sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Bernardo Mello Franco - Chamado de radical na ditadura, dom Mauro Morelli dedicou vida à luta contra a fome

O Globo

Bispo emérito de Duque de Caxias apoiou movimentos sociais, incomodou governos e ajudou a fundar a Ação pela Cidadania

A notícia passou quase batida entre tiros e bombas no Oriente Médio. Morreu na segunda-feira dom Mauro Morelli, bispo emérito de Duque de Caxias. Com ele, vai-se um pedaço da história da luta pela democracia e contra a fome no país.

Dom Mauro foi ordenado padre em abril de 1965, quando a ditadura completava um ano. Em pouco tempo, entraria na mira dos órgãos de repressão. Relatórios militares se referem ao religioso como “progressista radical” e defensor de “subversivos”. “Desde seu tempo de seminário, está voltado para ideias marxistas”, sentenciou o Centro de Informações do Exército, em 1973.

Nomeado bispo auxiliar de São Paulo, aproximou-se de dom Paulo Evaristo Arns, o cardeal dos direitos humanos. Apoiou as comunidades eclesiais de base, as greves operárias, a campanha contra a tortura e pela Anistia.

Em 1981, tornou-se o primeiro bispo de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Passou a conviver de perto com a fome, a violência, a miséria nas favelas. Inconformado com a inércia do poder público, incentivou movimentos sociais e organizou um mutirão para combater a desnutrição infantil. A causa o acompanharia até o fim da vida.

Dom Mauro nunca parou. A convite de Itamar Franco, foi o primeiro presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar. Em parceria com Herbert de Souza, o Betinho, fundou o Movimento pela Ética na Política e a Ação da Cidadania.

Mais tarde, participou do Comitê Permanente de Nutrição da ONU e ajudou a formular o programa Fome Zero. A quem esperava indulgência com Lula, respondeu com críticas ácidas à gestão do PT. “O grande equívoco de um governo é achar que recebeu o mandato e se afastar do povo”, advertiu, em 2004.

No ano seguinte, dom Mauro voltaria a surpreender. Renunciou à diocese de Caxias e passou a se dedicar integralmente à luta pela segurança alimentar. “A prioridade da minha vida será incomodar todos os que governam”, avisou.

Nos últimos tempos, o bispo levou sua militância cidadã para as redes sociais. Continuou ativo e engajado, sem se vincular a políticos ou partidos: “A Igreja não deve ser aliada do poder, mas cooperar com o bem comum e a defesa da vida”.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Exatamente.