quinta-feira, 9 de maio de 2024

Malu Gaspar - A Catástrofe e o despreparo

O Globo

Já faz um tempo que virou moda usar a emergência climática para fazer marketing. Empresas gastam fortunas com relatórios e consultorias que atestem sua responsabilidade ambiental e social, colocando o aposto “verde” em seus produtos sempre que podem — e também quando não podem.

Declarar engajamento na preservação do meio ambiente é obrigatório para quase todos os políticos, inclusive os que trabalham pela destruição. As conferências mundiais sobre o tema se tornaram grandes eventos midiáticos para os quais se enviam caravanas.

Só o Brasil mandou no ano passado a Dubai, para a Conferência do Clima da ONU, 69 deputados, 16 senadores e 12 governadores, que participaram de seminários e painéis de alto nível sobre como salvar a Terra do aquecimento. Tudo fotografado, documentado e disseminado nas redes sociais, como atestado de virtude.

Não que esse tipo de reunião não seja importante. Encontrar soluções para tentar conter os danos das tragédias climáticas e ambientais é urgente e só acontecerá com a troca de experiências e a adoção de uma nova concertação global.

A cada desastre, porém, esse teatro fica ainda mais desmoralizado. Países assinam compromissos com metas sabendo que dificilmente as cumprirão. Candidatos a presidente prometem iniciativas para conter a mudança que muito provavelmente não implementarão. E a primeira verba que governadores e prefeitos sacrificam quando precisam fazer cortes é a de prevenção a desastres ambientais.

Por isso faz todo o sentido chamar os políticos à responsabilidade diante de uma catástrofe como a do Rio Grande do Sul. Só não faz sentido acreditar que a cobrança e os ataques sejam suficientes para fazê-los mudar de atitude.

Já aconteceu depois dos temporais que varreram a Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011, deixando 918 mortos. Dois anos depois, quando as chuvas mataram mais de 40 pessoas em Minas Gerais e no Espírito Santo. Em 2015 e 2019, após o estouro das barragens de Mariana (MG) e Brumadinho (MG), que deixou ao todo 289 vítimas fatais.

Ou em fevereiro de 2023, quando as chuvas devastaram São Sebastião, no Litoral Norte paulista, vitimando 65 pessoas. E assim chegamos ao Rio Grande do Sul, onde já pereceram mais de cem pessoas e onde vem se revelando o mesmo enredo de relaxamento de leis ambientais e fiscalização, falhas de manutenção e falta de investimento na prevenção.20 fotos

Há outra razão por que a pressão sobre as autoridades, por maior que seja, corre sério risco de ser inócua: o flagrante despreparo para catástrofes de magnitude cada vez maior.

Se a prevenção já não funciona quando se conhecem as soluções — como planos de contenção de encostas, esquemas de alerta e remoção da população de áreas de risco —, pior fica quando se está diante de fenômenos de escala inédita e efeitos inesperados.

Esse é um dos fatores que parecem agravar a situação no Sul e que tem sido cada vez mais preponderante nas tragédias registradas ao redor do mundo.

Desde que as águas tomaram Porto Alegre, ficou claro que o esquema de contenção de enchentes montado em torno da cidade estava obsoleto, tinha falhas de manutenção, e isso exacerbou os efeitos da calamidade. Mas, se operasse de forma impecável, teria resistido a enchente tão avassaladora?

Parte das 23 bombas instaladas para lançar a água da chuva para fora do perímetro da cidade não funcionou porque estava sobrecarregada. Se elas fossem maiores ou mais potentes, adiantaria bombear água de volta ao aguaceiro?

Em 2022, quando as chuvas inundaram dois terços do território do Paquistão e mataram mais de 1,7 mil pessoas, o sistema de drenagem não fez muita diferença porque não havia para onde drenar a água, tamanha a escala da inundação.

O fato de não existirem instrumentos para impedir catástrofes de dimensão tão gigantesca introduziu um complicador a mais numa crise que já era grave. As chuvas do Rio Grande do Sul sucederam uma estiagem severa e mais de dez ciclones extratropicais apenas em 2023.

Certamente haverá muito debate sobre o caso do Sul nos próximos anos, assim como uma necessária revisão dos planos de prevenção, de resgate e de acolhimento às vítimas.

O que mais preocupa, porém, é constatar que o tamanho das calamidades tem crescido na mesma medida do oba-oba em torno da questão climática, sem que haja solução viável para os desafios que a nova realidade nos impõe. O que evidentemente não isenta os governantes de responsabilidade. Pelo contrário, só expõe a dimensão do nosso despreparo.

3 comentários:

Mais um amador disse...

Perfeito.

" Principal órgão do governo Lula para clima teve apenas uma reunião "

( UOL )

🤔

Daniel disse...

Excelente!

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom o artigo.