O país acompanha pela TV, ao vivo e em cores, o julgamento do mensalão e é
testemunha de que tudo se passa na mais perfeita ordem democrática do estado de
direito. A pretexto de evitar a politização do julgamento, petistas ilustres, a
começar pelo ex-presidente Lula, exerceram durante meses pressão nunca vista
sobre o Supremo Tribunal Federal para que ele não se realizasse durante as
eleições municipais.
A preocupação era tamanha que Lula chegou a ameaçar o ministro Gilmar Mendes
de denunciar, na CPI do Cachoeira, uma suposta relação do ministro com o
bicheiro, o que foi prontamente repelido. Tornado público o episódio, ficou
claro que não havia o que denunciar, e o tiro saiu pela culatra. Inevitável o
julgamento, Lula passou a procurar outros ministros em busca de apoio à sua
tese de que tudo não passou de uma farsa. A Dias Toffoli foi dito, em público
pelo atual prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, e em particular pelo próprio
Lula, que ele não tinha o direito de se declarar impedido, mesmo tendo trabalhado
sob as ordens do ex-ministro José Dirceu e assinado documento, na posição de
delegado do PT, afirmando que o mensalão ainda estava para ser provado.
O ministro Ricardo Lewandowski recebeu Lula em casa, em São Bernardo do
Campo, antes do julgamento. Essas pressões petistas foram as reveladas, uma
pressão que, ao contrário, eles atribuem à "mídia conservadora" que
estaria atuando para condenar "o governo popular". Mas os mínimos
detalhes foram observados para que não se dissesse que o julgamento tinha qualquer
laivo de tendenciosidade. O presidente do STF, Ayres Britto, abria sempre as
sessões anunciando a Ação Penal 407, e encabeçava a lista dos réus com José
Dirceu de Oliveira e Silva. A partir de um certo momento, deixou de citar o
nome de Dirceu, dizendo genericamente que os réus eram conhecidos.
Também a palavra "mensalão" desapareceu da boca dos ministros,
pois advogados de defesa alegaram que o nome era depreciativo e já embutia
decisão sobre o caso. Mas o revisor Lewandowski, sempre que pode, refere-se ao
caso mineiro, lembrando que ele é a origem de tudo. É certo que ele não cita o
PSDB, partido cuja regional de Minas envolveu-se originariamente com o lobista
Marcos Valério para fazer, em termos locais, o mesmo que o PT faria em termos
nacionais anos depois, mas a repetição mostra preocupação de relativizar o
esquema denunciado pelo processo.
Os ministros do STF não perdem uma chance de explicar didaticamente as
razões jurídicas que os levam a condenar alguns e absolver outros, e, quando há
uma dúvida razoável, a discussão ganha até mesmo ares de confronto, com
ministros sendo mais ríspidos do que deveriam, alterando a voz para impor suas
convicções.
Em algumas ocasiões, especialmente nas primeiras sessões, houve até momentos
em que ele esteve em risco, como quando Lewandowski ameaçou abandonar o
plenário.
Dias Toffoli, na última sessão, chegou a dizer que seu colega Luiz Fux
estava sendo "indelicado". O relator Joaquim Barbosa, que não aguenta
ser contestado sem revidar, cortou um comentário do mesmo Toffoli, que usou um
"assalto a banco" para contestar a posição do relator sobre lavagem
de dinheiro, afirmando: "Não é assalto a banco, mas é assalto aos cofres
públicos". Lewandowski e Toffoli estão em minoria no plenário, isolados em
suas posições na maioria dos casos, mas têm encontrado apoio nas questões
relativas a lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, temas que são
acessórios ao principal no julgamento, mas que têm grande importância tanto na
hora de definir as penas quanto na formação de uma jurisprudência que vai
influir nos julgamentos das várias instâncias da Justiça brasileira daqui para
a frente.
O que se vê, então, é que os ministros do Supremo - a maioria nomeada por
governos petistas - são capazes de discutir às vezes asperamente em torno de
temas que não obtêm consenso do plenário, e são também capazes de absolver
quando uma "dúvida razoável" persiste.
Os placares condenatórios elásticos - de 10 a 0 para Delúbio Soares; 9 a 1
para José Genoino; e 8 a 2 para José Dirceu - só indicam que não houve dúvidas
sobre suas culpabilidades.
Fonte: O Globo
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