Segundo o site
do Instituto Socioambiental, uma das ONGs mais bem financiadas e ágeis do meio
indigenista, com uma extensa folha de serviço na questão, com, obstavelmente,
algumas controvérsias, há atualmente os seguintes dados sobre terras indígenas,
classificadas como: em identificação, identificadas, declaradas e homologadas:
HOMOLOGADAS – 490; DECLARADAS – 74; IDENTIFICADAS – 43; EM IDENTIFICAÇÃO – 124.
O total de 731 terras, um número bem maior do que as terras indígenas reconhecidas ao tempo do primeiro governo Lula. Notem que a terminologia “Declarada” não corresponde ao ato de reconhecimento por parte do ministro da Justiça de que a terra foi estudada e demarcada in situ, apenas que o ministro reconhecera os limites propostos pelos estudos. Haveria ainda a necessidade de a autoridade ministerial ordenar a sua demarcação in situ. Nos dados apresentados pelo site da Funai, entretanto, são reconhecidas um total de 680 terras, das quais 443 já teriam sido homologadas, enquanto 237 estariam em estudo, sem definição de fase processual. Se o leitor prestar atenção ao que foi escrito sobre o número de terras homologadas ou declaradas verá que há imprecisões. Deve-se isso provavelmente ao modo como o governo e as organizações indigenistas registram diferentemente os pedidos de terras indígenas.
Há efetivamente um interesse muito grande por
parte das ONGs indigenistas, incluindo principalmente o Conselho Indigenista
Missionário, o Instituto Socioambiental e outras mais localizadas, de que todas
as demandas vindas de legítimas lideranças indígenas sejam acolhidas pela Funai
e que se procedam aos estudos devidos. Esta pretensão é lastreada
frequentemente pelo Ministério Público na seção cabível a direitos indígenas. A
esperar que a nova administração da Funai e o Ministério dos Povos Originários
venham a dar encaminhamento a todos esses pedidos. Com efeito, a ministra Sônia
Guajajara declarou ter em mãos uma lista de 13 terras indígenas prontas para
serem homologadas, no mais curto tempo possível. Cautelosa, a ministra previu
uma avaliação do governo e um certo tempo para a conclusão desse processo.
Ainda que a Funai tenha sido transferida para o novo ministério, será o
Ministério da Justiça que tratará do caso. Portanto, esses processos de
demarcação serão analisados levando em conta tanto a formalidade jurídica
quanto as condições políticas para tal. Em qualquer caso, quaisquer terras
indígenas reconhecidas em última instância pelo ato homologatório presidencial
acabam sendo contestadas formalmente em juízo ou informalmente por políticos
ligados a interesses fundiários.
Evidentemente tudo isto será questão de grande
disputa nos próximos anos.
Até agora tratamos quase que exclusivamente sobre as vitórias e percalços em relação à demarcação de terras indígenas. Deixamos de lado a proteção dessas terras por invasores, sejam madeireiros, garimpeiros, caçadores, fazendeiros e arrendatários.
Deixamos de lado também as questões de saúde.
São questões longas que representam aspectos da política indigenista brasileira
e das relações mais amplas da sociedade brasileira com os povos indígenas. Como
essa pequena série de artigos se concentra nos Yanomami, limitarei minhas
observações ao caso presente, tal como se desenvolveu durante o governo
Bolsonaro.
Jair Messias não tem realmente nenhuma simpatia
especial pelos índios. Menos do que Lula, pois sua experiência de vida mais
determinante de sua personalidade política se deu entre militares que, já desde
muito tempo, haviam perdido o sentimento rondoniano que um dia a corporação
tivera. Lula se fez grande político se abrindo a todas as possibilidades
humanas, mesmo aquelas que ele pessoalmente podia ter em pouca conta. Daí
porque Lula pôde ser tocado na alma pela natureza aparentemente insondável do
índio. Efetivamente, Lula tem sangue indígena e cresceu em ambiente cultural
próximo a costumes que foram parcialmente herdados de comunidades indígenas ou
mestiças de tempos coloniais. Ainda, naturalmente, de que dessa genealogia
tivesse pouca consciência.
