segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Demétrio Magnoli - Três cenários de paz na Ucrânia

O Globo

Kremlin renunciou temporariamente às metas originais da guerra

A palavra “paz” ressurgiu após a reconquista ucraniana de Kherson, uma derrota estratégica da Rússia. A Ucrânia está “pronta para a paz; paz para todo o nosso país”, declarou Volodymyr Zelensky. Vladimir Putin “disse repetidamente que estamos prontos para negociações — mas elas, naturalmente devem levar em conta a situação militar”, replicou um porta-voz do Ministério do Exterior russo. Paz significa coisas diferentes para Ucrânia e Rússia.

Diante dos fracassos militares, o Kremlin renunciou temporariamente às metas originais da guerra. No lugar de uma Ucrânia inscrita no “mundo russo”, Putin almeja uma longa trégua baseada na “situação militar” atual. As hostilidades seriam suspensas com a continuidade da ocupação russa de Luhansk e parte de Donetsk, além da faixa de terras meridionais que formam uma “ponte terrestre” entre Rússia e Crimeia.

A condição para a paz putinista é a quebra do apoio ocidental à Ucrânia. Moscou aposta na divisão europeia, especialmente após a chegada ao poder da coalizão de direita italiana. O “general inverno” — a explosão de preços do gás — faria o serviço, provocando turbulência social e cindindo as nações europeias.

O cenário putinista de paz ofereceria ao regime a oportunidade de proclamar uma vitória parcial para uma sociedade russa inquieta, em que esvanece o apoio à guerra. “Paz”, aqui, é termo enganoso. A trégua prolongada propiciaria uma recuperação da capacidade militar russa e a preparação de uma nova ofensiva.

Zelensky não falava em “paz” desde o início da contraofensiva ucraniana, em abril. “Paz para todo o nosso país” traz a condição da Ucrânia: a devolução da totalidade dos territórios ocupados, inclusive na primeira invasão, de 2014.

O cenário ucraniano de paz equivaleria a uma vitória completa, mesmo se a Rússia conservasse a Crimeia. Só se realizaria por um colapso militar russo e, necessariamente, estaria associado à queda de Putin e ao desmoronamento final da “Grande Rússia”. Da paz sem anexações nasceria uma nova ordem política, tanto na Rússia quanto na Europa. De certo modo, engendraria um retorno ao ciclo de 1989-1991, marcado pelas revoluções democráticas na Europa do Leste, pelo fim da Guerra Fria e pela implosão da URSS.

Os dois cenários anteriores são improváveis. A vitória parcial russa derivaria de uma “facada nas costas” de seus aliados ocidentais: a flexibilização das sanções à Rússia e uma redução brusca da ajuda militar à Ucrânia, como quer uma facção da direita europeia (e como sugeriram tanto Bolsonaro quanto Lula). Na ponta oposta, uma vitória total ucraniana dependeria do fornecimento ocidental de sistemas bélicos mais avançados, algo que o governo Biden rechaça por temer uma escalada nuclear russa.

Guerras, quase sempre, concluem-se por negociações baseadas em concessões amargas. A paz mais provável na guerra em curso situa-se em algum ponto intermediário entre uma vitória parcial russa e uma vitória total ucraniana. Um cenário realista envolveria o retorno ao statu quo ante, ou seja, o recuo das forças russas às posições ocupadas em 23 de fevereiro, com o estabelecimento de um formato de negociações sobre o estatuto final da Crimeia e dos enclaves separatistas no Donbass.

Nessa hipótese, investigada em conversas diplomáticas reservadas, a Ucrânia não teria de volta todo seu território original, mas conservaria suas saídas aos mares Negro e de Azov. O futuro do país seria assegurado por um fundo internacional de reconstrução, que abriria caminho à sonhada entrada na União Europeia, assim como por férreos compromissos de segurança assumidos pelos parceiros ocidentais. Na Guerra Fria, a Alemanha Ocidental prosperou sem a Alemanha Oriental, e a Finlândia tornou-se um país rico sem a Carélia. A Ucrânia pode seguir um rumo similar.

A vitória, mesmo parcial, significaria um golpe dramático no neonacionalismo russo. Depois de arrastar sua nação a uma aventura militar tresloucada, o regime de Putin ingressaria em crise existencial. A Rússia teria que se acostumar à condição de país normal, afastando a ideia de restauração imperial.

 

4 comentários:

Mais um amador disse...

Perfeito !

Anônimo disse...

O mais pretensioso colunista fazendo mais um dos seus tradicionais amadorismos... Escreveu pouca besteira desta vez!

ADEMAR AMANCIO disse...

Demétrio e sua geopolítica.

Anônimo disse...

Às vezes erra, às vezes acerta... Como todo mundo!