- Correio Braziliense
No Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio, dizia Nelson Rodrigues; no Itaquerão, em São Paulo, além de vaiar, a torcida xingou a presidente Dilma Rousseff com palavras de baixo calão. A atitude extrapolou o que seria "normal" numa partida de futebol, ainda mais porque o alvo era a presidente da República. Havia muitos chefes de Estado na cerimônia, que foi acompanhada ao vivo por torcedores do mundo inteiro. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva agarrou a vaia com as duas mãos — se é que isso é possível, mesmo no sentido figurado — e interpretou o episódio como declaração de guerra das "elites" que "não têm calos nas mãos" contra o PT e os trabalhadores.
A convenção nacional do PSDB, no sábado, pôs mais lenha na fogueira. O senador Aécio Neves e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, durante o evento, subiram o tom das críticas ao governo de Dilma Rousseff e ao PT. A resposta de Lula no domingo, na convenção que homologou a candidatura ao governo de São Paulo do ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, foi um tom acima. O petista saiu em defesa da presidente Dilma Rousseff e desceu o sarrafo nos adversários, principalmente em Fernando Henrique, acusando-o de ter comprado os votos do Congresso que aprovaram a reeleição. De quebra, disse que os tucanos tramaram seu impeachment por ocasião do escândalo do mensalão.
Fernando Henrique não deixou barato, ontem repeliu as acusações: "Lamento que o ex-presidente Lula tenha levado a campanha eleitoral para níveis tão baixos. Na convenção do PSDB não acusei ninguém; disse que queria ver os corruptos longe de nós. Não era preciso vestir a carapuça. A acusação de compra de votos na emenda da reeleição não se sustenta: ninguém teve a coragem de levar essa falsidade à Justiça", escreveu em sua conta pessoal de uma rede social.
A vaia tirou o PT do sério, embora Dilma mantenha-se afastada dos estádios; a oposição tira casquinha e avalia que a torcida pela Seleção Brasileira não se traduz em apoio ao governo. E lembra que o ex-presidente Lula já usou de ofensas e palavrões para se referir a dois presidentes da República: atingiu a honra de José Sarney, hoje um aliado de primeira hora; e também ofendeu o presidente Itamar Franco, em 1993.
Confraternização
Imaginava-se que a Copa do Mundo congelaria a disputa eleitoral, com a presidente Dilma Rousseff mantendo distância regulamentar dos jogos e a oposição mergulhada esperando o resultado final do Mundial — todos torcendo para o mesmo lado. Não é o que está acontecendo. Além da tabela dos jogos, existe um calendário eleitoral que movimenta os partidos políticos. As chapas proporcionais e as coligações para as eleições de governador e presidente da República precisam ser formadas até o fim do mês. A luta pelo poder central e nos estados segue o seu curso natural, mesmo com o torneio.
No Palácio do Planalto, há divergências quanto ao procedimento a ser adotado diante da situação. A estratégia de uma presença discreta de Dilma na Copa foi por água abaixo depois do que aconteceu no Itaquerão. Discute-se uma postura mais ofensiva, a partir de uma avaliação de que a vitória do Brasil contra Croácia desencantou a torcida brasileira. A ideia é fazer do limão uma limonada. Pesquisas mostram desaprovação aos xingamentos da torcida e maciço apoio da opinião pública aos jogadores da equipe canarinho. Além disso, as cidades sedes da Copa — apesar dos protestos persistentes, mas residuais — estão em festa com a presença de grande número de torcedores estrangeiros, todos recebidos de braços abertos.
Na verdade, a Copa é um sucesso como evento internacional, seja pela presença expressiva de torcedores de todos os países, seja pelo engajamento da torcida brasileira. Não houve caos nos aeroportos, os torcedores conseguem chegar aos estádios com poucos incidentes. E há uma confraternização geral, que se estende noite adentro. Na primeira rodada dos jogos, o alto nível do futebol praticado destoa da baixaria na nossa política. No momento, o povo não está nem aí para os políticos. Está de olho na Seleção Brasileira. E nas equipes da Alemanha, da Argentina, da França, da Holanda e da Itália, que também despontam como candidatas ao título. É nelas que mora o perigo.
Na primeira rodada dos jogos, o alto nível do futebol praticado destoa da baixaria da nossa política. O povo está de olho na Holanda, na Alemanha, na França e na Argentina
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