Bolsonaro, embora descendente de italianos,
criou-se na cultura caipira paulista, que tem forte coloração indígena e
preserva muitos hábitos, humor e atitudes de origem indígena e mestiça. Daí que
pode ter sentido resquícios de vivência indígena.
Entretanto, sua forte imersão no mundo
castrense o desviou de um olhar mais atencioso ao índio. Seu perfil político
foi estabelecido pela resistência que ele interpôs a questões que faziam parte
do discurso da Esquerda brasileira, sobretudo a partir dos anos 1980, quando o
tema indígena alcançava forte teor retórico. Quando esteve com índios enquanto
militar, como parece ter sido o caso de sua passagem por Mato Grosso do Sul e
Roraima, sua atitude partiu de um sentimento de poder diferenciado, se não de desprezo
em relação ao índio. Posar ao lado de uma onça lhe pareceu mais interessante naquela
quadra de sua vida. Ou, quando foi convidado a participar de um comensal de luto,
numa aldeia Yanomami, perto da Base Militar de Surucucu, a ideia de tomar a
sopa de banana cozida com cinzas de um funeral de cremação de um índio
recém-falecido lhe pareceu motivo de pouco caso. Ou assim parece.
Bolsonaro entrou na Câmara Federal quando o deputado
Mário Juruna já não estava mais por lá. Assim, toda a temática indígena foi
exclusiva e veementemente discutida sob a batida da retórica anti-esquerdista.
Bolsonaro nem logrou ouvir Juruna, o que poderia ter-lhe produzido o mesmo
efeito que sentiu quando prestou atenção nas palavras do deputado Clodovil
Hernandes. Os índios seriam poucos para tanta terra, não contribuíam para a riqueza
nacional e empatavam o seu desenvolvimento. Os índios, vírgula, ou os
defensores dos índios, o que dava no mesmo para ele. Era muita terra sendo
demarcada e mais delas sendo exigidas, e muita gente prepotente se fingindo de
boas almas.
Nos últimos anos, Bolsonaro deve ter se dado
conta de que havia índios experimentando com o desenvolvimento de suas
economias. Presenciou casos de índios que ganhavam muito dinheiro com a
garimpagem ou a venda de madeira em suas terras e não deve ter achado estranho,
ao contrário, mais índios deveriam se dedicar a essas atividades. Que fossem ao
menos ordenadas. Talvez assim deixassem de viver tão miseravelmente. Devia
saber que algumas sociedades indígenas ou aldeias sortidas dos Kaingang e
Guarani arrendavam parte de suas terras, especialmente nos estados do Sul e do
Mato Grosso do Sul, e não deve ter achado estranho, apenas sinal da preguiça
que os acometia por não tratar dessas terras eles mesmos.
As passeatas, os protestos anuais de centenas
e até milhares de índios em Brasília só lhe deviam dar entojo. Como, invadir
prédios do Congresso e insultar cara a cara deputados e ministros? Como,
insultar a polícia e até atirar flechas em sua direção? Como, arrancar
presidentes da Funai pelos cabelos e empurrá-los para fora do órgão humilhando-os,
como aconteceu algumas vezes nos governos de FHC?
Nos últimos dois ou três anos que antecederam
a sua campanha a presidente da República, Bolsonaro foi abordado por alguns
índios que ouviam seu discurso e achavam que talvez tivesse alguma razão. Eram
índios Xavante, Pareci, Cintas-Largas, que não faziam parte do movimento
indígena, de coloração esquerdista, e que os rejeitava. Até uma índia Kalapalo,
originária do Parque Indígena do Xingu, que tinha refutado o movimento indígena
por considerá-lo exclusivista na linguagem e nas atitudes, achou Bolsonaro
interessante e promissor. Alguns dos seus assessores, como a pastora Damares
Alves, ela própria com um histórico de conhecimento e intervenção na questão
indígena, por ser assessora legislativa de um senador da República, deve ter
lhe falado que havia índios que poderiam ter simpatia por ele, Bolsonaro. Isto
fez arrefecer seu discurso mais
estrovenga e raivoso, ainda que soubesse que seu discurso anti-indígena devia
prevalecer para assegurar seus eleitores anti-indígenas, que eram muitos.
