O Globo
Serão semanas difíceis. Ao final, descobriremos que não temos solução militar para o conflito e começaremos as negociações
Começo com o lado israelense da fronteira.
Depois de apelos emocionais e diretos,
moradores do sul começaram a receber visitas de políticos apoiadores do governo
Benjamin Netanyahu.
A vida no entorno da Faixa de Gaza nunca foi
simples. O ambiente pastoral, de periferia rural, contrastava com eventuais
ataques de foguetes do Hamas. Isso ocorre desde 2004. Com momentos mais tensos
ou menos tensos. Moradores dessa região sempre reclamaram de pouco investimento
na segurança e de falta de vontade de solução definitiva do imbróglio com o
Hamas de Gaza.
Negociações indiretas ocorriam,
principalmente durante os governos de Netanyahu; elas podiam resultar em
alargamento dos intervalos dos ataques. Mas não resolviam definitivamente a
situação. Aqui a lógica de ganhos pontuais e de administração do conflito era a
dominante. Netanyahu sobrevivia politicamente, e os habitantes reivindicavam
mais. Vida que seguia.
Hoje tudo mudou. Na realidade, tudo ficou diferente na última semana, no último sábado, na festa judaica de Simchat Torá (que celebra a conclusão e reinício da leitura anual da Torá, livro mais sagrado do judaísmo). Exatos 50 anos e um dia depois do início da Guerra do Yom Kippur, o maior fiasco militar de Israel até então.
Desta vez, centenas ou milhares (não se sabe
ao certo) de terroristas do Hamas entraram em Israel. Foi uma operação
meticulosamente calculada, por terra, mar e ar. O objetivo eram dois: matar
quem encontrassem pela frente e capturar o maior número de reféns possível.
Como em qualquer ataque terrorista, era fundamental gerar pânico.
Em Israel a vida avançava normalmente. Num
dia de feriado, as pessoas foram pegas desprevenidas. Sem preparação alguma.
Foi uma carnificina. As proporções ainda estão sendo descobertas. Mas as
histórias de crueldade e pânico que começam a ser contadas são terríveis. A
quantidade de vítimas assusta e, principalmente, seu perfil: crianças, mulheres
e idosos foram mortos de forma bárbara.
Os moradores do sul e da região com a
fronteira de Gaza se tornaram sobreviventes de um ato de barbárie sem
precedentes na História do país.
Algumas histórias acionam, inclusive, a
memória coletiva da Shoá, referência tatuada na alma de judeus israelenses. É
esse quadro que Nir Barkat encontra no sul.
Deputado pelo Likud, ele é recebido por
moradores irados e indignados. Um deles havia sido atacado num abrigo
antiaéreo. Os terroristas, conta o morador, invadiram seu kibutz e mataram
todos os que estavam ali com ele. Ele era o único sobrevivente. Permanecera
entre cadáveres de amigos e vizinhos por 40 horas esperando resgate:
— Talvez você peça desculpa e se demita? —
berra o morador depois de contar sua história.
Barkat se cala.
Este governo, o mais de direita da história
de Israel, prometeu segurança e governabilidade. Assim foi eleito. Para isso,
propôs reformas judiciais, enfrentou manifestações e promoveu um ambiente de
forte polarização política. Não entregou o que prometeu. Seu território foi
invadido por terror. Agora há um número enorme de vítimas fatais, gente
traumatizada e reféns em Gaza. Um caos.
Do lado de lá da fronteira, em Gaza, um grupo
terrorista está pronto para a reação que, sabe, virá.
Desta vez não apenas palestinos servirão de
escudo humano do Hamas, mas também um número ainda não conhecido de reféns
israelenses. Isso dificulta tudo. Israel entrará por terra em Gaza? Isso levará
o Hezbollah para a guerra? Podemos estar diante de uma guerra regional? E o
terrível número de vítimas civis palestinas que a invasão pode causar?
Não sabemos responder ainda. Netanyahu
aceitou a entrada de líderes da oposição num gabinete de crise. Como se as
crianças deixassem os adultos entrar na sala. Para um líder experiente e
centralizador como ele, é uma humilhação.
Seu governo acabou, provavelmente sua
carreira também. Teremos a morte do cisne, longamente afundando num mar de
sangue.
Serão semanas difíceis. Morte, bombardeios e
civis sofrendo. Ao final, descobriremos que não temos solução militar para o
conflito e começaremos as negociações. Sem Bibi e sem o Hamas.
*Michel Gherman é professor do Departamento
de Sociologia da UFRJ, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos
Judaicos da UFRJ e assessor do Instituto Brasil-Israel
Um comentário:
O professor que foi ''calado'' por alunos fascistas numa palestra.
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