quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Vera Magalhães - O Natal de Haddad

O Globo

Ministro certamente não receberá toda a lista de presentes do Papai Noel, mas termina o ano com selo de 'bom menino' dado por Lula, pelo mercado e pelas agências de risco

Fernando Haddad certamente não receberá do Papai Noel do Congresso todos os presentes que pôs na sua lista, mas o ministro da Fazenda termina o primeiro ano do governo com um atestado de “bom menino” vindo de onde menos se poderia esperar há 12 meses: o mercado que o via com desconfiança e as agências internacionais de risco.

Enquanto fechava esta coluna, a Medida Provisória 1.185, regalo mais vistoso da sua extensa carta de pedidos aos legisladores, ainda corria certo risco. Um movimento pela derrubada do texto que muda a cobrança de impostos federais sobre projetos que receberam incentivos fiscais era capitaneado por uma das oposicionistas mais eficientes e discretas da era Lula, a ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro Tereza Cristina.

O ministro da Fazenda, sua equipe e também os responsáveis pela sempre reativa articulação política do governo tiveram de arregaçar as mangas e trabalhar para evitar mais uma derrota nas votações pré-natalinas. À noite, os riscos de derrota já eram menores que de manhã, mas nada neste ano foi sem emoção para a equipe econômica.

O que nos leva direto a outra lista, aquela das metas de Ano-Novo, outra tradição. O que o titular da Fazenda pode esperar de 2024 depois de ter conseguido não só dobrar a turma da Faria Lima e de Wall Street, mas também convencer o próprio Lula e as duas Casas do Congresso de que o caminho correto para o Brasil encontrar o rumo do crescimento mais robusto com distribuição de renda passava pela austeridade?

Digamos que ele não terá aquele calendário benevolente dos que tentam novas dietas e fazem planos de praticar exercícios físicos regularmente, que se estende por longos 12 meses. Para o petista, a primeira prestação de contas com o pretendido virá já em março, quando acontece a primeira revisão orçamentária.

É nesse momento que todos aqueles que torceram para que Haddad se estropiasse ao longo de 2023 renovarão seus votos. A depender de quão distante ele estiver da meta de déficit zero, o que não faltará é áulico no ouvido de Lula dizendo que já chega de política neoliberal, que o negócio mesmo é gastar (mais) e que disso dependerá sua reeleição.

Para um presidente que comete o ato falho de, no balanço natalino, brincar que, se é verdade que tem sorte, o povo deveria elegê-lo “para sempre”, trata-se de um argumento quase infalível, vamos convir.

Foram muitas as mudanças de postura e, até mais profundas, de visão de política e economia possíveis de detectar em Haddad ao longo deste ano. Dos personagens relevantes da República, sem dúvida, ele descreveu o arco mais interessante de reposicionamento.

É de tirar o chapéu que tenha conseguido driblar todos os que buzinaram no ouvido de Lula (e em praça pública) por um cavalo de pau na economia. Pessoas com gogó, cadeiras importantes e um passado ao lado do presidente.

Também não é menos relevante ter deixado de ser um “comunista perigoso” para virar um “moderado racional” aos olhos dos sempre ansiosos e pouco entendidos de política que fazem preço no Brasil. Dono de um humor ácido, ele deve ter se divertido bastante com essa parte da jornada.

O mais penoso, porque aí envolve lidar com gente mais astuta que ele nos bastidores da política, é justamente o que tem de fazer quase com o peru já no forno: convencer deputados e senadores a pagar suas faturas de que nem Papai Noel dá conta.

Mas parece que até nessa seara, mesmo com derrotas amargas ao longo de 2023, o saldo final será positivo, a depender do destino da MP 1.185. Fruto, em enorme medida, da ajuda de Arthur Lira, que também resolveu escrever para si um 2023 em que foi visto por boa parte do PIB como arauto das boas práticas econômicas, longe da imagem anterior de um líder do baixo clero.


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