Os "pacotes" de curto prazo voltaram à rotina no lugar de políticas econômicas. A razão disto está no entrelaçamento dos problemas de difícil desatamento que foram se acumulando e da resistência dos agentes econômicos a reorientarem os propósitos da economia brasileira, encontrando uma porta para novos tempos, em vez de pacotes para manter o velho ritmo. Estamos sequestrados pelo real valorizado. Mantê-lo apreciado motiva desindustrialização, sua desvalorização eleva o custo dos insumos e dos preços dos bens importados. Em uma economia aberta isso significa inflação. E escassez numa economia exportadora de bens primários e importadora de bens de alta tecnologia.
Estamos amarrados ao desempenho da indústria automobilística. A economia sofrerá se reduzirmos a produção e a venda de carros, mas para dinamizar a indústria de automóvel é necessário facilitar crédito e desonerar impostos. E facilitar crédito leva à inadimplência, desonerar impostos gera problema de déficit e reduz investimento público, inclusive para as obras em infraestrutura urbana necessária para evitar o colapso, já em marcha, das cidades e estradas.
Os juros altos nos aprisionam há décadas, mas sua redução pode reduzir o fluxo internacional de divisas para o Brasil e insuflar crédito e consumo, com ameaça à estabilidade monetária, além do aumento ainda maior da inadimplência. A exportação de "commodities" permite gerar superávits na balança comercial, mas implica vulnerabilidade à demanda e à vontade de outros países, especialmente a China, devido à baixa elasticidade da demanda por esses produtos, e ao risco decorrente de novos produtores, especialmente na África.
O baixo investimento crônico em C&T nos faz escravos da baixa competitividade, por não produzirmos bens com características inovadoras, de alta tecnologia. Nossos produtos levam a marca "feito no Brasil", mas não "criado no Brasil". Para sair dessa escravidão precisamos reformar drasticamente o frágil setor produtor de conhecimento, fruto de décadas de uma universidade divorciada do setor produtivo e do baixo investimento privado em inovação.
Somos viciados nos gastos públicos, sobretudo para custeio, com todas as suas consequências, mas reduzi-los tem implicações negativas sobre os serviços públicos e sobre a demanda agregada. Somos prisioneiros da baixa capacidade de poupança por parte da população, porque o imediatismo da cultura de consumo, que caracteriza a economia brasileira, impede elevar a poupança agregada para o nível necessário; mas, se dermos incentivos para aumentar a poupança vamos ter restrição de consumo e, em consequência, de crescimento.
Temos amarras legais e comportamentais que tornam difícil a reorientação da economia: o corporativismo, que impede aos agentes políticos a visão do interesse nacional; a insegurança jurídica, que não permite estabilidade na antecipação das decisões tomadas pelos agentes econômicos; e também amarras constitucionais que podem transformar crises econômicas em institucionais, porque medidas simples exigem Propostas de Emenda à Constituição.
Uma forte amarra está na euforia que os últimos governos têm passado e que funciona como um falso vento que consegue soprar as velas do barco, até que se descubra que o vento é ilusório. Enquanto prevalece o imaginário de que tudo está bem fica difícil perceber que a economia não vai bem e promover mudança de rumo. E com isso vamos adiando a busca de soluções, continuando com os pequenos ajustes dos pacotes.
A principal causa da opção por pacotes, ao invés de porta, está na miopia de olhar apenas para o curto prazo, no lugar de políticas de longo prazo, e na falta de vontade nacional para reorientar os rumos da economia. Os pacotes são formulados de acordo com o cronograma eleitoral e não segundo as tendências das variáveis do processo econômico no país e no mundo.
Até outubro de 2012, busca-se passar a impressão de que há uma boa taxa de crescimento do PIB. Logo depois será tempo de pensar em 2014. Em vez de desatar o entrelaçamento de problemas, vamos adiando a construção de uma política de médio e longo prazos, que não apenas use "pacotes", mas enfrente os entraves estruturais, abra a porta para um novo modelo de desenvolvimento, buscando a elevação do bem-estar, não necessariamente da taxa de crescimento, em equilíbrio com o meio ambiente, passando a produzir bens com alto conteúdo de conhecimento.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
FONTE: O GLOBO
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