O Estado de S. Paulo
Continuo desejando uma solução de dois Estados independentes e solidários, mas me parece, a esta altura, tão religioso como desejar paz na Terra aos homens de boa vontade
Escrevo este artigo quando ainda se contam os
mortos e as explosões das bombas iluminam as telas de tevê. Escrevo depois de
um fim de semana terrível, quando ao menos 800 pessoas já tinham morrido num
ataque terrorista a Israel.
Impossível não mencionar minha tristeza e
sensação de cansaço com um conflito sem fim. Estou na política há meio século
e, quando comecei, o conflito entre Israel e palestinos já tinha mais de 20
anos.
Acompanhei a Guerra do Yom Kippur, há 50
anos, os acordos de Oslo, em 1993, as inúmeras intifadas e nunca me afastei da
posição brasileira sobre o conflito. Acho que a melhor saída é a existência de
dois Estados independentes, vizinhos, vivendo em paz e cooperação.
Neto de libaneses, ao lado de meus companheiros de origem judaica Carlos Minc e o saudoso Alfredo Sirkis, sempre tentamos mobilizar as comunidades árabes e israelitas no Brasil para mostrarem, por meio de sua tolerância e fraternidade, que é possível uma coexistência pacífica.
Mas quando o ataque eclodiu, no fim de
semana, percebi como nossa proposta ainda tem um halo de utopia. Como convencer
o Hamas, se a perspectiva final do movimento é destruir o próprio Estado de
Israel? Como convencer os habitantes de Israel de que uma convivência é
possível? Noto em artigos do The Jerusalem Post, no fim de semana passado, que
a proposta de dois Estados é vista por alguns como fora da realidade.
Sempre repeti a frase de Marx que dizia que
os seres humanos não se colocam problemas que não possam resolver. Neste caso
específico, creio que não viverei o bastante para confirmá-la. Minha
expectativa de vida é curta diante da extensão deste conflito.
Creio que, apesar do cansaço e da tristeza
com as mortes, algumas lições podem se depreender dos acontecimentos na
fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza.
Uma delas poderia ser discutida no Brasil,
inclusive pelos militares, se estiverem interessados em aprender com a
História. Políticas de extrema direita, apesar de sua retórica, enfraquecem a
defesa nacional. Israel estava envolvido em conflitos internos porque Netanyahu
resolveu intervir e enfraquecer o Poder Judiciário. Todos os sábados havia
manifestações, e isso repercutiu muito entre os soldados que lá acompanham de
perto a política nacional.
Não quero dizer que isso tenha sido a causa
da bárbara invasão do Hamas. Mas como explicar o fracasso de uma inteligência
considerada internacionalmente como uma das melhores do mundo?
Quando se vê na televisão a série Fauda, que
conta a história de uma equipe de vanguarda na luta contra o terrorismo, a
impressão que se tem é a de que monitoram cada tentativa de atentado. O Hamas
mobilizou mais de mil pessoas, usou parapentes, motocicletas, disparou 2.200
foguetes, no mínimo. Como isso passou em branco?
Israel tem inúmeros agentes infiltrados na
Faixa de Gaza, todos falando árabe fluentemente, e dispõe de equipamentos de
última geração, tanto para interceptar comunicações como para acompanhar
movimentos nas ruas empoeiradas da região.
A esperança de que algo possa acontecer no
caminho dos dois Estados passa pela queda de Benjamin Netanyahu e a
neutralização da força militar do Hamas.
É difícil que os dois fatores aconteçam
juntos. Mas gente mais importante do que ele, Golda Meir, caiu depois da Guerra
do Yom Kippur. Mesmo se obtiver resultado na sua campanha na Faixa de Gaza,
Netanyahu pode encerrar sua carreira.
Ainda assim, apenas alguns fatores são
resolvidos no caminho da paz. Faltam outros, porque a situação é bem complexa. Os
acordos de Oslo, em 1993, foram uma esperança. Mas quantos não morreram depois
dele? O próprio Itzhak Rabin, que o firmou por Israel, acabou assassinado.
Nesta região tudo é entrelaçado. Depois de
alguns anos de cativeiro entre os árabes, Israel trocou um único prisioneiro,
Gilad Shalit, por mil palestinos. Entre os palestinos trocados estava Yahya
Sinwar, precisamente o homem que dirigiu os ataques de sábado passado e, agora,
de posse de cem reféns israelitas, deve estar se preparando para pedir alto.
Israel se vê, agora, na iminência de invadir
a Faixa de Gaza, onde já esteve e de onde Ariel Sharon resolveu sair, cansado
de ser apenas um alvo para ataques isolados.
Qual seria a vantagem de uma nova invasão,
num momento em que há cem reféns nas mãos de Sinwar?
É tudo muito complicado. Continuo desejando
uma solução de dois Estados independentes e solidários, mas me parece, a esta
altura, tão religioso como desejar paz na Terra aos homens de boa vontade,
ignorando os terroristas e a própria extrema direita israelense.
Em termos de política externa brasileira, não
há outro caminho. Se é quase impossível uma solução negociada, é importante
repeti-la e, por via das dúvidas, retirar todas as pessoas com passaporte
brasileiro das áreas de conflito.
A presidência da ONU quando se criou o Estado de Israel era ocupada pelo brasileiro Oswaldo Aranha. Estamos comprometidos desde o primeiro momento.
3 comentários:
Excelente! Gabeira reflete sobre a questão e o contexto histórico e geográfico, ao contrário de colunistas como Merval, Cantanhêde, Lafer e outros, apenas preocupados em caracterizar o Hamas como grupo terrorista e pressionar o governo brasileiro que não atribui tal status a este movimento palestino.
Quando o Estado TERRORISTA de Israel mata centenas de civis palestinos e de outras nacionalidades que habitavam e/ou trabalhavam na Faixa de Gaza recentemente (e noutras áreas durante décadas), tais colunistas não escreveram uma palavra sobre os crimes israelenses e seu TERRORISMO de Estado!
Tomar partido neste conflito é muito cafona.
Se tivesse algum parente próximo do primeiro ministro de Israel entre os reféns creio que surtiria algum resultado,não tendo...
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