quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Defesa do Banco Rural culpa executivo morto

Direção tenta se isentar por empréstimos

Repasses foram feitos ao PT e a empresas de Valério; advogado e ex-ministro Márcio Thomaz Bastos pede cuidado: "É um julgamento de bala de prata, feito de uma vez só!

Numa estratégia unificada, os advogados dos réus José Roberto Salgado, Vinicius Samarane e Ayanna Tenório, executivos do Banco Rural, responsabilizaram pelas operações de crédito ao PT e às empresas de Marcos Valério o vice-presidente do banco em 2003, José Augusto Dumont, já falecido. A defesa do deputado João Paulo Cunha, único réu que disputa cargo eletivo este ano, disse que ele usou o dinheiro de Valério para pagar pesquisas eleitorais e que não há irregularidade, por isso mandou sua mulher fazer o saque. O ex-presidente Lula ligou para o advogado Márcio Thomaz Bastos, defensor de Salgado, para saber do julgamento.

Réus do Banco Rural põem a culpa no morto

Defesa acusou dirigente falecido e desqualificou depoimento de ex-funcionário

Thiago Herdy, André de Souza

BRASÍLIA Os advogados de três executivos do Banco Rural que são réus no processo do mensalão usaram linhas de defesa semelhantes ontem no Supremo Tribunal Federal para proteger seus clientes: jogaram a culpa no vice-presidente do banco, José Augusto Dumont, já falecido. E desqualificaram o testemunho de Carlos Godinho, ex-funcionário do Rural que, em depoimento à Procuradoria Geral da República, incriminou a cúpula do banco.

Segundo os advogados, os réus José Roberto Salgado, Vinicius Samarane e Ayanna Tenório não tiveram participação nas operações de crédito ao PT e às empresas de Marcos Valério, em 2003. Tudo foi obra de Dumont. O MPF afirma que os empréstimos eram fictícios, uma fachada para desviar dinheiro público e permitir a compra de apoio político, o que os defensores negaram.

Salgado e Samarane ocupavam cargos sem relação direta com concessão de crédito, e Ayanna Tenório não trabalhava no banco na época dos empréstimos, afirmaram em plenário os advogados Márcio Thomaz Bastos, Maurício Campos Junior e Antônio Cláudio Mariz de Oliveira.

- É a revogação do tempo. A teoria da relatividade foi afrontada - ironizou Bastos, que defende Salgado.

- Arrasta-se para esse processo mais pessoas que não se encontram no tempo imputado na denúncia - argumentou Maurício Campos Junior, advogado de Vinicius Samarane.

Réus autorizaram renovações, diz MP

Mas, nas alegações finais entregues ao Supremo ano passado, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sustentou que José Roberto Salgado e Ayanna, além da então presidente do banco, Kátia Rabello, autorizaram as sucessivas renovações dos empréstimos nos anos seguintes a 2003, quando já ocupavam cargos ligados ao setor de crédito. Quanto a Samarane, Gurgel argumentou que ele, como responsável pelo combate a práticas ilícitas, atuou "decisivamente para viabilizar o esquema de lavagem de dinheiro executado pelo Banco Rural".

Em sua sustentação, Márcio Thomaz Bastos afirmou que o Ministério Público Federal acusava seu cliente, José Roberto Salgado, apenas com base no depoimento de Carlos Godinho, ex-superintendente do banco classificado por ele como um "falsário e um funcionário terceiro escalão".

- Foram 30 testemunhas arroladas pela acusação, nenhuma mencionou Salgado, apenas uma que traz uma série de intrigas, fofocas, entendimentos errados - criticou o advogado, que foi ministro da Justiça do governo Lula.

No seu depoimento, Godinho acusou dirigentes de ignorarem relatórios sobre a expressiva movimentação bancária das empresas de Valério, a concessão de empréstimos não amortizados e o excesso de saques em espécie.

Bastos disse, inclusive, que Gurgel não citou a testemunha em sua sustentação oral no segundo dia de julgamento, dando a entender que o procurador-geral também teria desacreditado o depoimento de Godinho. No entanto, a testemunha é citada diversas vezes, tanto nas alegações finais do Ministério Público Federal quanto no memorial entregue dias antes do julgamento.

- (Godinho) Mentiu sobre rotinas, mentiu sobre sua competência. Tudo desmentido por um calhamaço de depoimentos sob o contraditório, com o Ministério Público Federal presente, perguntando - afirmou Campos Júnior, advogado de Samarane.

- Por que Carlos Godinho não foi denunciado? (...) Dentro dessa ótima objetiva, deveria estar no polo passivo dessa ação penal - criticou Mariz de Oliveira, advogado de Ayanna Tenório.

Crítica a julgamento "bala de prata"

Bastos também negou que o Banco Rural tivesse emprestado dinheiro ao PT para ser beneficiado pela suspensão da liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, do qual era acionista. Segundo o procurador-geral Gurgel, o banco poderia obter vantagem de até R$ 1 bilhão caso o negócio se consumasse.

- O Rural era acionista minoritário, ele viu uma oportunidade de negócio. Dar R$ 32 milhões (ao PT) em 2003 para receber R$ 1 bilhão é um bom negócio, mas só na loteria esportiva, aqui não. Em maio de 2012, o Rural recebeu R$ 96 milhões (referentes à liquidação) por conta de sua aplicação e participação acionária (no Mercantil) - afirmou Bastos.

Os três advogados reclamaram da falta de elementos capazes de individualizar a conduta de seus clientes nas peças produzidas pelo Ministério Público.

- O fato de ser responsável por uma instituição financeira não significa evidentemente que seja responsável pelos delitos cometidos no âmbito dela - disse Bastos, que criticou o fato de o julgamento ocorrer como "um julgamento de bala de prata, feito de uma vez só".

- Atribuiu-se a todos a responsabilidade por todos os crimes, como se também Vinicius Samarane pudesse ser onipresente, onipotente e respondesse para o passado ou para o futuro relativamente a condutas das quais não participou - reclamou Maurício Campos Júnior.

- Não há uma testemunha que afirme que ela soubesse dos fatos. Saber como? Por osmose, por adivinhação? - reclamou Mariz, defensor de Ayanna Tenório, em uma das sustentações feitas em tom mais exaltado desde o início do julgamento.

"Eram as rotinas bancárias do país"

Campos Júnior rechaçou a ideia de que o banco adotasse uma rotina bancária em desacordo com as normas do Banco Central.

- Trata-se de identificar que, ao tempo das condutas e rotinas bancárias que este processo trata como criminosas, essas eram as rotinas bancárias de todo o país. Pior: o Banco Rural paga o preço de ter rotinas bancárias melhores, mais rigorosas, interpretações mais restritivas das cartas circulares do Banco Central. E só por isso este processo existe com a dimensão que possui, com o alcance que tem - afirmou.

Já Mariz de Oliveira alegou que Ayanna não tinha formação em finanças, mas administração e recursos humanos. Disse que sua cliente atuou na função de "compliance" (responsável por garantir o cumprimento das normas legais e regulamentares no banco) apenas por um mês, em 2005, e que por isso não poderia ser condenada por eventuais atos cometidos por outros dirigentes.

- Qual é o tênue indício, o frágil elemento a demonstrar que ela aderiu (à quadrilha)? Existia quadrilha? Qual o interesse pessoal, ganhou dinheiro? Protegeu o governo do PT? Estava imbuída de algum ideal cívico, para dar dinheiro para a base parlamentar para que o governo pudesse fluir normalmente? - ironizou.

FONTE: O GLOBO

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