Se um vento de bom senso não soprar nas próximas horas, a democracia
brasileira experimentará uma crise institucional digna do nome, caso o Supremo
Tribunal Federal confirme amanhã as cassações de deputados condenados no
julgamento do mensalão, praticamente anunciadas na quinta-feira. Apesar da
delicadeza e da gravidade do tema, até agora o debate ficou restrito a três
personagens: o ministro-presidente e relator da ação, Joaquim Barbosa, que
sustenta o poder do STF para cassar mandatos (embora nunca tenha feito isso sob
a atual Constituição); o revisor Ricardo Lewandowski, que tentou,
angustiadamente, explicar, na quinta-feira, a violação constitucional que isso
representaria; e o presidente da Câmara, Marco Maia, reiterando que não
cumprirá tal determinação, em observância ao que diz o artigo 55. Onde estão os
outros? Onde estão os demais guardiões da democracia? Essa briga não é da
Câmara e não é dos chamados mensaleiros. É da democracia brasileira.
Quando um país cria um herói, passa a entender como vilões os que discordam
dele. A sustentação de que não cabe ao STF, e sim ao Congresso, cassar o
mandato de deputados ou senadores condenados passa a ser vista como
"defesa dos mensaleiros", ou da permanência dos três condenados na
Câmara. Lewandowski não foi feliz em sua argumentação, embora tenha apresentado
elementos torrenciais, tanto doutrinários como originários da jurisprudência do
próprio STF. Por conta de seu posicionamento e das críticas às inovações
adotadas no julgamento do mensalão, neste tempo de intolerância cacarejante
contra o pensamento divergente, foi tomado mais uma vez como condescendente,
quiçá, como aliado dos réus. Não se trata de um arbítrio da Câmara, de cassar
se quiser. Diz o artigo 55 que ela tem que abrir o processo de cassação de todo
deputado condenado judicialmente, após o transito em julgado. Isso vale para
Valdemar Costa Neto, Pedro Henry e João Paulo Cunha, condenados no mensalão, e
também para o deputado Donadon, recentemente condenado a 13 anos. Como ele
recorreu, a Câmara tem que esperar o trânsito.
Lewandowski não parece ter convencido a maioria dos cinco, embora tenha
citado autores em profusão e ressuscitado votos anteriores de vários ministros
sobre a questão, sustentando a prerrogativa das casas parlamentares para cassar
seus pares. Inclusive um, do ministro Celso de Mello, que agora é um dos quatro
que devem seguir Barbosa. Outros são Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Gilmar
Mendes. Quando tentou explicar que essa baliza da doutrina democrática vem da
Revolução Francesa, ao liquidar com o poder real de destituir membros das
cortes, Barbosa lhe perguntou: "E o que isso tinha a ver com a França
moderna?" Data vênia, tudo a ver com todas as democracias.
Não houve debate mas demarcação de terrenos. No Congresso, afora Marco Maia,
todos viraram avestruz e enfiaram a cabeça na areia. Um sinal vem do PSDB:
"Estamos preocupados com o risco real de crise institucional. Na
segunda-feira, o partido vai examinar o assunto e se posicionar", diz o
deputado Marcus Pestana. Foi, por sinal, de um deputado tucano que veio a ser
senador, Antero de Barros, a emenda que resultou no artigo 55. O texto quis
deixar claro que o mandato derivado do voto só pode ser cassado pelo poder com
origem popular, embora determine a cassação de parlamentares condenados pela
Justiça. Por fina ironia do tempo, na tarde de quinta-feira, enquanto Niemeyer
era velado no Planalto, a Câmara devolvia simbolicamente os mandatos dos
cassados pela ditadura e o STF antecipava sua disposição. Marco Maia,
solitariamente, repetia: "Já fui claro. Se isso ocorrer, não acatarei,
ficarei com a Constituição". Irão cassá-lo por desobediência à Justiça?
O gênio e a curva
Tanto foi dito sobre Niemeyer, tanto ainda se dirá, agora que é eterno. Mas
ainda há tempo para um poema, não republicado em sua passagem para o sempre. O
Poema da curva: "Não é o ângulo reto que me atrai/nem a linha reta, dura,
inflexível, criada pelo homem/O que me atrai é a curva livre e sensual/a curva
que encontro nas montanhas do meu país/no curso sinuoso dos seus rios/nas ondas
do mar/no corpo da mulher preferida.De curvas é feito todo o universo/o
universo curvo de Einstein"
Conflitos federativos
A questão das tarifas de energia virou angu, com o PT acusando os tucanos de
não terem permitido a redução de 20% com a não adesão das geradoras de estados
que governam. Estes retrucam que Dilma descumpre a promessa, cometendo
estelionato eleitoral. Governadores guerreiam por causa do veto parcial à lei
dos royalties. E ainda falta a regulamentação da partilha dos recursos do FPE.
Dilma perdeu uma chance de ter juntado todas essas questões numa pactuação
federativa com os estados.
Os russos
A presidente Dilma Rousseff viaja hoje para a Rússia, levando na comitiva mais
de 200 empresários. O Brasil tem muito o que negociar com os russos. E precisa
reavivar a mística dos Brics, que a crise internacional obscureceu.
Fonte: Correio Braziliense
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