sábado, 23 de junho de 2018

Cristovam Buarque: Nossa paz

- O Globo

Em vez de se entenderem para salvar o país, nossas lideranças preferem ficar lutando entre si

Meses atrás, a Coreia do Norte e os Estados Unidos eram símbolos de antagonismo. Seus líderes se enfrentavam e ameaçavam com uma guerra nuclear. Foi necessário apenas um gesto de entendimento e de bom oportunismo político para o mundo inteiro assistir ao encontro de Kim Jong-un e Donald Trump, na Ilha de Sentosa, assinando acordos para desarmar bombas que eles próprios ameaçavam explodir sobre o outro. Ao assistir àquele gesto inesperado e surpreendente, o mundo sentiu surpresa e alívio. Nós, brasileiros, deveríamos sentir também inveja, pelo fato de que nossos líderes não conseguem se encontrar para desarmar nossas bombas.

Entrincheirados em partidos, interesses, visões, sobretudo amarrados à miopia do imediato, não estamos sendo capazes de perceber os riscos das bombas, nem o potencial de um pacto pelo desarme delas: a construção de coesão social e definição de rumo histórico. Adiante está uma sociedade se desarticulando pela violência generalizada, com os serviços ineficientes, com escolas sem aulas, universidades paralisadas, o déficit fiscal crescente, a falência da Previdência, a economia paralisada. Tudo causado pelo vazio político e pela desesperança das pessoas.


No lugar de um entendimento para salvar o país, proteger a infância, construir o futuro, nossas lideranças preferem continuar lutando entre si. Nada explica nossa incompetência e insensibilidade, salvo que não estamos à altura do momento histórico do Brasil e das grandes transformações da civilização mundial. Bastariam apenas cinco passos para iniciarmos a marcha para desarmar nossas bombas.

Primeiro, precisamos perceber os problemas que ameaçam a integridade do país. Segundo, cada um de nós deve fazer sua autocrítica, reconhecendo os erros cometidos. Terceiro, termos lucidez para entender que divididos não sobreviveremos. Quarto, ajustarmos os sonhos de produção e consumo, com seriedade, sem demagogia, nem ilusão, aos limites de nossos recursos. Quinto, definirmos os compromissos que nos unem nos próximos anos: democracia, equilíbrio nas contas públicas, investimentos em educação, ciência e tecnologia, combate à corrupção, fim da impunidade, proteção da natureza, promoção da cultura, reformas necessárias para dar eficiência à economia.

Não apenas EUA e Coreia do Norte nos dão o exemplo. No artigo “Aprender com Portugal”, publicado no GLOBO, em 7 de junho deste ano, Ascânio Seleme nos mostra como aquele país conseguiu se recuperar de profunda crise. Com governo pactuado, desde a extrema esquerda até a centro-direita, o primeiro-ministro António Costa conseguiu unificar a nação e tomar as medidas necessárias para fazer uma economia eficiente, uma sociedade pacífica e otimista.

Kim e Trump viajaram distâncias muito mais longas e difíceis, e assinaram um acordo que parecia impossível. É triste não atravessarmos distâncias menores e fazermos acordos mais simples, embora para problemas menos visíveis do que bombas atômicas, mas com efeitos ainda mais permanentes: condenando o futuro.

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Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

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