Discurso proferido na sessão de 22 de setembro de 1988:
SR. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (PT-SP. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Constituintes: em fevereiro de 1987, quando o Partido dos Trabalhadores chegou ao Congresso Constituinte, não trazia nenhuma ilusão de que poderia, através da Constituição, resolver todos os problemas da sociedade brasileira. Entendíamos, já no dia 16 de novembro de1986, que a composição da Constituinte não seria uma composição favorável aos projetos políticos da classe trabalhadora brasileira, tampouco seria favorável àqueles que sonharam ter uma Constituição a mais progressista possível.
O Partido dos Trabalhadores apresentou, em março de 1987, um Projeto de Constituição que não era, de forma alguma, um projeto socialista. Era o Projeto de Constituição nos parâmetros permitidos pelo capitalismo, mas entendíamos que, com o nosso projeto, poderíamos, mesmo dentro do sistema capitalista, minorar o sofrimento da classe trabalhadora brasileira. Passados 18 meses, é importante reconhecer que não apenas o Partido dos Trabalhadores como outras forças progressistas aqui, nesta Casa, se empenharam 24 horas por dia, de segunda a domingo, para que pudéssemos hoje estar votando esta Constituição.
O Partido dos Trabalhadores, com apenas 16 Deputados Constituintes, trabalhou de forma incansável, na perspectiva de que pudéssemos, até num prazo anterior a este, apresentar à opinião pública um projeto de Constituição. É preciso ressalvar que, se isso não foi possível, não se deveu aos setores de esquerda, não se deveu aos setores progressistas que aqui compareceram em todos os chamamentos do Presidente Ulysses Guimarães. Comparecemos, na expectativa de que pudéssemos, ainda possivelmente no ano passado, entregar esta Constituição.
Setores conservadores ligados ao Palácio do Planalto, setores conservadores – e até reacionários – ligados ao poder econômico criaram os mais diferentes tipos de embaraços para que não pudéssemos votar esta Constituição. Mentiras e mais mentiras foram vinculadas através dos meios de comunicação. Tentava-se passar a idéia de que, a partir da promulgação da Constituição, este País iria explodir, este País não iria ter jeito, tal a quantidade de conquistas que a classe trabalhadora havia alcançado.
O Partido dos Trabalhadores fez um estudo minucioso, através da sua bancada e da sua direção, e chegou à conclusão de que houve alguns avanços na Constituição; de que houve avanços na ordem social, de que houve avanços na questão do direito dos trabalhadores, mas foram avanços aquém daquilo que a classe trabalhadora esperava que acontecesse aqui, na Constituinte.Entramos aqui querendo 40 horas semanais e ficamos com 44 horas; entramos aqui querendo férias em dobro e ficamos apenas com um terço a mais nas férias; entramos aqui querendo o fim da hora extra ou, depois, a hora extra em dobro, e ficamos apenas com 50%, recebendo menos do que aquilo que o Tribunal já dava.
Algumas conquistas consideradas importantes não passaram, nem sequer de perto, para que a classe trabalhadora pudesse ter o sabor e o prazer de festejar essas conquistas.Sobre a questão da reforma agrária, esta Assembléia Nacional Constituinte teve o prazer de dar aos camponeses brasileiros um texto mais retrógrado do que aquele que era o Estatuto da Terra, elaborado na época do Marechal Castello Branco. Os militares continuam intocáveis, como se fossem cidadãos de primeira classe, para, em nome da ordem e da lei, poderem repetir o que fizeram em 1964, ou o que foi feito agora no Haiti.
O latifundiário brasileiro deve estar festejando, juntamente com o Sr. Ronaldo Caiado, a grande vitória dos proprietários de terra que, em 5 séculos, não avançaram um milímetro para entender que a solução para os problemas graves deste País está no dia em que tivermos capacidade para elaborar uma reforma agrária que possa distribuir a terra e, ao mesmo tempo, o Estado garantir os meios.Poderíamos mencionar, ainda, o anúncio feito pelo Líder do PMDB, de que mais ou menos 200 artigos serão regulamentados por legislação ordinária ou lei complementar.