Na presidência, Bolsonaro tratou a questão indígena, primeiro, via a então ministra Damares Alves, que era realmente a única pessoa próxima a ele que entendia alguma coisa de índio. Houve então um estranho alvoroço no meio indigenista. Será que vem aí uma onda missionária para salvar os índios do pecado? Foi o mínimo de que lhe acusaram. A ministra Damares Alves, ao tornar público um acontecimento nefasto em sua infância, sofreu horrores de tentativas de humilhação por parte da Esquerda, e não menos pelas feministas vociferantes (e isso provocou uma queda imensa no prestígio do movimento feminista). Entretanto, logo o segmento mais radical do agronegócio fez questão de tomar de conta da Funai e da questão indígena, com o intuito certamente de abrir terras para arrendamento ou para compra ou quiçá até para usurpação. Certamente não para efeitos de demarcação. Eles ganharam, até como barganha para aceitar a deputada Teresa Cristina como ministra da Agricultura, para onde a Funai foi de início levada, porém logo retornada ao seu devido posto no Ministério da Justiça. Indicaram um policial federal que tinha participado como assessor de uma CPI da Câmara Federal criada para investigar a influência de ONGs nos estudos de demarcação de terras indígenas. Para ele os índios eram não mais que objetos de investigação.
Para cuidar da saúde indígena, Bolsonaro nomeou a índia Sílvia Nobre Waiãpi, do povo Waiãpi, natural do Amapá, que era nada menos que tenente do Exército brasileiro, um fenômeno raríssimo na nossa história. Nascida numa aldeia Waiãpi, Sílvia foi morar em Macapá por razões familiares, desgarrou-se da família por uns tempos, tornou-se militar por determinação própria, e defendia que os índios podiam sair de suas terras e fazer o que quisessem, inclusive ganhar dinheiro, o que já era o caso de muitos, principalmente de homens. Na administração da SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena), Sílvia Waiãpi labutou com a ingenuidade de quem nunca estivera dentro de um órgão federal. Tentou barrar funcionários que lhe pareciam desrespeitosos aos índios, ou pior, desonestos, e acabou desistindo do cargo. Permaneceu leal ao presidente Bolsonaro e se elegeu deputada federal pelo Amapá. Seu nome raramente aparece na lista que a mídia divulga e enaltece das indígenas eleitas para a atual legislatura, precisamente por seu posicionamento contrário às demais. Entretanto, ao que indica sua postura aguerrida, ela se fará presente.
O policial federal Marcelo Xavier permaneceu
na Funai pelo período inteiro do governo Bolsonaro. Foi algumas vezes
mencionado na mídia por razões sempre negativas. Uma delas denunciava-o de ter
acobertado um funcionário do órgão que teria recebido propina de fazendeiros
por arrendamento de pastos em terras dos índios Xavante da Terra Indígena
Maraiwatsede, no estado do Mato Grosso. Por sua atuação débil e duvidosa, o
policial federal Marcelo Xavier talvez não venha a ser contemplado com seu
retrato num dos corredores da Funai. E responderá processo por alguns anos.
Mal o novo governo tomava pé da questão
indígena, em julho de 2019, o senador Randolfe Rodrigues levantou uma denúncia
de que 60 garimpeiros haviam invadido a Terra Indígena Waiãpi, no Amapá, e matado
um índio Waiãpi de forma horripilante, arrancando-lhe
o coração. Foi um escândalo digno de muitas reportagens nos jornais e noticiários,
até que, por investigações da Polícia Federal e confirmações da Funai, ficou evidente
que não houvera nada disso, que teria sido fake
news. O senador parou de ser entrevistado sobre o assunto e tudo ficou por
isso mesmo, sem maiores explicações.
