Folha de S. Paulo
A formação de coalizões governativas sem
densidade programática gera cinismo cívico
Votar no candidato perdedor diminui a
felicidade das pessoas. Essa é a conclusão do estudo Presidential Elections, Divided Politics and Happiness in the
US (eleições presidenciais, política dividida e felicidade nos EUA), de 2019,
de Sergio Pinto e colegas. O efeito é brutal. Nas eleições presidenciais de
2016, nos EUA, na qual Hillary Clinton foi derrotada, equivalia a ficar
desempregado(a).
A felicidade é medida por métricas que capturam o nível subjetivo de satisfação com a vida e por atitudes que lhes são correlatas. A fonte é a pesquisa diária do Gallup com 11 mil eleitores, de 2012 a 2016.
A disputa presidencial americana de 2000
teve impacto semelhante. Devido às denúncias de irregularidades, a vitória de
G. W. Bush acabou decidida na Suprema Corte. Para 97% dos eleitores de Al Gore,
ele foi o vencedor. Neste grupo, a avaliação da democracia e das instituições
piorou, segundo um conhecido estudo.
Seus autores debruçaram-se sobre por que o
episódio não levou o grupo a questionar a própria democracia. A expectativa na teoria
política é que a insatisfação com o funcionamento de instituições específicas,
em determinadas conjunturas, e a aprovação do sistema político como um todo,
convergirão em torno desta última.
Concluíram que a alternância no poder e as
eleições legislativas foram fundamentais no processo porque geraram situações
de governo dividido, nas quais forças rivais ocupam o Executivo e o
Legislativo. As eleições de meio de mandato foram válvulas de escape.
No Brasil, o controle do Legislativo, de
governos estaduais e a participação em coalizões de governo são fatores que
mitigam a infelicidade política. Mas a formação de coalizões governativas sem
densidade programática gera cinismo cívico, o sentimento que os políticos fazem
qualquer coisa para se manter no poder.
Em "Strange Bedfellows: Coalition Make-up and
Perceptions off Democratic Performance Among Electoral Winners" (Estranhos
amantes: composição da coalizão e percepção de desempenho da democracia entre
eleitores vitoriosos), os autores utilizam dados de pesquisas realizadas
entre 1996-2011 com 18 mil eleitores de 46 países.
O estudo mostra que a avaliação da
democracia é melhor entre os eleitores cujos candidatos venceram as eleições.
Afinal, ganhar eleições produz um senso de eficácia política, de que o voto
teve impacto. Mas os parceiros da coalizão também importam porque, se há o que
os autores chamam de "ambivalência de coalizão" —ou seja, se os
parceiros de coalizão são rejeitados—, a avaliação do governo e do
funcionamento da democracia piora.
Governar com más companhias e acordos
programáticos cobram um preço.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
A democracia só vale quando o meu lado ganha.
Então tá.
Postar um comentário