Folha de S. Paulo
Cometer crime em nome do combate ao crime é
coisa de milícia
Deltan
Dallagnol foi cassado; Sergio Moro está
na fila do destino; são fortes os indícios de que Tony
Garcia, duas vezes delator na "República do Russo", era,
a um só tempo, sua vítima e seu infiltrado; vão se adensando as evidências
de que o nosso "Período do Terror" esconde mais sortilégios do que
supunham até os seus críticos mais duros, a exemplo deste escriba. Abundam
elementos a indicar que se montou uma organização criminosa sob o pretexto de
combater o crime. Isso tem nome, não é?, quando envolve pessoas sem toga e
colarinho: "milícia". Também esta, cabe notar, se estrutura para
eleger os seus. Havendo um desastre
na ecologia política, pode chegar à Presidência da República.
O chororô das viúvas Porcinas de Moro Santeiro e dos santarrões de pau oco que andam a zanzar no colunismo, denunciando o suposto fim do combate à corrupção, poderia até comover, não fosse o mal que essa gente ajudou a perpetrar contra o devido processo legal como manifestação concreta; contra o Estado de Direito como valor abstrato; contra a democracia como pacto civilizatório; contra a economia como geração de riqueza e emprego e, sim!, contra a política como a melhor das piores formas de se equacionarem as diferenças na vida pública.
O país, o direito e os analistas não se
dividem entre "lava-jatistas" e "antilava-jatistas". A
suposição é uma estupidez porque, nessa perspectiva, os segundos seriam uma
função, em sentido matemático propriamente, dos primeiros. Pervertidos
jurídicos, morais e éticos que deram suporte intelectual à Lava
Jato nas mais variadas áreas buscam, por exemplo, associar as
lambanças sempre em curso do centrão ao desmonte da operação, o que implicaria
um sinal verde à corrupção.
Farsa. Falácia. Tentativa de fazer por
malandragem o que faz o gato por instinto. Na pena porca e interessada desses
valentes (sem vênias aqui), a força-tarefa era essencialmente boa, mas acabou
se desviando no meio do caminho sabe-se lá por quê. E, claro!, aqueles que a
combateram desde sempre o teriam feito por maus motivos, enquanto eles, os
monopolistas do bem, a apoiavam por nobreza de caráter.
É mesmo? Desmonto a bobagem: isso a que
chamamos "centrão" está no governo desde a Constituinte, quando se
estruturou. Mas só chegou, de fato, ao poder e passou a dar as cartas,
inclusive no Executivo, na gestão de Jair
Bolsonaro, que os aduladores do ilegalismo ajudaram a eleger. Notem os
distraídos que faço distinção entre ser governo e ser poder; entre hegemonizar
o processo e ser seu caudatário ou beneficiário menor.
Dez anos depois do outono dos porras-loucas
e do posterior e inevitável inverno, constata-se o óbvio: paga-se sempre um
preço muito alto pelo ataque às instituições. A adesão incondicional de parte
considerável da imprensa aos "black blocs" do MPF, sob o comando de
um juiz de condenação, alimentou o processo de "demonização da
política" como relação de trocas também virtuosas. Recorro às aspas para
dar relevo à expressão porque as tais viúvas — e algumas lucraram bastante com
o santeiro — deram agora para... demonizá-la! Seria só mais um modo de proteger
corruptos.
A pior das corrupções, e para esta não há
cadeia, é mesmo a do caráter. O antilava-jatismo não é uma de duas facções numa
briga de bandidos. Trata-se de um imperativo da decência diante do lava-jatismo
como contrafação comprovada da Justiça. Seguir as regras do jogo, no regime
democrático, ou lutar para mudá-las também segundo a disciplina que se tem, é
uma virtude. Os crimes que se cometeram em nome do combate ao crime mal
começaram a sair dos porões. E as Porcinas? Ainda têm a saída à moda Raul Gil:
"O estado de direito perguntou, e você não acertou; pegue o seu banquinho
e saia de mansinho".
PS: Para não dizer que não falei etc. Na
coluna passada, referi-me ao pauteiro mais influente do jornalismo econômico: o
"se" como índice de indeterminação do sujeito. Anda errando muito. Aí
a economia e a receita crescem mais do que "se" avaliava; a Bolsa
sobe mais do que "se" esperava; o dólar e a inflação caem mais do que
"se" apostava. Tiremos o "se" do armário! Parafraseando
Clarice, precisamos nos apropriar do "se" da coisa.
Um comentário:
Grande Reinaldo!
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