Durante a epidemia da Covid-19 houve queixas
de que teria faltado comida e vacinas em algumas terras indígenas. E houve diversos
rumores de que garimpeiros estariam invadindo ou se preparando para invadir tal
ou qual terra, quase todas mentiras e boatos, exceto em relação à Terra
Indígena Yanomami. Mesmo nesta terra houve uma denúncia da parte de uma
organização indígena, em 2022, durante a campanha eleitoral, de que um ataque
de garimpeiros matara dois índios, uma índia havia sido estuprada, um menino
fora tragado por uma draga do garimpo na beira do rio e o resto da população fugira
espavorida. A Polícia Federal foi convocada, investigou o caso e viu que as mortes
não teriam acontecido e que a saída dos índios já havia sido planejada por eles
mesmos.
Notícias de terras invadidas começaram ainda
em dezembro de 2018, antes da posse. A Terra Indígena Urueuauau, localizada no
centro do estado de Rondônia, muito cobiçada por garimpeiros e madeireiros, bem
como por lavradores sem terra, que, por sua vez, receiam a reação dos índios
locais, foi denunciada como tendo sido invadida.
Ao final, não havia invasão realmente. Já uma
área pegada à Terra Indígena Assurini, na beira do rio Xingu, próxima à cidade
de Altamira, no estado do Pará, sobre a qual uma ONG suspeitara que houvesse
algum pequeno grupo indígena por lá perambulando e que, portanto, poderia ser
considerada uma terra indígena, foi invadida por algumas famílias de pequenos
lavradores sem terra da região, talvez insuflados por madeireiros e fazendeiros
locais de olho no botim. Havia que se fizesse alguma coisa. A Polícia Federal
foi convocada e verificou de fato a entrada de algumas famílias, que logo foram
facilmente desalojadas. A terra continua em avaliação e até agora nenhum grupo
de índios foi avistado por lá perambulando. Pode ser que ainda venha a ser.
Denúncias de assassinatos, invasões,
desleixos, corrupção são frequentes contra a Funai. Muitas deles absolutamente
exageradas ou falsas. Nos três anos e sete meses em que fui presidente dela,
entre 2003 e 2007, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) denunciou que, a
cada ano passado, de 50 a 60 índios, principalmente Guarani-Kaiowá e
Guarani-Ñandeva, do Mato Grosso do Sul, eram assassinados por pistoleiros de
fazendeiros, em geral fora ou no limite de suas terras, como se fossem questões
de luta pela terra. Os dados que a Funai tinha sobre esses casos eram outros,
bem menores.
De todo modo, no quadriênio Bolsonaro, as
notícias de índios assassinados são mínimas, a contar nos dedos, à parte o
falso escândalo criado pelo ilustre senador amapaense. Que houve para isto ter
acontecido? A sociedade agrária mudou? Os pistoleiros armados foram detidos? Os
garimpeiros agora conversam? O ódio ao índio arrefeceu? Não sabemos. De um modo
estranho e inesperado, mérito do governo Bolsonaro. Tal como o é no caso da
diminuição de invasões de terras por parte de grupos do MST.
