Marina Silva, com seu histórico de lutas em favor da democracia, e já se
anuncia a auspiciosa adesão à candidatura Lula-Alkmin de personalidades e
políticos da esquerda do PDT de Brizola que pode vir a garantir a vitória em
primeiro turno, selando com pá de cal o destino da eleição.
Faltam poucos dias, a vitória está ao
alcance das mãos, e com ela vão se descerrar as vias em direção à conclusão do
processo de democratização da sociedade que deixamos a meio caminho nos idos
dos anos 1980, desbastando até suas raízes mais fundas o legado do que ainda
resta da má conformação da nossa sociedade filha de um patrimonialismo que se
assentou sobre uma base latifundiária e escravista.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC - Rio
5 comentários:
Tudo conversa fiada pra pedir voto pro Luladrão
Fixar a narrativa no fascismo imaginário do Bolsonaro que defende e luta pelas liberdades democráticas que hoje são surrupiadas pelos ministros togados do STF que se comportam como tutores da nação, verdadeiros ditadores
Nenhuma palavra em relação a isso você mencionou
Vocês jornalistas de esquerda da grande mídia são todos cínicos e demagogos ,
No dia 3 de outubro a gente se fala novamente
São tempos sombrios estes que vivemos no Brasil.O país não aguenta mais tanto desgoverno de alguém que, fabricado no Baixo Clero do Congresso Nacional, contracena com o fascismo.
Este pesadelo de quase 4 anos está terminando. O anônimo bolsonarista acima faz parte dele, cúmplice do genocida em todas as maldades e nos crimes praticados!
Tomara que tudo corra bem.
Um artigo lúcido e competente. Viva Werneck um dos mais competentes sociologos brasileiros. Viva a democracia.
Postar um comentário