• Ex-presidente da Andrade Gutierrez afirma que R$ 128 milhões foram divididos entre PT e PMDB
Cleide Carvalho, Dimitrius Dantas - O Globo
-SÃO PAULO- Suspeito de movimentar R$ 128 milhões em propinas da Odebrecht, o ex-ministro Antonio Palocci foi apontado por Otávio Azevedo, ex-presidente da holding Andrade Gutierrez, como o responsável pela negociação de vantagens ilícitas nas obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, para o PT e também para o PMDB. Em depoimento de delação premiada, Azevedo disse que Palocci pediu 1% do valor da obra, a ser dividido entre os dois partidos, e indicou que as quantias deveriam ser pagas a João Vaccari Neto, que era tesoureiro do PT, e Edison Lobão, do PMDB, então ministro de Minas e Energia.
O pedido teria sido feito em encontro ocorrido a pedido do ex-ministro, num apartamento em Brasília, logo depois de a então ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, comunicar que a proposta técnica da empresa para as obras da usina seria aceita e que a Andrade Gutierrez lideraria o consórcio.
Azevedo afirmou que Palocci lhe disse que o governo pretendia consolidar o consórcio, tal qual Erenice havia dito, mas que “seria importante que houvesse a contribuição financeira para apoio político” ao PT e PMDB. Num segundo encontro, no escritório de Palocci em São Paulo, o ex-ministro teria indicado os nomes de Vaccari e Lobão. No depoimento, realizado em agosto passado, em Brasília, Azevedo disse ainda que orientou Flávio Barra, diretor de Energia da empresa, a fazer os pagamentos.
ENDEREÇO DE EMPRESA DE FACHADA
Barra já havia sido ouvido em junho, na sede da PF em Porto Alegre (RS). Segundo ele, a maior parte do dinheiro foi paga por meio de doações eleitorais. Barra contou que Edison Lobão indicou o filho, Márcio Lobão, para arrecadar a parte do PMDB. Como as outras empresas do consórcio não conheciam Márcio, o executivo fez reuniões num único dia, de meia em meia hora, no prédio da Andrade Gutierrez no Rio de Janeiro, para apresentá-lo. Barra disse ainda que chegou a entregar a Márcio Lobão R$ 600 mil em dinheiro.
Os dois teriam combinado por WhatsApp, e o executivo levou a quantia até o apartamento de Márcio, na Avenida Atlântica, no Rio. Autoridades suíças confirmaram a existência de contas da família Lobão no país.
Outro delator da Lava-Jato, o ex-diretor da Camargo Corrêa Luis Carlos Martins, ouvido em junho passado em Curitiba, disse que repassou R$ 2 milhões a Lobão por meio de falsos contratos de consultoria com a AP Energy e de “doações eleitorais” ao PMDB. Martins afirmou ainda que fez dois contratos fictícios com a AP Energy: um de R$ 1,2 milhão e outro de R$ 1,268 milhão. Dalton Avancini, ex-presidente da empreiteira, teria ficado responsável por providenciar os pagamentos ao PT. A Camargo Corrêa também integrou o consórcio de Belo Monte.
A AP Energy fica em Santana do Parnaíba (SP), em um endereço já conhecido pela Lava-Jato por abrigar outras empresas de fachada. O escritório só tem uma mesa e uma recepcionista para receber correspondência. Uma das empresas a usarem o endereço foi a JSM Engenharia e Terraplanagem, de Adir Assad, já condenado.
Segundo relatório feito pela Polícia Federal, nas eleições de 2010, 2012 e 2014, as empresas que fizeram parte do consórcio de Belo Monte doaram R$ 159 milhões a candidatos do PMDB por meio de seus diretórios e comitês financeiros. Em sua colaboração, o ex-senador Delcídio Amaral afirmou que o valor teria como destino os principais caciques do partido no Senado: Renan Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho e Valdir Raupp. Todos negam as acusações.
ADVOGADO CRITICA “DELATÓPOLIS”
Berço político de Romero Jucá, Roraima foi o diretório estadual do partido que mais recebeu recursos nas três eleições analisadas: R$ 3,7 milhões. Alagoas foi o terceiro maior destino, com R$ 2,4 milhões: o estado é lar do presidente do Senado, Renan Calheiros, e governado por seu filho, Renan Filho. O diretório estadual do Pará, representado no Senado por Jader Barbalho, recebeu R$ 1 milhão, e o de Rondônia, ligado a Valdir Raupp, recebeu R$ 500 mil. Os valores doados ao PT não foram relacionados pela PF.
A Andrade Gutierrez perdeu o leilão da usina no Pará, mas recebeu a maior cota do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), que ficou responsável pelas obras. Formado por empresas de menor porte, o consórcio vencedor do leilão foi articulado às pressas pelo governo depois da desistência da Odebrecht e da Camargo Corrêa. Andrade, Odebrecht e Camargo Corrêa assumiram 50% do consórcio, e a outra metade foi dividida entre as sete empresas vencedoras do leilão. As obras de Belo Monte começaram em 2011.
O advogado de Palocci, José Roberto Batochio, informou que vai pedir ao Supremo Tribunal Federal que a delação de Azevedo seja anulada.
— É uma história absolutamente falsa, uma versão para sair da cadeia. Ele não tem como provar que Palocci participou dessa negociação. Transformaram o Brasil numa “Delatópolis”, onde fazem barganhas e incriminam em troca de liberdade. Palocci nunca tratou de Belo Monte nem de propina com quem quer que seja. Azevedo procurou Palocci, que era deputado federal, e ele simplesmente lhe disse que não tinha como ajudar — disse Batochio.
Advogado de Edison Lobão, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que o senador desconhece e nunca teve relações com as empresas apontadas.
“A palavra dos delatores, mesmo os que usam de relações pessoais para apresentar um linha de ‘acusação/defesa,’ deve ter o natural carimbo da desconfiança, até pelo apelo de falta de compromisso com a verdade, só com a verdade que serve a defesa, que é próprio do caráter do delator”, afirmou Kakay em nota.
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