O que restou de verdadeiramente desastroso no governo Bolsonaro foi a situação de saúde dos índios Yanomami, tal como divulgada e encenada nesses dias. Pelo que vem sendo divulgado em todas as mídias nacionais, desde 20 de janeiro deste ano, repercutindo matérias jornalísticas feitas ainda em setembro do ano passado por blogs e jornais ligados ao Partido dos Trabalhadores, como o Sumaúma e a onipresente ONG ISA, a situação de inanição e mortes de muitos índios, principalmente crianças Yanomami, é assustadora. O presidente Lula esteve em caravana ministerial e jornalística na Casa de Saúde do Índio, em Boa Vista, e viu com seus próprios olhos uma quantidade de índios hospedados por questões de saúde. Alguns estavam em Boa Vista há semanas e meses, haviam se curado ou melhorado, mas estavam impossibilitados de retornar a suas aldeias devido à falta de transporte. A comitiva não se deslocou para nenhuma aldeia para verificar in loco o estado de miserabilidade em que se encontravam as crianças. As repetidas cenas de crianças emaciadas, sentadas no chão de uma possível enfermaria, publicadas pelo blog Sumaúma, são complementadas com dados obtidos da SESAI, indicando que cerca de 92 crianças teriam morrido em função de inanição e em razão de doenças como gripes, que se transformam em pneumonia, e malária, só no ano de 2022, sendo que um total de 570 teriam morrido nos quatro anos do governo Bolsonaro. Este é um número realmente exorbitante para uma população de Yanomami em torno de 22.000 pessoas do lado brasileiro.
Não pondo em dúvida esses dados, e
comparando-os com dados de anos passados, recolhidos de matérias jornalísticas,
desde os primeiros contatos mais constantes com os Yanomami do Brasil, a partir
de 1970, os surtos de mortes de crianças Yanomami vêm sendo vistos como um
flagelo recorrente sobre o qual as políticas e os esforços realizados por
agências oficiais de saúde ou por ONGs laicas e religiosas não alcançaram uma
solução positiva permanente. O mesmo tem acontecido do lado venezuelano, do que
se subentende que as dificuldades de cuidar da saúde das aldeias Yanomami são
inexcedíveis. Seja por desleixo, incompetência sistêmica, ou falta de recursos,
nosso sistema de saúde tem realizado não mais que remendos daquilo que
realmente é necessário para obter resultados positivos para os Yanomami.
O estado de desespero sanitário dos Yanomami
vem sendo contabilizado ao governo recém passado por dois motivos principais. O
primeiro teria sido por uma espécie de desleixo proposital do governo
Bolsonaro, não, do próprio presidente Bolsonaro, em relação aos Yanomami, como
se não houvesse SESAI, nem Polos Básicos de Saúde, nem qualquer tipo de serviço
médico nas aldeias. Naturalmente isto não é verdade.
O segundo motivo seria a presença maciça de
garimpeiros destroçando rios e igarapés próximos a aldeias indígenas,
transmitindo doenças, provocando os índios, estuprando suas mulheres,
fornecendo comida da cidade de má qualidade e, enfim, desmantelando o sistema
social e econômico dos Yanomami e provocando mais fome ainda. Bolsonaro seria
responsável por ter favorecido oportunidades aos garimpeiros para invadir a
Terra Yanomami, mesmo tendo acionado ao menos três expedições policiais de
desintrusão de garimpeiros. Em consequência de tal leniência, de 1.500 a 2.000
garimpeiros que havia em 2013, segundo dados apresentados por Bruce Albert and
Davi Kopenawa1, seriam hoje cerca de 20.000, um número bem maior do que aquele
de 1991-92, quando entre 5.000 e 8.500 teriam sido retirados pela Funai e pela Polícia
Federal sob as ordens do presidente Collor de Mello2.
1 A Queda do Céu (Companhia das Letras, 2014). Em matéria do show Fantástico, da Rede Globo, na noite de 9/10/2011 o número de garimpeiros é contabilizado em 1.800.
2 O número dado em matérias jornalísticas recentes é de 40.000, evidentemente irreais.
Como parte daquela operação, foram instalados
postos de vigilância, a cargo da Funai, em pontos estratégicos dos rios
Catrimani, Uraricoera e Mucajaí e em rodovias que passavam perto da terra
indígena. Nesses locais haviam sido construídos pelos financiadores de
garimpeiros dezenas de pequenas pistas para decolagem e pouso de pequenas
aeronaves demandando o garimpo no interior da terra indígena. Depois daquela
extraordinária devassa de 1992, por ao menos as duas décadas seguintes o número
de garimpeiros se reduziu enormemente3, até que, no segundo governo Lula, os postos
de vigilância foram extintos e, em seguida, desalojados por uma desastrada mudança
na estrutura da Funai, sobre a qual pouco importa analisar para nosso propósito
aqui. Daí por diante os garimpeiros começaram a retornar aos garimpos e abrir novos pontos ou retornar aos velhos
pontos conhecidos ao longo desses rios e seus afluentes ricos em ouro de
aluvião. Por mais que o segundo governo Lula e os governos subsequentes
fizessem operações de expulsão, os garimpeiros voltavam sempre.