A própria CNI (Confederação Nacional da Indústria) elaborou um documento, possivelmente mais volumoso do que a própria Constituição, mostrando os artigos que, do seu ponto de vista, precisam ser regulamentados por lei ordinária e por lei complementar.Todos nós, Constituintes, sabemos perfeitamente bem que na elaboração das legislações complementar e ordinária teremos um trabalho insano tanto quanto o foi o desta Constituição.Todos sabemos que teremos eleições em 89, que teremos eleições em 90 e que possivelmente até lá não tenhamos quórum para regulamentar um único artigo de lei.
Ressalto 2 pontos importantes: a questão da estabilidade no emprego, que todos sonhávamos ou pelo menos uma parte sonhava conquistar. Esta vai ter que ser regulamentada por lei complementar. Sabemos que apenas os Princípios Gerais não garantem a efetivação da democracia, que apenas a efetivação de alguns princípios gerais não garantem à classe trabalhadora viver em regime efetivamente democrático. É possível que, dependendo dessa correlação de forças existentes na Constituinte e permanecendo no Congresso, pouca coisa será regulamentada e algumas, possivelmente, serão regulamentadas em prejuízo da classe trabalhadora.
Sabemos que é necessário um trabalho insano de arregimentação do movimento popular. Sabemos que é necessário um trabalho insano de arregimentação do movimento sindical, dos partidos políticos progressistas, para que possamos manter a sociedade permanentemente pressionando o Congresso, para que ele possa regulamentar a legislação em benefício da classe trabalhadora brasileira. Poderia citar a questão do direito de greve, possivelmente a maior conquista obtida nesta Constituinte. Mesmo assim vai depender da regulamentação do que são categorias essenciais, vai depender de definirmos o que é abuso, porque, dependendo da cabeça política do empresariado brasileiro, a própria decretação de uma greve já pode ser caracterizada como abuso e todos sabem que a lei ainda existe neste País para punir os fracos, e não os poderosos.
Poderia citar aqui a questão do aviso prévio, que é uma coisa simples, que poderia ter sido definido na Constituinte, entretanto, ainda vai ser definido pela lei e não sabemos quando é que essa lei vai definir o que é a proporcionalidade. Engraçado que alguns Constituintes aleguem que a votação de hoje é apenas uma votação de vírgula, uma votação de passagem, porque o texto já foi votado. Nós, do Partido dos Trabalhadores, entendemos que essa votação é mais importante do que a votação de mérito. Exatamente por entendermos isso que para nós não é apenas uma votação de vírgula ou uma votação de coisas pequenas.
É importante lembrar que determinados Constituintes tentam acusar o Partido dos Trabalhadores da mesma forma que na época da Nova República o acusavam, da mesma forma que na época do Plano Cruzado colocaram a Maria da Conceição Tavares para chorar na televisão, depois da fala do Governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola Importante na política é que tenhamos espaço de liberdade para ser contra ou afavor. E o Partido dos Trabalhadores, por entender que a democracia é algo importante – ela foi conquistada na rua, ela foi conquistada nas lutas travadas pela sociedade brasileira –, vem aqui dizer que vai votar contra esse texto, exatamente porque entende que, mesmo havendo avanços na Constituinte, a essência do poder, a essência da propriedade privada, a essência do poder dos militares continua intacta nesta Constituinte.
Ainda não foi desta vez que a classe trabalhadora pôde ter uma Constituição efetivamente voltada para os seus interesses. Ainda não foi desta vez que a sociedade brasileira, a maioria dos marginalizados, vai ter uma Constituição em seu benefício.Sei que a Constituição não vai resolver o problema de mais de 50 milhões de brasileiros que estão fora do mercado de trabalho. Sei que a Constituição não vai resolver o problema da mortalidade infantil, mas imaginava que os Constituintes, na sua grande maioria, tivessem, pelo menos, a sensibilidade de entender que não basta, efetivamente, democratizar um povo nas questões sociais, mas é preciso democratizar nas questões econômicas.
Era preciso democratizar na questão do capital. E a questão do capital continua intacta. Patrão, neste País, vai continuar ganhando tanto dinheiro quanto ganhava antes, e vai continuar distribuindo tão pouco quanto distribui hoje. É por isto que o Partido dos Trabalhadores vota contra o texto e, amanhã, por decisão do nosso diretório – decisão majoritária – o Partido dos Trabalhadores assinará a Constituição, porque entende que é o cumprimento formal da sua participação nesta Constituinte.
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