Ao analisar a denúncia do MP em 2007, Supremo derrubou por unanimidade uma das principais teses apresentadas agora pelos advogados para tentar a absolvição dos réus por corrupção passiva
Ana Maria Campos
A tese de uso de dinheiro do esquema comandado pelo empresário Marcos Valério para custear um caixa dois de campanha como estratégia de defesa para quem responde por corrupção passiva foi derrubada por unanimidade no Supremo Tribunal Federal (STF) na decisão sobre o recebimento da denúncia do mensalão em 2007. Nessa etapa, quando são analisados indícios mínimos para a abertura de ação penal, os ministros firmaram o seguinte entendimento: "É irrelevante a destinação lícita eventualmente dada pelos acusados ao numerário recebido".
Essa posição consta do acórdão do mensalão, a decisão que reuniu todas as posições majoritárias proferidas no recebimento da denúncia e que nortearam a instrução processual. O assunto foi discutido quando os ministros concordaram com a petição do então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, e determinaram a instauração de ação penal por corrupção passiva, prevista no artigo 317 do Código Penal, contra 13 acusados (veja quadro ao lado — com exceção do ex-deputado José Janene, morto em setembro de 2010).
Da composição atual do plenário, apenas os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber não participaram do julgamento. Seguindo o voto do relator, Joaquim Barbosa, os ministros concluíram que, para caracterizar a corrupção passiva, pouco importa o destino do dinheiro repassado pelo suposto esquema criminoso. Basta que os políticos tenham recebido algum tipo de benefício ou vantagem em decorrência do cargo que ocupavam. Está nesta situação, por exemplo, o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, o próprio delator do mensalão.
A defesa de Jefferson admite ter recebido R$ 4 milhões de Marcos Valério na sede do PTB, mas alega que o dinheiro fazia parte de um acordo fechado com o PT durante as eleições de 2002. O acerto envolveria a cifra de R$ 20 milhões. Chamou a atenção de delegados da Polícia Federal e dos procuradores responsáveis pelo inquérito do mensalão o volume de recursos em espécie que circulavam entre as empresas de Marcos Valério e políticos, a ponto de eventualmente ser necessário o uso de carro-forte com seguranças para proteger a dinheirama. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, chegou a ridicularizar as transações, durante a sustentação da acusação na última sexta-feira. "É o completo descrédito no sistema bancário", disse.
Nesta semana, o advogado de Delúbio Soares, Arnaldo Malheiros Filho, admitiu na tribuna do STF que seu cliente envolveu-se em crime, mas sustentou não se tratar de corrupção. "Todo esse dinheiro em cash sugere ilícitos. E era ilícito mesmo. Delúbio não nega que operou caixa dois", sustentou o defensor do ex-tesoureiro do PT. A argumentação é de que o crime praticado é o previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, de falsidade ideológica. O PT teria arrecadado, mas esses recursos não teriam sido contabilizados na Justiça Eleitoral. Nesse caso, o crime já estaria prescrito. Delúbio responde por corrupção ativa e formação de quadrilha.
A versão do caixa dois foi apresentada no auge do escândalo do mensalão, em 2005, pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, um dos mais reconhecidos criminalistas no país, hoje advogado de um dos réus do mensalão, José Roberto Salgado, executivo do Banco Rural. Na visão de integrantes do Ministério Público e de criminalistas, a tese tem peso político porque ameniza a acusação de corrupção. Mas dificilmente será aceita pelos ministros do STF. Os 12 denunciados por corrupção passiva podem até se livrar da acusação, avaliam advogados consultados pelo Correio, mas sob outro fundamento.
O advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, defendeu em plenário na última segunda-feira que não houve corrupção nas transações entre as empresas de seu cliente e os partidos políticos porque a relação foi privada e não envolveu diretamente funcionários políticos. Na denúncia, há outros políticos, como os ex-deputados Paulo Rocha (PT-PA) e Professor Luizinho (PT-SP), relacionados à entrega de dinheiro do esquema de Marcos Valério. Eles, no entanto, respondem apenas por lavagem de dinheiro.
Os repasses
Confira os acusados de receber dinheiro no mensalão e que respondem por corrupção passiva no STF
João Paulo Cunha (PT)
Então presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP) recebeu R$ 50 mil por meio da mulher dele, Márcia Regina Cunha, da conta da SMP&B. Ainda parlamentar, é candidato à prefeitura de Osasco (SP)
Pedro Corrêa (PP)
Era presidente do PP e deputado federal por Pernambuco. Teve o mandato cassado após o escândalo do mensalão. Teria recebido uma parte dos R$ 4,1 milhões repassados pelo esquema de Marcos Valério ao PP
Pedro Henry (PP)
Era deputado por Mato Grosso e líder do PP na Câmara. Ainda exerce mandato de deputado federal. É acusado de ter recebido uma parte de R$ 2,9 milhões repassados pelo esquema ao PP
João Cláudio Genú (PP)
Era assessor do deputado José Janene (PP-PR), que morreu em setembro de 2010. Suposto homem de confiança da cúpula do PP. Responde como intermediário do repasse das empresas de Marcos Valério para o partido
Valdemar Costa Neto (PL, hoje PR)
Deputado federal pelo PR-SP, era o presidente do PL. Teria recebido R$ 8,85 milhões, sendo R$ 6 milhões por meio da empresa Guaranhuns Empreendimentos; R$ 1,5 milhão diretamente do esquema de Marcos Valério; R$ 1 milhão por intermédio de Jacinto Lamas; R$ 350 mil de Antonio Lamas
Jacinto Lamas (PL, hoje PR)
Tesoureiro do PL até fevereiro de 2005, é apontado como intermediário dos repasses do esquema de Marcos Valério
Bispo Rodrigues (PL, hoje PR)
Era deputado pelo PL do Rio de Janeiro e vice-presidente do partido. Teria recebido R$ 150 mil de Simone Vasconcelos, então diretora administrativa-financeira da SMP&B
Roberto Jefferson (PTB)
Presidente nacional do PTB, era deputado federal e perdeu o mandato em decorrência das denúncias que ele mesmo fez. Recebeu R$ 4 milhões de Marcos Valério na sede do PTB, num acordo com o PT que previa o repasse de R$ 20 milhões
Emerson Palmieri (PTB)
Era tesoureiro informal do PTB. Recebeu R$ 4 milhões do esquema de Marcos Valério. Também recebeu R$ 1 milhão e repassou ao ex-presidente do PTB José Carlos Martinez
Romeu Queiroz (PTB)
Era deputado federal pelo PTB de Minas Gerais. Recebeu R$ 102,8 mil que seria para o próprio. Ao lado de Emerson Palmieri também teria levado R$ 1 milhão para o PTB
José Borba (PMDB)
Atual prefeito de Jandaia do Sul (PR), era deputado pelo Paraná e líder do PMDB. Recebeu R$ 200 mil de Simone Vasconcelos
Henrique Pizzolato
Então diretor de Marketing do Banco do Brasil, recebeu R$ 326,6 mil do grupo empresarial de Marcos Valério. Teria beneficiado a empresa DNA Propaganda, do empresário mineiro
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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