3 Sem esquecer, no entanto, que foi em 1983 que se deu o massacre de Haximu, uma aldeia Yanomami do lado da Venezuela, que foi invadida por garimpeiros brasileiros, resultando na morte de 16 índios e dois garimpeiros.
Se há ou não 20.000 garimpeiros na Terra
Indígena Yanomami, atualmente, não se pode ter certeza. Este é um número muito
elevado para os tempos atuais, onde a eficiência do maquinário é bem maior do
que nos anos 1980. Haveria de ter muitos pontos de garimpagem por toda a terra
indígena, e muitos visíveis por satélite, para se afirmar que tantos estão lá
efetivamente. Será de todo modo mais fácil de encontrar esses pontos e expulsar
os garimpeiros. Aliás, os pontos estão mapeados, há muito tempo. Sabe-se
inclusive os lugares onde funcionam grandes garimpos, onde há conluio com
algumas lideranças Yanomami e onde há forte resistência da parte de outros. Não
seria tão difícil conseguir a retirada e extinção dos garimpos de um modo quase
definitivo, digamos assim, para não parecermos tão otimistas, caso haja uma
real determinação para isso. Ao que parece este é o intento do presente
governo.
Em conclusão, o presente governo pretende com
todas suas forças arregimentáveis transformar a situação dos Yanomami num caso
internacional de acusação de genocídio, culpando diretamente o ex-presidente
Bolsonaro. Segundo os primeiros argumentos veiculados, Bolsonaro teria sido
mais do que omisso em não retirar garimpeiros devidamente e não ouvir os
reclamos agonizantes das associações e das ONGs que os protegem. Bolsonaro
teria deixado de propósito que a saúde dos índios entrasse em colapso
implacável e que a presença de garimpeiros se alastrasse para que,
eventualmente, viesse a ser aceita a legalização do garimpo em terras indígenas,
algo que diversos governos já haviam tentado fazer, como Sarney, em 1990, e o
segundo governo Lula, em 2007.
O fato é que Bolsonaro fez igual ao que
fizeram outros presidentes depois de Collor, tapando o sol com a peneira. Por
outro lado, em nenhum momento apresentou quaisquer projetos de lei ou propostas
para diminuir direitos indígenas ou rebaixar tradições do indigenismo
rondoniano ou fugir das leis concernentes aos índios, uma das quais trata da
possibilidade de os índios usufruírem de bens de subsolo ou de correntes dos
rios que estão em suas terras.
O erro fundamental de Bolsonaro, como
presidente, foi não ter dado ouvido à admoestação: “índio é federal, com eles
não se mexe”, como dizem vizinhos pobres que cobiçam suas terras, garimpeiros,
madeireiros e tutti quanti. Importaria muito a ele se tivesse entendido que o
índio está no âmago da consciência nacional.
Eis o busílis da questão que está por trás deste buliçoso caso Yanomami. E muita gente de boa reputação, emergindo das greis de advogados, juristas e políticos, está pronta para provocar processos judiciais, jurídicos e políticos, nacionais e internacionais, de acusação de genocídio ao ex-presidente Jair Bolsonaro por força dessas evidências tão estonteantemente alarmantes. Assim, talvez, a consciência pesada de cada um lhe fique leve.
Aqui paro. No próximo artigo tratarei do que
pode ser feito em benefício dos Yanomami, caso haja interesse do próximo
governo ou dos leitores destes artigos.
