Folha de S. Paulo
Há contraste entre um país abençoado por
verbas e outro na incerteza dos recursos extraordinários
As águas do Guaíba submergiram vastas áreas
da Grande Porto Alegre. Mas as enchentes trouxeram à tona o contraste entre
dois países: um abençoado por verbas carimbadas; outro suspenso na incerteza
dos recursos extraordinários.
No ápice da tragédia, com águas ainda superando a cota dos 5 metros, o Congresso e o governo concordaram em desviar as emendas de parlamentares do RS para as urgências da catástrofe. Generoso, à luz dos holofotes, o país carimbado estendia uma mão ao país mendicante. Lá, na trincheira, voluntários empregavam barcos, jet skis e até pranchas de surfe no resgate das vítimas.
O país carimbado navega em lagoas de
dinheiro. O valor total previsto para emendas parlamentares atinge, em 2024,
quase R$ 50 bilhões, enquanto o fundo eleitoral consumirá R$ 4,9 bilhões.
Ninguém sabe ao certo o custo da reconstrução das infraestruturas destruídas
pelas enchentes no RS, mas as estimativas iniciais giram em torno de R$ 10
bilhões. O governo percorre um labirinto jurídico para excluir o
"orçamento da tragédia" dos limites desenhados no arcabouço fiscal.
A captura do Orçamento da União pelo país
carimbado, expressa nas despesas obrigatórias, já cruzou a fronteira dos 90%.
Na mão oposta, entre 2013 e 2023, os gastos federais com prevenção de desastres
reduziram-se, em valores desinflacionados, de R$ 6,8 bilhões para menos de R$
1,5 bilhão. Regra geral, estados e municípios seguem a mesma rota. "Alguém
viu a Defesa Civil?", indagavam desesperados os voluntários na Cidade
Baixa e Menino Deus.
Marina Silva, ilhada no Meio Ambiente,
rabisca planos numa folha de papel. São projetos esperançosos de adaptação às
mudanças climáticas de nossas cidades, redes viárias e estruturas produtivas. A
hegemonia do país carimbado, somada à trajetória ascendente da dívida pública,
colore cada um deles nos tons cinzentos do devaneio. Como reinventar padrões de
urbanização, circulação e produção quando todo o dinheiro destina-se a custear
a administração do passado?
Ilhada no ministério do Planejamento, Simone
Tebet ensaia uma reconquista parcial da casamata orçamentária capturada. Numa
entrevista ao Valor Econômico, a ministra anunciou planos para desvincular
alguns benefícios previdenciários da correção do salário mínimo. "Teremos
que cortar o gasto público pela convicção ou pela dor", alertou, numa
referência velada à farra fiscal devastadora que inundou os mandatos de Dilma
Rousseff.
É um programa mínimo de salvação de um
arcabouço fiscal em vias de desabar. Tebet enfatizou que cogita corrigir os
benefícios previdenciários pelo IPCA mais 1%, garantindo-lhes ganhos reais.
Ninguém falou nas verbas carimbadas da Educação, que crescem acima da inflação
sem produzir qualidade ou resultados, nas sacrossantas emendas parlamentares ou
nas rendas nababescas dos fidalgos do alto funcionalismo.
Mesmo assim, nada feito. O país carimbado
armou seus canhões, deflagrando um bombardeio preventivo que gerou um efeito
pretendido: Haddad abandonou Tebet na chuva.
"Sou totalmente contra essa proposta
absurda" (Luiz Marinho, Trabalho). "Isso é tirar renda da parte mais
pobre da população" (Carlos Lupi, Previdência, que não entendeu a parte do
1%). "Podem cortar despesas de juros. Por que cortar em cima dos mais
pobres?" (Gleisi Hoffmann, PT, clamando por um desastroso calote na dívida
pública e anunciando que o partido reivindicará "tirar a educação de
qualquer limite fiscal").
Os três artilheiros do país carimbado confiam
no amparo presidencial. Tudo indica que têm razão: na hora da entrevista de
Tebet, Lula insurgiu-se novamente contra a meta de déficit zero de seu próprio
governo difundindo a fake news de que "essa é uma discussão que nenhum
país do mundo faz". Quando as águas baixarem, a vida volta ao normal: o
país carimbado situa-se acima da cota dos 5 metros.
4 comentários:
O que,sô! Cadê o Daniel?
Perfeito.
MAM
Demétrio e suas demetrices,rs.
Colunista incompetente, MENTIROSO e mal intencionado!
10 bilhões de reais não dão nem pro começo da reconstrução de tudo que foi destruído em mais de 300 cidades do RS!
A Defesa Civil do RS esteve presente em todas as cidades atingidas e já fez muito, ela está estruturada em todos os municípios e trabalhando arduamente, mas obviamente não faz milagres e não consegue imediatamente estar em todos os lugares atingidos. É inaceitável a crítica MALDOSA deste canalha!
O arrogante colunista escreveu SOBRE O QUE NÃO SABE! NOVAMENTE! Como tão frequentemente faz. Nada entende de biologia, energia, economia, mas escreve se achando um especialista no assunto, e enganando os leitores sem senso crítico!
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