*Mércio Pereira Gomes. Antropólogo, professor da UFRJ, ex-presidente da Fundação Nacional do Indio (Funai – 2003-2007), autor de vários livros, em que se destacam Democracia em Convulsão (2020), O Brasil Inevitável: Ética, mestiçagem e borogodó (2019), Para Conhecer e Amar os Indios (2014), Os Indios e o Brasil (1988 e 2012) e Darcy Ribeiro (2000).
4 comentários:
No final do capítulo 4 (publicado ontem), o autor escreveu:
"O conjunto de terras já homologadas pelos governos anteriores a Lula formavam um corpo de 340 unidades. Ao longo do primeiro período de Lula (2003-2007) foram homologadas mais 66 terras indígenas e demarcadas mais 31, com um número maior de terras em estudo, algumas das quais vieram a ser finalizadas nos anos seguintes. Já no segundo mandato de Lula e nos mandatos de Dilma Rousseff, 43 terras foram homologadas... No curto tempo de Michel Temer como presidente apenas 1 terra indígena foi homologada."
E no longo tempo de 4 anos de Bolsonaro, quantas terras indígenas foram demarcadas? NENHUMA!
Bolsonaro mandou fazer estudos para novas demarcações?
Mércio, não precisava escrever tanto e usar tantas palavras para diluir estas informações e não facilitar a comparação dos teus leitores! Lamento que não tenhas tornado mais fáceis as comparações necessárias!
Em termos de demarcações de terras indígenas, Bolsonaro foi O PIOR presidente que tivemos nas últimas décadas! Há algum motivo pra não quereres demonstrar isto?
Mércio faz enorme esforço retórico para diminuir a responsabilidade de Bolsonaro e seu governo no agravamento da situação dos indígenas brasileiros. Esforço pouco convincente, pois quem não se lembra da frase do ex- presidente a respeito do Brasil não ter sido eficiente em "resolver" a questão indígena como a cavalaria norte- americana havia feito?
"O fato é que Bolsonaro fez igual ao que fizeram outros presidentes depois de Collor, tapando o sol com a peneira."
Que presidente nomeou um policial federal para comandar a Funai? Qual a capacitação do delegado Marcelo para comandar este órgão e toda a política indigenista do DESgoverno Bolsonaro?
O autor atribui à ex-ministra Damares Alves algum conhecimento sobre os índios: "a pastora Damares Alves, ela própria com um histórico de conhecimento e intervenção na questão indígena, por ser assessora legislativa de um senador da República".
É realmente lamentável o esforço que Mércio faz para encontrar méritos incompreensíveis na gestão de Bolsonaro, e como o autor pouco mostra de toda a ideologia anti-indígena deste ex-presidente, que tanto prejudicou o funcionamento da Funai, perseguiu funcionários e fiscais do Ibama e do MMA principalmente na região amazônica e fez todo o possível para estimular o garimpo ilegal e as invasões de terras públicas e indígenas.
Por que a SESAI, os Polos Básicos de Saúde e todos outros tipos de serviço médico nas aldeias deixaram a saúde dos ianomâmis chegar a níveis tão degradantes durante 4 anos do DESgoverno Bolsonaro? Quando Bolsonaro demonstrou algum interesse pela situação deles? Os funcionários da Funai tinham pouco apoio da direção deste órgão e nenhum apoio de Bolsonaro! Vários saíram por discordar de como o DESgoverno deixava a situação degringolar quase abandonando os índios à sua própria sorte.
EM 2 MESES, Lula já melhorou bastante a situação dos ianomâmi e boa parte dos garimpeiros já deixou VOLUNTARIAMENTE a região ianomâmi, pela mera divulgação de que o Governo, a PF, a Força Nacional e o Exército ATUARIAM EFETIVAMENTE CONTRA o garimpo ilegal.
Muitas máquinas e instalações foram destruídas pelas autoridades fiscalizadoras AGORA. Bolsonaro não aceitava que houvesse este tipo de atuação durante seu DESgoverno!
Mércio, é muito pobre a tua análise da atuação CRIMINOSA de Jair Bolsonaro na questão indígena!
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